Um dos melhores jornalistas já nascidos no Brasil, José Maria Rabêlo lançou um novo binômio, mas os sacanalhordas no poder não precisam se preocupar. Não se trata do retorno do bravo e irreverente jornal – Binômio – que espicaçou conservadores mineiros, por ele editado de 1952 a 1964. Octogenário, quer mais é sossego para ler, escrever livros e caminhar. Atividade física e intelectual, daí vem o novo binômio dele: neurônios e perônios.
Sim, claro, Belo Horizonte está precisando de um jornal desassombrado, com tórax para peitar até o governador do Estado, se preciso, mas não contem com José Maria Rabêlo. “Não é tarefa para mim, senhor respeitável de 84 anos que, embora continue na luta, não tem mais a disposição física para repetir a aventura do Binômio. É coisa para gente mais jovem”.
A trajetória desse homem dá filme, hein, Helvécio Ratton? Uai, fundou e editou um jornal que marcou a política e a imprensa mineira com lances espetaculares de criatividade. Encarou potentados como o banqueiro tarado Antônio Luciano. Reportou tráfico de gente, corrupção entre policiais e bicheiros e preconceito racial em escolas e clubes mineiros. Após o golpe militar, exilou-se na Bolívia, Chile e França. Ação não faltará à película: renderão boas cenas o soco que deu no rosto de um general, com direito a fuga em traje de padre, e os cerca de 200 policiais, chefiados por três coronéis, arrasando a redação do Binômio.
A publicação de uma foto de Juscelino Kubitschek, sempre fustigado pelo jornal, resume bem a criatividade. Presente num evento quando começou a chover, o governador inverteu uma cadeira e a colocou sobre a cabeça, para evitar os pingos. Um fotógrafo registrou e o Binômio publicou a imagem invertida, como se o político tivesse protagonizado cena circense. Obras de igual humor há às centenas, lê-se no livro Binômio – O Jornal que Virou Minas de Cabeça para Baixo (Armazém de Ideias). Aliás, “JK, mesmo só, andava mal acompanhado”.
Em entrevista exclusiva, José Maria Rabêlo conta histórias do Binômio, que, deu na revista Time, “raramente evitou um combate”; fala de mineiridade, jornalismo atual e do livro que está para lançar, entre outros assuntos. Ao TREM, fez uma revelação que evidencia como foi odiado por poderosos: “Pretendiam fazer comigo em BH o que fizeram com o líder comunista Gregório Bezerra, em Recife, obrigado a desfilar, quase nu, com braços e pernas amarrados, em um carro aberto, pelas ruas da cidade”.
É possível ser um grande jornalista sem fazer muitos inimigos?
José Maria Rabêlo – A preocupação do jornalista não deve ser a de fazer amigos ou inimigos. Muitas vezes não dá para não ter inimigos, alguns deles poderosos. O importante é cumprir sua obrigação de estar a serviço da sociedade.
Como analisa o jornalismo mineiro hoje, está faltando coragem?
J.M.R. – O jornalista é uma pessoa como as outras. Pouca gente hoje quer tomar posição, expondo-se às consequências. É preciso ganhar a vida, pensar no futuro. Depois de quatro anos na universidade, o jovem tem que se justificar perante a família, que geralmente fez todos os sacrifícios para que completasse os estudos. Deve arranjar logo um emprego, não importando se à custa de sua independência. Conforma-se então em ser mero assalariado, transformando-se numa peça da máquina triturante dos grandes meios de comunicação, e, pior ainda, das assessorias de imprensa, nas quais sua liberdade é ainda menor. A meu ver, dificilmente o jornalista pode ser independente, se as empresas jornalísticas não o são.
Minas Gerais, terra de ótimos jornalistas, mas não de ótimo jornalismo. Concorda?
J.M.R. – É preciso distinguir. Na cobertura geral, o jornalismo de Minas pouco fica devendo ao de outros grandes centros. O que compromete a imprensa local é a ligação com o governo, por causa da dependência da publicidade oficial. A figura do governador, por exemplo, é intocável. Nem charge dele se publica. O Bemge, último dos grandes bancos de Minas, foi vendido para o paulista Itaú, fragilizando financeiramente o Estado; a Cemig quase seguiu pelo mesmo caminho, mas nossos jornais não abriram o bico, pois se tratava de iniciativa do Palácio da Liberdade. Poderia citar outros exemplos. Enquanto houver essa dependência, teremos uma imprensa bitolada, sem opinião, subserviente ao poder. Isso tem melhorado um pouco nos últimos anos, mas falta muito ainda para chegar ao mínimo desejável.
Em 2011, entrevistei o paulista Pedro Martinelli, um dos maiores fotojornalistas do mundo. Disse-me que se os jornalistas de hoje compararem o que fazem com, por exemplo, o Jornal da Tardeda década de 1970, morreriam de vergonha. Também tem saudade do jornalismo das antigas?
J.M.R. – Vejo um certo exagero nisso. Lembre-se de que praticamente todos os grandes veículos de comunicação apoiaram o golpe de 1964 e o regime militar. Só quando este começou a fazer água e o povo na rua reclamava eleições diretas, é que a imprensa passou a reclamar também a abertura política. O Jornal da Tarde foi realmente uma bela experiência, criativa e inovadora, mas era apenas a roupagem. Por dentro, era tão conservador como a maioria das outras publicações. A qualidade de um jornal, de uma revista ou de uma televisão não se encontra apenas em seu aspecto externo, na sua apresentação. É preciso, em primeiro lugar, que não se submeta aos interesses dominantes na sociedade, aos que mandam e impõem. Disto se trata: ter independência para debater os problemas, informar e dizer o que pensa.
Binômio, 60 anos. Na distância do tempo, como vê a trajetória do cujo?
J.M.R. – O Binômio partiu do zero e chegou a ser a maior tiragem de Minas. Caminhava para se tornar concorrente dos grandes jornais do Rio e São Paulo. Para isso, estava preparando sua edição nacional, pois tinha boa aceitação em outras praças, fora do Estado. A ditadura, porém, interrompeu essa trajetória exitosa, fechando o jornal e perseguindo seus jornalistas. Tive de exilar-me e ficar quase 16 anos fora do Brasil, bem como outros colegas, como Fernando Gabeira e Guy de Almeida. Sabe por que o Binômio foi vitorioso? Porque, nos 12 anos que existiu, tinha a confiança do leitor, devido a sua linha de inflexível independência. Se alguém duvida, pergunte a seus parentes e amigos mais velhos e procure conhecer a história do jornal. O livro Binômio – O Jornal que Virou Minas de Cabeça para Baixo, que publicamos alguns anos atrás, é uma boa dica para isso. A comemoração de seus 60 anos foi uma prova de que está vivo na memória de colaboradores e leitores. Como dizia o padre Antônio Vieira, “quem tem mística não morre”.
Publicava matéria paga?
J.M.R. – Com a exceção de sua fase inicial, publicava sim, mas identificando-as claramente como tal.
Como analisa a questão da matéria paga, essa praga?
J.M.R. – O erro não está em publicá-la, mas em não esclarecer de que se trata.
Precisamos de um jornal corajoso, criativo, irreverente em Belo Horizonte. Volte com o Binômiopara nós, José.
J.M.R. – Acho, sim, que estamos precisando de um jornal com a coragem do Binômio. Mas isso não é tarefa para o hoje senhor respeitável de 84 anos que, embora continue na luta, não tem mais a disposição física, digamos assim, para repetir a aventura do Binômio. É coisa para gente mais jovem, não acha? Aliás, meu filho Ricardo edita no Rio a publicação alternativa Bafafá, há mais de dez anos. É uma luta insana, mas já conquistou um lugar ao sol. Sou um de seus colaboradores permanentes e constato a importância que tem.
Para um jornalista, a liberdade é fundamental. Por favor, fale sobre esse importante assunto.
J.M.R. – É essencial. Hoje, todos falam em liberdade de imprensa, mas nem sempre foi assim. Veja o conluio dos grandes órgãos com a ditadura ou sua identidade de visão – opa, estou sendo muito habilidoso – com os mais poderosos interesses capitalistas. Eu me orgulho muito de termos feito um jornalismo independente, sem medo e sem rabo.
Qual foi a melhor história em redação jornalística que presenciou?
J.M.R. – Puxa, foram tantas. Imagine: ainda na década de 1950 e começos da de 1960, um jornalzinho como era o Binômio no início sair por aí dizendo o que os outros jornais por medo ou por interesse não diziam. São histórias, histórias, histórias e põe história nisso. Daria para uma edição inteira dO TREM, talvez mais.
Dar um soco no rosto de um general foi a maior imprudência da vida do senhor ou houve outra ainda maior?
J.M.R. – O incidente com o general Punaro Bley, em 1961, teve significado muito maior do que o simples atrito entre duas pessoas. O então comandante da ID-4 – que era a mais alta autoridade militar na época em Belo Horizonte, o comando da 4ª Região Militar ficava em Juiz de Fora – participou diretamente da conspiração, desde que chegou à capital em meados de 1961. O Binômio fez o que um jornal independente tinha de fazer. Foi buscar os antecedentes do general, que era inteiramente desconhecido em Minas e se apresentava como insigne guardião dos valores democráticos, que estariam, segundo ele, ameaçados pelo governo João Goulart e seus aliados comunistas. Então publicamos reportagem de primeira página, manchete de oito colunas, com o seguinte título: “Quem é, afinal, esse general Punaro Bley. Democrata hoje, fascista ontem”. O jornal descobrira que Punaro tinha sido interventor da ditadura do Estado Novo no Espírito Santo, onde cometeu todo tipo de violência contra os opositores, os jornalistas em particular. A estes, em caso de crítica, exigia que engolissem o exemplar, acompanhado de fortes doses de purgante. Por isso, ganhou nas redações o apelido de Capitão Óleo de Rícino – capitão era seu grau na época. Fez construir um campo de concentração para os adversários políticos e não escondia sua admiração por Adolf Hitler e o nazismo. Foi esse ilustríssimo democrata que compareceu à redação do Binômio, fardado e levando o bastão metálico, símbolo do comando militar, para exigir à sua maneira uma retratação à matéria publicada. Como lhe disse que nada tinha a retificar, pois se tratava de uma reportagem absolutamente verdadeira, respondeu com palavrões: “Você é um filho da puta, jornalista de merda”, e me agarrou pelo pescoço. Eu simplesmente reagi, como faria qualquer pessoa agredida em sua casa, em seu local de trabalho. Ele era mais velho, mas um homem muito forte, um alemãozão bem mais atlético do que eu. No desforço que tivemos, ele levou a pior, mas continuava a agredir-me com socos e palavrões, quando os colegas entraram na sala e nos separaram. Eu lamento muito o que aconteceu, sobretudo por envolver um alto oficial, que deveria ser respeitoso da dignidade de seu cargo. Se se sentiu ofendido, deveria fazer como qualquer outro cidadão: ir à Justiça e reclamar a reparação. E o que se seguiu foi pior ainda: cerca de 200 homens do Exército e da Aeronáutica (12º RI, CPOR e Base Aérea), sob as ordens de seus comandantes, invadiram e depredaram completamente a redação e outras dependências do Binômio, numa verdadeira operação de guerra. Não sobrou nada para contar a história, nem mesmo as pobres instalações sanitárias, que evidentemente nada tinham a ver com o caso… O episódio teve repercussão até internacional, pois não é todo dia que se depreda um jornal, ainda mais com a ação direta de altas patentes das Forças Armadas. Depois de uma semana que passei em São Paulo, quando recebi toda a solidariedade dos colegas de lá, voltei a Belo Horizonte e reassumi a direção do Binômio. Embora os comandantes militares, inclusive o general, tenham sido removidos, o período após o incidente foi muito difícil para mim, pelas repetidas ameaças de novas agressões. Quando veio o golpe, em março/abril de 1964, eu estava entre os mais visados pelos vencedores. Fiquei sabendo mais tarde – e esta é a primeira vez que o revelo publicamente – que pretendiam fazer comigo aqui o que fizeram com o líder comunista Gregório Bezerra, em Recife, obrigado a desfilar, quase nu, com braços e pernas amarrados, em um carro aberto, pelas ruas da cidade. Saí de Belo Horizonte, entrei na embaixada boliviana, no Rio, e parti para o exílio. Foram quase 16 anos longe do Brasil, na Bolívia, no Chile e na França, tendo perdido o jornal, com as duas edições, a de Belo Horizonte e a de Juiz de Fora, o patrimônio que construíra com grandes dificuldades – um lote, uma casa ainda em obras, coisas assim, que tive de vender para manter a família – Thereza e os sete filhos menores –, até conseguir trabalho no exterior e poder levá-los também. O golpe e a implantação da ditadura foram a confirmação de nossas denúncias. Tratava-se de uma aventura fascista, que destruiu a democracia e tanto mal causou ao Brasil.
Qual a opinião do senhor sobre as indenizações financeiras pagas pelo Estado a vítimas da ditadura 64-85?
J.M.R. – Acho absolutamente justas. Assim tem sido em todas as partes do mundo, como foi o exemplo, na Alemanha, das vítimas do nazismo. No meu caso, essas reparações não chegaram nem de longe a cobrir os prejuízos que tive, tanto que estou na Justiça reclamando uma revisão.
Como é o José Maria leitor?
J.M.R. – Leio jornais, livros, muita literatura, inclusive poesia, que quase ninguém mais lê, nem mesmo os poetas, que frequentemente só leem seus próprios versos. Minha preferência são os livros políticos e de história. Tenho vários deles sobre a mesa. Os últimos são A Vida Quer é Coragem, do mineiro Ricardo Amaral, com uma excelente biografia de Dilma Rousseff; Memórias de Uma Guerra Suja, dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, com as impressionantes denúncias de um ex-delegado do DOI-Codi, revelando monstruosidades cometidas nos porões do regime militar; Segredo de Estado, do também jornalista Jason Tércio, revelando a verdade do assassinato do ex-deputado Rubens Paiva nas dependências do Exército, no Rio; A Sombra do Ditador, do diplomata chileno Heraldo Muñoz, trazendo a sinistra trajetória do general Pinochet. Leio também uma obra importante para conhecer o atual quadro político do Chile: Secretos de la Concertación – Recuerdos para el futuro, do escritor e ex-senador Carlos Ominami. Seu filho Marco Enríquez Ominami foi candidato a presidente da República. Acabo de ler o novo livro de José Bento Teixeira de Salles, Trilogias – Contos de Vida e de Morte, que vem de ser lançado. No último número da revista da Academia Mineira de Letras, encontrei excelentes trabalhos, como o discurso de posse do novo acadêmico Amílcar Martins Filho, o artigo do jornalista e historiador Marco Antônio Coelho, sobre a verdadeira fisionomia econômica e social do Rio das Velhas e a hilariante história “A Morte de Aristides Traíra”, do jornalista Helvécio de Oliveira Lima. Tenho escrito muito também, artigos, entrevistas e um livro sobre a história de Belo Horizonte, a que me dedico há mais de sete anos. Como, além dessa permanente atividade intelectual, caminho quase todos os dias, digo para os amigos que o segredo de minha saúde é um novo binômio que inventei: neurônios e perônios.
Livros são fundamentais para o desenvolvimento. O que sugere para que Minas Gerais seja um estado-leitor?
J.M.R. – Não sei o que possa sugerir, pois o hábito de leitura deve ser estimulado desde muito cedo. Há algumas iniciativas interessantes, como as feiras, espetáculos artísticos, concursos literários. É coisa entretanto que exige muito tempo. Lembro-me do belíssimo poema de Castro Alves, que vem a propósito de sua pergunta: “Oh! Bendito o que semeia/ Livros… livros à mão cheia…/ E manda o povo pensar!/ O livro caindo n’alma/ É germe – que faz a palma,/ É chuva – que faz o mar”.
“O maior patrimônio do homem é não ter medo de olhar para trás.” Foi o senhor quem disse, em Itabira, em palestra. Por favor, fale mais sobre o assunto.
J.M.R. – É isso, mesmo. Sempre disse e repito: o maior patrimônio de um homem é não ter medo de olhar para trás. Não ter medo do que fez e do que deixou de fazer. Muita gente quebraria o pescoço se olhasse para trás.
Uma curiosidade de mineiro para mineiro: o que é isso de ser mineiro?
J.M.R. – Ser mineiro é uma condição infinita. A montanha é a medida de nossas grandezas e de nossos fracassos, tanto liberta quanto oprime, induz à reflexão e ao sonho. Por isso temos tantos escritores, poetas, pensadores. O maior sonho dos mineiros é o mar, que nos virou as costas. Assim, para nos vingar, criamos Furnas, um amplo mar só para nós, embora nos últimos tempos os milionários paulistas o estejam invadindo; ou, mais modestamente, a cidade de Mar de Espanha, que não é uma coisa nem outra, mas que põe o mar oficialmente em nossa geografia. Não sou de ficar glorificando Minas e os mineiros, mas tenho muito orgulho de haver nascido aqui, tanto que só me afastei de Minas devido às perseguições políticas. Rechaço, entretanto, os mitos sobre os mineiros – grave senso da ordem, espírito moderador, habilidade política, o caipira sabido, entre outros –, que nos tornam figuras caricatas e ridículas. Não são essas as verdadeiras qualidades de um povo que fez a mais importante civilização do continente no século 18 e construiu entre as montanhas a primeira capital planejada do país, ou, ainda, foi capaz de manter sua unidade, com regiões tão díspares e tão distantes umas das outras. Disso devemos nos honrar e não das tolices da lenda.
O senhor está para publicar novo livro. O que perderá quem não o ler?
J.M.R. – Trata-se de uma história de Belo Horizonte, indo dos primórdios de Curral del Rei, nos inícios do século 18, até os dias atuais. Vai se chamar Belo Horizonte – Do Arraial à Metrópole. Como disse, trabalho há mais de sete anos em sua elaboração, contando com a colaboração de três jovens profissionais, duas historiadoras e uma especialista em comunicação, que se encarregam principalmente das longas pesquisas que temos de fazer. No livro, realizamos várias revisões de partes da história tida como oficial da cidade, a exemplo da que atribui a Silva Ortiz a fundação de Curral del Rei. Há aspectos importantes que procuramos resgatar, como o da participação do negro e da mulher, quase sempre ignorada pela grande maioria de nossos historiadores, especialmente os mais antigos. Creio que estamos fazendo um trabalho importante. Deve sair em fins deste ano ou começos do próximo.
Alguém lá de Bambuí criou uma máquina pela qual é possível falar e ser ouvido no Brasil inteiro, simultaneamente. Se fosse usá-la, o que todos ouviríamos?
J.M.R. – O Brasil é grande; estejamos à altura dele.
Todos carregamos cenas marcantes da infância. Quais são as do senhor?
J.M.R. – Quem nasceu em Campos Gerais, como no meu caso, tem também coisas a contar, embora não tantas como os de Itabira, mesmo porque nosso município é bem mais jovem. Campos Gerais não é 90% de ferro nas calçadas, nem 80% de ferro nas almas, nem tivemos um Carlos Drummond de Andrade para cantá-las em seus versos, mas temos café para dar e vender; somos os maiores produtores do Brasil. É tanto café, que a qualquer momento vai aparecer algum gaiato propondo trocar o nome para Cafezais Gerais, e eu lhe darei um tiro na testa. Se a vida e os anos me permitirem, vou escrever um livro com as coisas vistas e vividas em Campos Gerais, e aí responderei devidamente à sua pergunta. Dá pra esperar?
Dá. O senhor é estudioso das coisas de Minas. O que a história do nosso estado tem de melhor, de mais inspirador?
J.M.R. – Sei lá… A história de Minas, como, de modo geral, a história das comunidades humanas, é a dos vencedores. Me interesso muito em ver e conhecer o outro lado, a história dos joões-ninguém, dos sem-teto, dos sem-tudo, que merecem atenção apenas nas vésperas das eleições. Porém, gosto muito de Tiradentes, que, em sua ingenuidade revolucionária, sonhou com a independência do Brasil, quando tudo era desfavorável. Venero a figura da lutadora social que foi Helena Grecco, uma personagem que deve ser colocada no Olimpo de nossa história. Cultuo os que morreram pela honra de nosso povo durante a ditadura, como Juarez Brito, Dodora Barcelos, Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, meus amigos, que trocaram a tranquilidade de um futuro de profissionais vitoriosos pelo sacrifício sem conta da guerrilha contra os usurpadores militares. Amo todos eles, sem esquecer a Thereza, hoje tão fragilizada por doença, que foi sempre uma mulher e companheira excepcional.
O senhor esteve em Itabira em 2004 para palestrar. Viu como nossas montanhas estão carcomidas pelas máquinas devoradoras da empresa Vale?
J.M.R. – Itabira é eterna, enquanto suas calçadas e suas almas resistirem.
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[Marcos Caldeira Mendonça é editor-chefe de O TREM Itabirano]