Foi sobre o futuro a notícia mais dramática divulgada pelo IBGE, com a publicação das contas nacionais do segundo trimestre, mas os jornalistas deram mais atenção ao passado. O investimento realizado de abril a junho foi 3,7% menor que o de igual período de 2011. No primeiro trimestre, havia sido 2,1% inferior ao de um ano antes. O potencial de crescimento depende da aplicação de recursos em máquinas, equipamentos, instalações diversas e obras de infraestrutura. A redução do investimento, isto é, dos recursos aplicados na expansão e na modernização do sistema produtivo, compromete a capacidade de expansão da economia. É este o ponto relevante e o governo tem mostrado preocupação com o assunto: isso explica o lançamento recente do plano de logística e a prorrogação das facilidades de crédito para a compra de bens de produção.
Mas editores, repórteres e até economistas entrevistados preferiram olhar para trás, na cobertura imediata, publicada na edição de sábado, 1/9 (na segunda-feira, 3, o Valor trouxe matéria sobre a importância do investimento para o futuro da economia). Mesmo quem destacou em título o investimento menor deixou de explorar o detalhe mais importante, limitando-se a explicar por que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,4% no trimestre passado.
Não houve realmente surpresa nesse número, embora algumas projeções apontassem um resultado pouco melhor. Também o fraco desempenho da indústria de transformação era bem conhecido. Só faltava a publicação dos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Algo a explicar
A maior parte da cobertura inicial seguiu o padrão habitual. O material publicado é um mexidão de números oficiais, explicações do pessoal do IBGE e avaliação dos dados por alguns economistas. Na maior parte das entrevistas, os números são tratados como se fossem grandezas independentes. Não se procurou discutir, por exemplo, por que a produção industrial encolheu enquanto o consumo aumentou.
Não houve nenhum esforço notável para relacionar essas duas informações com o resultado do comércio exterior. Se o consumo cresceu, a indústria recuou e as importações aumentaram mais que as exportações (fato bem conhecido nos últimos meses), algo deve estar funcionando muito mal. Há um evidente problema de competitividade, como também admitiu há poucos dias a presidente Dilma Rousseff.
Outra questão interessante: como e por que os consumidores continuaram indo às compras, num cenário de baixa produção? Há um contraste notável entre a retração da indústria e a evolução da renda das famílias. De fato, o nível de emprego continua elevado e a massa de rendimentos foi pouco afetada pela crise. Por que tanta gente permanece empregada e ganhando salários, no Brasil, num cenário tão desfavorável?
Atribuir esse resultado só à expansão do setor de serviços parece um despropósito, até porque os melhores empregos e os melhores salários são geralmente os da indústria. Há algo, aí, para ser explicado. Dirigentes do setor industrial provavelmente hesitam em reduzir os quadros, pensando nos custos de recontratação quando recomeçar o crescimento.
Informação distante
Dificilmente se poderia explorar todo esse conjunto de temas na cobertura imediata, publicada nos jornais de sábado (1/9). Mas o material produzido poderia ser muito mais interessante e muito mais rico se os números fossem traduzidos em coisas, pessoas e processos – em suma, se fossem materializados.
Obviamente não se consegue esse resultado entrevistando apenas, ou principalmente, economistas “do mercado”. No mundo deles, a comida nasce na feira, a indústria funciona sem máquinas, os produtos são deslocados sem estradas e sem portos e o crescimento é determinado por um modelo formado por umas tantas variáveis abstratas, sem relação com os componentes materiais do investimento – coisas prosaicas como prensas, tornos, material eletrônico, geradores, usinas, linhas de transmissão, rodovias, escolas de vários níveis, centros de saúde e assim por diante.
Pensar em produtividade, a chave do crescimento econômico, é pensar nesses elementos. Algum esforço para mostrar como funcionam os componentes materiais da produção tornaria a cobertura econômica muito mais animada e mais interessante. O contraste entre a expansão do consumo e a retração da atividade industrial pode render, com certeza, uma história muito mais instigante do que aquelas publicadas nos últimos dias. Mas o destaque vai para outras informações, quase sempre distantes do mundo tangível e às vezes simplesmente enganadoras.
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[Rolf Kuntz é jornalista]