Se nas guerras a primeira vítima costuma ser a verdade, na Revolução de 1932 não foi diferente.
O que foi diferente, isto sim, foi seu algoz. Em geral, a verdade sucumbe diante do conflito de versões dificilmente verificáveis pela imprensa. No caso da chamada Revolução Constitucionalista, no entanto, foi da própria imprensa que partiram os disparos que atingiram a verdade.
Não se trata da verdade abstrata, que resulta de convicções, de uma visão de mundo, de um entendimento particular sobre o lugar que São Paulo deveria ocupar naquela nova fase da República.
Trata-se, apenas, da verdade factual. Mal dado o primeiro tiro, em 9 de julho, as manchetes já tratavam o movimento como vitorioso, e com pouca variação mantiveram o mesmo tom até quase a derrota final, em outubro.
Nesse período, os jornais paulistas abriram mão de fazer jornalismo. Durante os três meses que duraram os combates, optaram por privilegiar uma campanha para elevar o moral da população e, sobretudo, das tropas.
Pouco interessava a informação objetiva da superioridade das forças federais, o fato incontestável de que tinham mais armas e eram mais bem treinadas.
Presos e exilados
No início, as conquistas pontuais dos soldados de São Paulo foram superestimadas. Mais tarde, os avanços das forças inimigas seriam minimizados.
Não é difícil entender por que a imprensa paulista agia assim. Se os jornais escolheram mobilizar em vez de informar, é porque haviam vestido farda bem antes da deflagração do conflito.
A revolução foi, em larga medida, articulada na sede do jornal mais importante da cidade na época, O Estado de S. Paulo, então com mais de meio século de existência.
Toda a imprensa paulista, no entanto, logo aderiu à causa. O Diário de S. Paulo e o Diário da Noite, ambos de Assis Chateaubriand, A Gazeta, de Cásper Líbero, e a Folha da Manhã e a Folha da Noite (que em 1960 seriam fundidos na Folha de S.Paulo), todos eles se transformaram em trincheira.
Houve, efetivamente, um efêmero Jornal das Trincheiras, com propaganda mais aberta, mas a diferença em relação aos demais jornais era mais de grau do que de natureza.
Também por um breve período circulou O Separatista, cuja razão de ser estava expressa no próprio título. Embora não contasse com o endosso da maioria da imprensa, a ideia representava uma dissidência tolerada.
O que os jornais não podiam era ser contra São Paulo. Um jornal tenentista, que apoiava o governante então provisório, Getúlio Vargas, teve sua sede destruída pouco antes do 9 de julho.
O esforço jornalístico de guerra contou com a participação especial do rádio. Como veículo de comunicação de massa, o rádio é contemporâneo da Revolução de 32. Nasceu na Record, que embalava o suposto noticiário com uma marcha militar, a “Paris Belfort”.
Não havia espaço para isenção. A imprensa paulista não apenas refletia os anseios da sociedade local. Também os insuflava, criando um círculo vicioso. Derrotadas as forças de São Paulo, jornalistas e donos de jornais foram presos e exilados. Do ponto de vista da história da imprensa, porém, a grande vítima foi a verdade.
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[Oscar Pilagallo é jornalista, autor de História da Imprensa Paulista (Editora Três Estrelas)]