David Carr, 55, repórter e colunista de mídia do New York Times, acompanhou nas últimas semanas o agravamento da crise nos jornais regionais dos EUA. Noticiou que o Times-Picayune de Nova Orleans, fundado em 1837, passaria a publicar três edições por semana, contra as sete atuais. E relatou a transformação do U-T San Diego, de 1861, em porta-voz dos interesses comerciais de um novo proprietário.
Carr, que estará em São Paulo no sábado (14/7), no congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), avalia que a imprensa americana enfrenta “ameaça existencial”.
Diz que é diferente no Brasil e em outros emergentes, mas todos devem se preparar. Ele detalha as estratégias do NYT para reagir à queda na publicidade, com uma nova fonte de receita no muro de pagamento, o paywall, e com a perspectiva de uma variedade de novos negócios sob a marca do jornal, com vídeo, mídia social etc.
Na sua cobertura, o sr. vê o momento atual como último estágio de uma era no jornalismo.
David Carr –Sim, estamos falando de uma ameaça existencial. É algo que quem ama jornais, como eu e provavelmente você, pode até torcer contra, mas realmente não se pode parar o que vem por aí… Quer dizer, eu sei que o setor de jornais no Brasil também enfrenta os seus desafios, mas está muito mais saudável do que aqui, certo?
Sim, nos emergentes a publicidade ainda cresce. O sr. acredita que essa posição favorável em que estão é perigosa, que devem esperar ser atingidos pela disrupção?
D.C. –Há muita coisa importante em jogo, no Brasil, na Índia, na Rússia, diante das questões de justiça, da prestação de contas governamental, de como ficam as classes mais baixas conforme o país avança. O jornalismo é uma parte grande da resposta e é muito importante. É parte do motivo de estarem bem, porque coisas importantes estão acontecendo todo dia.
Mas, conforme os emergentes se tornam maduros, tenho certeza de que alguns dos mesmos problemas começarão a aparecer. O bom é que já se assistiu ao risco que é ficar parado e acreditar que as coisas permanecerão do mesmo jeito. As pessoas reagirão mais rapidamente do que aconteceu nos EUA.
O que o sr. vê como maior efeito dessa disrupção nos EUA? Mais paywall?
D.C. –Acima de tudo, é a perda de potência, de músculo institucional em reportagem. Sou menos um romântico da imprensa que um fã do jornalismo e da reportagem, então o problema é que o modelo de negócios não sustenta o nível de jornalismo que havia.
No mercado americano, os jornais regionais tinham um virtual monopólio e lucraram tanto que não sabiam o que fazer com o dinheiro, então enfiaram em reportagem. De certa maneira, a era de ouro do jornalismo foi anômala, em termos econômicos.
Quando esses monopólios regionais foram desagregados pela internet e pela mudança de hábito dos leitores, nós já tínhamos nos acostumado a um nível de reportagem que não teremos mais.
O Washington Postera um jornal regional, ganhou presença nacional com o Watergate e agora enfrenta uma forte crise. O sr. vê possibilidade de outro Watergate surgir num jornal regional?
D.C. –Nunca haverá falta de empresários ou governantes corruptos. Eu vivo em Nova Jérsey, um Estado onde, na última vez em que os federais fizeram uma investigação, precisaram de três ônibus escolares para levar todos os corruptos. Mas o jornal daqui, “Star-Ledger”, agora é metade do que costumava ser. Portanto, não saberemos o que não sabemos, mas é como gás invisível: vai nos envenenar do mesmo jeito.
A crise afeta os jornais nacionais, como o New York Times, mas eles parecem ter espaço de manobra para buscar novas fontes de receita.
D.C. –Temos mais espaço do que tínhamos até pouco tempo atrás. Temos flexibilidade operacional, porque estamos pagando os empréstimos e, principalmente, porque o “paywall” está funcionando. Mas estamos com um grande desafio. As pessoas ficam esperando que o mercado publicitário retorne. Não vai. Esta é a nova normalidade.
Se vamos avançar para o futuro, e penso que vamos, será com uma variedade de negócios sob a marca The New York Times. Parte será vídeo, parte será social, haverá um monte de pequenas empresas sob esta outra.
Realmente acho, por causa da tendência que você mencionou nos emergentes, que é hora de estar no mercado global de notícias. Espero que nossas empresas possam competir com Dow Jones, Reuters, France Presse, porque o segundo e o terceiro mundos estão formando consumidores para nós o tempo todo. Em muitos lugares não há informação confiável, de marca. Espero que haja mercado para grandes organizações de notícia como nós.
O NYTlançou seu paywallhá pouco mais de um ano. Já se pode afirmar que foi bem-sucedido?
D.C. –Ah, podemos afirmar sim que é um sucesso, em parte porque tanta gente dizia que iríamos perder visibilidade na internet, desaparecer do ecossistema. Isso não aconteceu. Estamos perto de 500 mil pagantes e chegando ao ponto em que metade da nossa receita vêm dos assinantes.
Seremos menos sujeitos aos ciclos de publicidade daqui para frente. A outra coisa é que, quando você tem gente que opta por comprar seu produto, em vez de passar por ele, você acaba tendo um novo mercado para publicidade, com pessoas que decidiram estar ali. Huffington Post, Gawker e outros que agregam o que fazemos não têm como replicar a audiência que pagou para estar conosco. Saberemos mais sobre essas pessoas e vamos vendê-las a preços mais altos do que a audiência que surfa.
Qual é a lição que o sr. tira dessa experiência com paywallno NYT, em termos de fidelidade do leitor, de acesso grátis por mídia social e da simples qualidade do jornalismo?
D.C. –Uma das lições é que dizem que as pessoas não vão pagar por algo que tem sido grátis: isso não é verdade. As pessoas pagam por água em toda parte nos EUA, elas querem que tenha uma certa qualidade, uma marca específica.
Há pessoas que claramente já queriam pagar. A razão por que eu pago pelo acesso ao Wall Street Journal e ao Financial Times não é só achar algo neles. Se realmente quisesse, com ou sem paywall, eu conseguiria. Mas estou disposto a pagar um valor conveniente para poder acessar quando quiser, como quiser, quanto quiser.
Não é um negócio de massa. Há 300 milhões de pessoas nos EUA e meio milhão pagam pelo NYT na internet, portanto, não dá para dizer que seja um negócio imenso. Mas é muito real. E eu acredito que a decisão de manter os ativos institucionais nos torna capazes de cobrar pelo que fazemos. Não passamos por todos os tipos de cortes que o Washington Post fez.
Há outro experimento hoje, no Guardian, com o qual o sr. simpatiza. Acredita que o modelo, que é mais aberto à mídia social, pode funcionar?
D.C. –O compartilhamento social sem fricção estava indo muito bem até que o Facebook decidiu sem mais nem menos que não estava gostando e fez alguns ajustes. Muito do tráfego sumiu. Quando você está num mundo social, não são só as pessoas que decidem. São também as plataformas. E você, até certo ponto, põe seu destino na mão delas.
O Guardian vai conseguir globalizar sua franquia para sustentar o que eles estão fazendo? Não sei. Uma grande quantidade de olhos não parece capaz de sustentar uma grande redação, não importa quantos olhos consiga atrair. Eles são apoiados por uma fundação e podem jogar para o longo prazo, mas me preocupo com eles.
A abertura de capital do Facebook foi um fracasso, em parte, porque ele não foi capaz de encontrar um modelo de publicidade, especialmente para smartphones. Os jornais podem se sair melhor?
D.C. –Como levar publicidade ao smartphone é o enigma que ninguém até aqui foi capaz de responder. Não creio que a resposta esteja nos pequenos anúncios tradicionais.
Não há espaço bastante para as marcas alcançarem uma relação significativa [com os usuários]. Acho que a publicidade terá de ser construída na própria experiência, de maneira que se torne parte do conteúdo editorial, diferente do modelo atual e mais como o BuzzFeed está fazendo.
Eles ensinam aos anunciantes como alcançar formas virais. Quando a tela fica tão pequena você não consegue tirar muita receita dela.
Então o sr. não vê os jornais se saindo melhor?
D.C. –Vejo as pessoas consumindo nosso conteúdo em smartphones. Talvez tenhamos um lugar no meio, entre os smartphones grandes e os tablets pequenos, num aparelho que as pessoas mantenham com elas o tempo todo e que tenha espaço para mensagens publicitárias significativas.
Mas tirar o dinheiro diretamente dos usuários, por estranho que pareça, será mais fácil do que tirar dinheiro dos anunciantes. Acredito que dar às pessoas informações que elas queiram, na forma que queiram, quando queiram, é um modelo para os provedores de mídia. Como os anunciantes se tornarão parte disso e usarão essas plataformas ainda é uma questão em aberto.
Os tablets cumpriram a promessa que anunciavam para a mídia impressa?
D.C. –Em termos de leitores, sim. Hearst, uma das grandes editoras de revistas nos EUA, está perto de 1 milhão de assinantes. O Wall Street Journal e o New York Times também têm sido felizes vendendo aplicativos. Em termos de nova oportunidade para mensagens publicitárias, creio que não aconteceu ainda. Não acho que já tenhamos solucionado. Mas posso dizer, pelos meus hábitos, que o tablet revolucionou a maneira como consumo conteúdo.
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[Nelson de Sá é articulista da Folha de S.Paulo]