Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta recheio na história dos juros

O braço de ferro entre o governo e os bancos continua, com ligeira vantagem, por enquanto, para o governo. O novo lance foi noticiado pelo Estado de S.Paulo no último sábado de setembro (29/9): Caixa e Banco do Brasil vão reduzir tarifas. Leitura apressada: as instituições estatais mais uma vez vão sair na frente e forçar os concorrentes privados a diminuir os custos impostos aos clientes. Leitura mais atenta: a presidente Dilma Rousseff mandou os bancos federais deixarem de malandragem e podar as tarifas aumentadas nos últimos meses.

O novo lance narrado pelo Estadão foi sequência de um capítulo iniciado dias antes e bem explorado por outros jornais. Pressionados para baixar os juros, os bancos privados atenderam ao governo, embora mantendo taxas muito altas, mas em contrapartida elevaram as tarifas cobradas por vários serviços. No caso mais escandaloso, o aumento chegou a 191%. Essa notícia embaçou um pouco a mais recente conquista do governo, o corte dos juros do cartão de crédito. As taxas continuaram ultrajantes – acima de 120% ao ano, em alguns casos –, mas a redução, de toda forma, foi considerável.

Escrachado o aumento de tarifas, seria previsível o contra-ataque do governo. A expectativa foi confirmada, mas com um detalhe um tanto constrangedor. Só um banco de varejo, o Bradesco, havia superado o Banco do Brasil no aumento de tarifas a partir de janeiro. O BB havia aumentado oito e reduzido uma. Sete haviam ficado acima das cobradas pela maior parte das instituições privadas. A Caixa informou aumento de apenas uma. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ordenou a redução de todas. A ideia, mais uma vez, é pressionar os concorrentes privados e induzi-los a cortes semelhantes.

Luz amarela

A história desse confronto tem sido contada apenas em parte. Quando a direção de um grande banco decide cortar pela metade, de um dia para outro, os juros do cartão de crédito, algo notável deve ter ocorrido. Por que uma redução tão grande e tão repentina? Ninguém teria pensado nisso antes? Que tipo de pressão terá ocorrido? Quais as armas do governo para obter resultados como esse, tão repentinos? Será só o poder de concorrência dos bancos federais?

A atividade desses bancos tem sido turbinada com recursos do Tesouro. Isso inclui a transferência, decidida recentemente, de R$ 21 bilhões para o Banco do Brasil e a Caixa. Bastará isso para assustar os banqueiros privados ou há algo mais por trás dos fatos noticiados? Todos esses detalhes talvez valessem um pouco mais de atenção de pauteiros e repórteres.

De toda forma, os financiamentos continuam muito caros e a redução de juros é lenta, mas, apesar disso, os empréstimos têm aumentado. Em agosto, o estoque de financiamentos concedidos a todos os tipos de clientes privados – pessoas físicas e jurídicas – atingiu um nível equivalente a 51% do produto interno bruto (PIB). Essa proporção pouco mais que dobrou desde o começo da gestão petista, em 2003. Expandir o crédito foi um dos objetivos anunciados em janeiro daquele ano pelo novo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A promessa foi cumprida, embora a relação entre crédito e PIB no Brasil ainda seja bem inferior à da maioria dos países desenvolvidos e de boa parte dos emergentes.

O volume de empréstimos cresceu seguidamente ao longo desse período, mesmo com juros muito altos. O crédito consignado contribuiu para a expansão, mas outros fatores, como a elevação da renda e a expansão do mercado consumidor, foram provavelmente mais importantes. O aumento da inadimplência, nos últimos dois anos, acendeu uma luz de alerta, mas houve sinais recentes de melhora.

Opiniões a granel

A redução do custo da dívida pública foi uma das consequências positivas da queda dos juros básicos (a chamada taxa Selic, administrada pelo Banco Central). Entre março e agosto, o gasto com juros acumulado em 12 meses diminuiu seguidamente para os três níveis de governo. Houve redução tanto do valor absoluto quanto da relação entre essa despesa e o PIB. No entanto, o déficit nominal (incluída, portanto, a despesa financeira) cresceu nesse período. Uma das causas foi a estagnação da indústria. O consumo continuou crescendo, mas o baixo ritmo da produção industrial afetou severamente a arrecadação de impostos e derrubou o superávit primário (calculado antes do pagamento de juros).

Em agosto, as contas públicas tiveram o pior resultado para o mês em dez anos. Estadão e Globo deram destaque ao assunto. A Folha de S.Paulo mencionou o “pior agosto”, mas deixou a matéria, bem curta, num pé de página. Nenhum grande jornal do Rio e de São Paulo explorou, na cobertura, o contraste entre a economia na conta de juros e o aumento do déficit nominal, um dos detalhes mais interessantes da história. Bastaria ter dado um pouco mais de atenção a algumas tabelas. Nem seria preciso percorrer as mais de cinquenta páginas do relatório mensal do BC sobre a situação fiscal.

Mas esse tipo de esforço é raro e, aparentemente, pouco estimulado pelos chefes. Repórteres e redatores parecem confiar pouco na própria cabeça. Dão muito mais importância às opiniões coletadas entre os “especialistas” – frequentemente, meras obviedades.

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[Rolf Kuntz é jornalista]