Outro dia, disse a uma professora que um dos meus sonhos é construir um jornal. Ela rebateu dizendo que isso é ideia de doido e que o sonho dela é possuir um website onde pudesse criticar todo mundo. Acabei não explicando os detalhes do meu projeto: ressuscitar o jornalismo que a internet assassina com tanta destreza.
O diálogo com a professora me fez refletir e tentar entender o que alimenta essa ideia e as respostas vieram rapidamente: primeiro a universidade. A Unisul insiste em me dizer que o jornalismo local anda mal das pernas. Depois, este site onde teus olhos navegam e que analisa, criticamente, a nossa profissão, o Observatório da Imprensa. E, mais recentemente, parou em minhas mãos uma terceira personagem nessa história de convencer-me que o jornalismo tem como rumo o bueiro, a Revista de Jornalismo ESPM.
A publicação trimestral está em sua primeira edição e surge da parceria com a Columbia Journalism Review (CJR), uma cinquentenária americana que, nos EUA, serve também para monitorar os passos dos profissionais da imprensa. Aqui no Brasil, a ESPM, tradicional escola da propaganda e do marketing, além do lançamento da sua revista de crítica do jornalismo, vende outra novidade: a criação do curso de graduação em jornalismo em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. E também uma pós-graduação na terra da garoa.
A proposta da ESPM é a repetição e o fortalecimento de uma velha história. Para ser mais teórico, é uma paráfrase. Não é a primeira vez que se pratica o media-watching no Brasil. O Observatório da Imprensa, aquele mesmo site que me aponta problemáticas da nossa profissão, mantém viva a mesma formação discursiva desde a sua primeira edição, em abril de 1996. Mas existem acontecimentos discursivos: a parceria com a universidade americana; a criação da graduação e da pós-graduação aqui no Brasil, interferindo na formação das mulas e dos dinossauros (ver aqui), e a existência do papel impresso com essa linha editorial.
A credibilidade da versão brasileira
Nesta estreia, a revista se preocupou em mostrar sua importância ao excelentíssimo público-alvo, bem como as necessidades de sua criação. O primeiro editorial tem como título “A única opção”.
“Desde que nasceu, há exatos 60 anos, a ESPM se orgulha de dizer aos seus alunos que, aqui, eles aprendem com quem faz.” O texto serve para convencer os jornalistas de que é necessário não apenas passar pela academia, mas voltar a ela durante a carreira, porque é lá que se encontra o pensamento crítico “a revista de jornalismo ESPM, tem objetivo expresso de contribuir para a pesquisa e o conhecimento aprofundado do jornalismo – e de apoiar a formação e o desenvolvimento de jornalistas”.
Entendo que os donos de jornais deveriam conhecer as universidades que oferecem curso de Jornalismo. Ao menos aquelas próximas ao local de atuação da sua empresa, pois, ali, se formarão os profissionais que possivelmente serão seus empregados no futuro. A ESPM está fazendo ainda mais. A propaganda – e não podia ser diferente – é atrativa aos jornalistas que querem se atualizar e até mesmo dar um salto na carreira, e para aqueles que ainda nem começaram. A linha de apoio do editorial é um símbolo do projeto maior “só há um caminho para melhorar a imprensa: criticar a imprensa”. A ESPM fará isso, procriando excelência à formação das mulas e reparando dinossauros.
Ainda no editorial é lembrada a criação, em parceria com o Instituto de Altos Estudos em Jornalismo (IAEJ), do curso de pós-graduação com ênfase em Direção Editorial, que ocorre em São Paulo. O objetivo é: preparar profissionais que se encontram no meio da carreira para exercer funções de direção editorial. É um grande pacote, e a parceria com a Columbia Journalism Review é outro trunfo, talvez o maior, pois ela é “internacionalmente reconhecida como a principal publicação no mundo dedicada ao tema do jornalismo”. E consequentemente aumenta a credibilidade da, digamos, “filial” brasileira.
Crítica da mídia
Agora, peço ao ministro-chefe da CGU, Jorge Hage Sobrinho, licença para copiar o termo que ele utilizou no programa Roda Viva do dia 11/6/2012, referindo-se ao significado que o PSDB tinha para ele, quando esse partido foi criado. Hage disse que o PSDB era o “canto da sereia”. Pois bem, a conclusão do texto é para mim o “canto da sereia”: nossa revista será uma ponte entreo universo acadêmico e o universo profissional, com a ambição de gerar conhecimento crítico sobre a instituição da imprensa.
Os artigos da primeira edição contextualizam os problemas do jornalismo que se pratica atualmente no Brasil e também lá fora. Primeiro o leitor pode acompanhar o material produzido por profissionais da imprensa norte-americana e, depois, os articulistas brasileiros esclarecem a situação em nosso país a cerca do mesmo assunto.
Esse discurso de reformulação da imprensa por meio da crítica não é novo, o Observatório da imprensa segue a mesma linha editorial aqui no Brasil. O site criado em abril de 1996, tem o seguinte slogan: “Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito”. Eles são um veículo jornalístico focado na crítica da mídia. A formação discursiva, repito, é a mesma, mas existe um acontecimento discursivo que é a união entre a academia e a carreira.
Revista importante
Ainda assim, os atores desse pensamento se repetem:
>> Alberto Dines é fundador do Observatório da Imprensa e autor do artigo “O bumerangue da urgência”, veiculado na página 10 da Revista de Jornalismo ESPM. Dines tem 80 anos de vida e 60 de carreira jornalística. Não por menos é professor da disciplina História e Mudança no Jornalismo do curso de pós-graduação em Jornalismo com ênfase em Direção Editorial da ESPM.
>> Carlos Eduardo Lins da Silva é presidente do Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo e faz parte da equipe do Observatório da Imprensa. Escreveu oito pequenos textos na seção “Tudo em Dia” e também assinou o artigo “Informações de valor”, onde discorre sobre a criação do jornalValor Econômico, do qual foi o primeiro diretor-adjunto. No artigo anterior, Dean Starkman fala sobre a problemática do jornalismo econômico nos Estados Unidos, um dos questionamentos que Starkman destaca é se as matérias são produzidas para os investidores,ou para o público. Depois, o texto de Carlos Eduardo Lins da Silva fala sobre a situação no Brasil, através da experiência no Valor. O jornalista é professor de Indicadores de Qualidade Editorialdo curso de pós-graduação em Jornalismo com ênfase em Direção Editorial da ESPM.
>> Os artigos de Eugênio Buccitambém frequentam o Observatório da Imprensa. Na revista, ele assina o artigo “Papéis mal trocados” e critica o fato de que jornalistas e assessores de imprensa estão ligados ao mesmo sindicato no Brasil, no caso a Fenaj, mesmo tendo deveres diferentes na profissão. O assessor serve à empresa, o jornalista serve à sociedade. O artigo de Bucci vem na sequência do artigo “A verdade dos fatos” de John Sullivan, hoje um jornalista freelancer, mas que já atuou noNew York Times. Tanto o texto americano, quanto o brasileiro apresentam problemas para os jornalistas. O de Sullivan defende que o houve crescimento no número de assessores de imprensa e redução no número de jornalistas e o pior: os assessores ganham mais. Esses textos convencem muito jornalista de que a revista será importante.
Um único anúncio
As ideias da ESPM são pretensiosas e a parceria com a Columbia Journalism Review é o grande indicativo disso. Os americanos têm muito a ganhar com esse investimento no Brasil. Somos um país onde não falta assunto para jornalista tratar, pois nosso noticiário acalora todas as editorias. A ESPM pode mudar a história do jornalismo, já que atuará na formação desses profissionais.
A editoria de geral sempre percebe uma obra do governo que está atrasada. A Rede Globo e suas novelas preenchem o noticiário de fofoca e o canal também emprega artistas de peso, sustentando o noticiário de variedades. E temos ainda excelentes músicos, artistas plásticos, pintores, escritores. Em outras áreas não é diferente, a Economia está badalada, porque o Brasil tem a sétima mais forte. Nos assuntos da Política, sobra corrupção para as manchetes, e para os cadernos de Esporte, vem aí uma Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, que são eventos importantes para o monitoramento da Revista de Jornalismo ESPM, como lembrou Vitor Navasky, direto de Columbia no artigo “Brasil em pauta”.
O Brasil é um grande negócio. Tudo isso, fez com que a Revista de Jornalismo ESPM pudesse ser produzida com um único anúncio: o curso de pós-graduação. Nele, um corpo docente que enche os olhos de qualquer mula: Caio Túlio Costa, Roberto Civita e os citados Dines, Carlos Eduardo Lins da Silva e Bucci. Na minha condição de mula, vale repensar o projeto do jornal e adiar o lançamento, pois a reserva de dinheiro será da ESPM, que conduziu meus planos para São Paulo.
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[Nicolas David é estudante de Jornalismo, Florianópolis, SC]