Richard Milhous Nixon e Fernando Collor de Mello tinham tudo para fazer boa figura na posteridade. O primeiro ganhou um segundo mandato na Casa Branca, em 1972, com a avassaladora votação de 60,7% dos eleitores, vencendo em nada menos do que 49 dos 50 estados dos EUA. O segundo saiu de meros 3% na preferência do eleitorado, no início da campanha, para uma meteórica ascensão, batendo adversários com bastante mais estrada percorrida para se tornar, em 1989, o primeiro presidente eleito por voto popular após o fim da ditadura militar no Brasil. Ambos, no entanto, embrenharam-se por labirintos pouco republicanos de exercício do poder e viram-se defenestrados pela porta dos fundos da História, graças ao empenho de uma peça-chave ao bom funcionamento das sociedades democráticas: os jornais.
Envolvido até o pescoço no Escândalo Watergate, de espionagem do rival Partido Democrata, Nixon ganhou o pouco honroso título de primeiro presidente americano a renunciar ao cargo, para escapar de um impeachment no Congresso, em 1974. A história toda veio à tona pelo esforço de dois repórteres do “Washington Post”, os já lendários Bob Woodward e Carl Bernstein. Collor, por sua vez, acusado de corrupção, também tornou-se o primeiro presidente brasileiro afastado do cargo por vias democráticas – sua renúncia pouco antes não o livrou de ter o mandato cassado por 441 votos a 38 na Câmara dos Deputados, em 1992. Também foi exposto pelo trabalho incessante de órgãos da imprensa, entre os quais O GLOBO. Tanto um como o outro foram alvo do que Thomas Jefferson – o principal autor da Declaração de Independência dos EUA, em 1776, e terceiro presidente do país, em 1801 – chamou de “o preço da liberdade”: a eterna vigilância.
– A imprensa, quando é uma imprensa de verificação, é o agente dessa vigilância – disse ao GLOBO, dos EUA, o veterano jornalista Bill Kovach, fundador do Comitê de Jornalistas Preocupados e membro do Projeto de Excelência no Jornalismo. – Uma imprensa com essas características, constituída por jornalistas dedicados à busca da verdade, fornece aos cidadãos a informação de que eles precisam para serem livres e governarem a si próprios.
Nixon e Collor talvez não tenham levado muita fé no trabalho investigativo da imprensa. Afinal, em 200 anos de história republicana nos EUA, e 100 no Brasil, não havia precedentes de líderes obrigados a deixar o poder pela ação vigilante de jornalistas. Hoje a situação é diferente. Com o precedente histórico estabelecido, mesmo nas democracias a capacidade de mobilização cidadã da imprensa não é ignorada por quem detém o poder. Daí, apontam estudiosos, a necessidade da constante defesa da liberdade de informação, para que a própria essência da democracia – da qual jornais críticos e independentes são peça-chave – seja preservada.
– A liberdade de imprensa, por definição, não está plenamente consolidada em lugar nenhum. Ela é uma conquista permanente, que vive sob pressão de todo lado, da qual não podemos descuidar – disse Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e diretor da pós-graduação em Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Ele ressalta que, embora o Brasil esteja vivendo um dos períodos de maior liberdade de imprensa de sua História, há perigos rondando. Entre eles, lista, a censura judicial, que impede por antecipação a publicação de certas informações; o abuso do dinheiro público na compra de espaço publicitário para veiculação de propaganda oficial, que em veículos menores pode gerar dependência econômica em relação à verba governamental; e os assassinatos de jornalistas – cinco somente este ano no Brasil.
– Tudo isso conspira contra a liberdade de imprensa – alerta o professor Bucci.
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[Flávio Henrique Lino, de O Globo]