O fato é novo e renova uma discussão antiga: os limites éticos do jornalista. Na zona cinzenta entre o evidentemente certo ou errado é que mora o perigo e sendo assim é fundamental uma continuada reflexão crítica sobre o trabalho executado, tendo como norte o compromisso e a responsabilidade social inerentes à atividade jornalística. Foi o que não aconteceu com a infeliz ideia do Jornal da Tarde ao lançar a coluna “Candidato Acidental“, em que um repórter – oficialmente candidato à vaga de vereador da cidade de São Paulo, comenta como é concorrer àquela casa legislativa (ver “JT ‘infiltra’ repórter como candidato“).
Num bom exemplo de jornalismo inconsequente, o repórter cumpriu todas as exigências documentais e legais junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TSE) – filiou-se a um partido, preencheu a papelada, apresentou CNPJ, formulou propostas (inventadas) e teve a candidatura aceita. Ganhou, então, o registro de candidato, tirou foto como tal e agora aparece no guia eleitoral. A referida proposta de montar uma identidade falsa e cometer diversas irregularidades em nome do jornalismo nasceu em 2010, em uma brincadeira num café. “A ideia me pareceu tão inexequível, tão arriscada e maluca que não titubeei em dizer ‘sim’”, relata na coluna. O objetivo da candidatura? Mostrar, sob uma nova perspectiva, como é a vida de um político iniciante na disputa por uma vaga legislativa. Quem é o repórter? O leitor não sabe, ele escreve como anônimo para seguir a determinação do TRE.
Isso significa dizer que um repórter de um jornal de considerável renome como o JT aceitou a “brincadeira” de enganar o TSE, inventar propostas de melhoria de vida para a população, participar de reuniões de partido, de eventos e caminhadas, fingir ser quem não é e fazer de bobos todos os eleitores que assistem o guia eleitoral em busca de mais informação. Tudo com o aval e suporte do veículo.
O caminho da investigação
Não, o jornalismo não pode ser um vale-tudo. É certo que há mais dúvidas que certezas, porém nem a mais radical transformação pela qual passa o jornalismo ante as novas formas de produção, apropriação e distribuição de conteúdo trazidas pelo mundo virtual pode justificar a mentira como “método” de apuração. O repórter anônimo em questão não é um candidato acidental, como incorretamente anuncia a coluna, mas um postulante intencional e premeditado. Não está mostrando ao leitor os bastidores da campanha; está brincando com o TRE e zombando do eleitor. Que não se engane, eleitor e leitor são a mesma pessoa.
Enquanto jornalista, até o mais elástico limite ético ficou esgarçado. O exercício de jornalismo investigativo de qualidade – repórter com nome e rosto de repórter – responderia às mesmas questões, encontraria incríveis histórias de bastidores e, quem sabe, denúncias bombásticas. Se não for este o caminho, o da investigação compromissada, ética e consciente, perderemos a referência de credibilidade que o jornalismo ainda detém. Talvez haja tempo de reverter o erro, e sempre que um erro é reconhecido transforma-se em aprendizado. Quem sabe, assim, o repórter (também cidadão), poderá pedir pelo voto consciente, como fez na coluna de estreia, mas dessa vez com credibilidade e falando “olho no olho”.
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[Juliana Romão é jornalista, mestre em Comunicação e professora de Jornalismo]