Em geral, é no começo do ano, no início do ano letivo ou quando a violência explode nos arredores ou interior de uma escola que a educação ganha as manchetes da mídia. Há também a mídia especializada, especialmente preocupada com questões de cunho pedagógico e, mais recentemente, com os assuntos de “gestão”. Mas a mídia especializada tem como foco principal o ensino privado e sua realidade diferenciada, não sendo raro encontrar ali a figura de experts que procuram eventualmente replicar na escola pública o que, em outras condições, acontece lá, nos espaços privados. São passes de mágica e soluções fantásticas que têm muito pouco a ver com a realidade que enfrentam os professores da rede pública.
Não gosto de neologismos, nunca gostei, mas também não concordo em vitimizar os professores, especialmente os que atuam no ensino básico, na rede pública. Penso que ali estão por verdadeira vocação e, por isso, talvez devessem suportar qualquer coisa, inclusive condições indignas de trabalho. Bem, o problema é que isso eles já vêm fazendo há tempos. Por isso é preciso vilanizá-los sob outro prisma. Esse já está batido. Está provado que não convence nem comove ninguém. Pretendo valer-me, daqui em diante, de um termo que escutei de um jornalista aqui de Porto Alegre que classificou, em seu programa de rádio, os professores que faziam paralisação por três dias em protesto ao não cumprimento da Lei do Piso Nacional pelo governador Tarso Genro, como vagabundos.
Políticos abusam do termo
É o tipo de declaração que faz sucesso entre seu público, provavelmente. De outra forma, não estaria ocupando aquela posição. O uso do termo deriva da noção imprecisa e apócrifa de que o brasileiro, de um modo geral, é um vagabundo e que circula bastante em análises profundas como a tigela do gato. Os brasileiros que eu vejo pela rua provavelmente são estrangeiros. Não, não. Na verdade, no estrangeiro passeiam seus chefes e patrões, eles continuam por aqui, basta que se acorde bem cedo para checar a informação. Para aumentar a dose de realidade, talvez fosse conveniente acompanhar igualmente o trajeto de volta, bem mais tarde, no conforto do transporte coletivo e no clima cordial que há no trânsito de Porto Alegre. Caso não seja possível ou relevante, há vídeos no YouTube com professores reais.
A hipótese da vagabundização do professorado é coerente com muitas outras ideias, principalmente com as de políticos furta-cor que abusam de um termo que não lhes é caro, a educação pública, em campanhas eleitorais, mas que, de posse das cadeiras do executivo, jamais ousam enfrentar o problema onde precisa ser enfrentado – no financiamento de sua estrutura e valorização de seus profissionais. Em que pese não ser novidade alguma, tenho a suspeita de que são estas senhoras e senhores que vêm inspirando os demais setores da sociedade a vagabundizar a profissão e a chutar sua reputação mídia afora. O triste é constatar que a cobertura jornalística vem se amparando cada vez mais nesse tipo de análise e de conduta para tratar de um tema particularmente sensível para toda a sociedade.
Direito a revidar
No Rio Grande do Sul, onde governa o próprio autor da Lei do Piso, o ex-ministro da Justiça e da Educação governador Tarso Genro, os professores são especialmente descritos como seres radicais encolerizados e os governantes como esfalfadas e interessadas personalidade públicas. Isso vale para o atual governo e para os anteriores, de outras matizes ideológicas. A cobertura é sempre igual: são greves e manifestações públicas trazendo prejuízos às comunidades e famílias e governos apavorados em procurar moedas no fundo do cofre. Em defesa da dignidade dos professores, há algumas vozes, felizmente. O azar é que parece que os únicos interessados nelas são os próprios professores. Deve ser problema de autoestima.
Antes o tema ocupasse o desinteresse habitual que cerca os assuntos ditos insolúveis, como é a educação púbica. Talvez assim, pelo menos, os professores pudessem ser poupados de tantos adjetivos negativos e do vilipêndio público. Até ao saco de pancada é dado o direito de revidar, basta que não se foque sempre o pugilista.
***
[Lucio Carvalho écoordenador-geral da revista digital Inclusive e autor de Morphopolis]