José Miguel Vivanco, diretor da ONG Human Rights Watch para o continente americano, critica a omissão do Brasil ante a pressão de países que desrespeitam a liberdade de expressão fazem para esvaziar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Para ele, o Brasil teve uma “reação infantil” quando a comissão pediu informações sobre possíveis violações de direitos de povos indígenas na construção da Usina de Belo Monte, com a retirada do embaixador e suspensão de contribuições.
Por que o senhor diz que o Brasil ajuda a enfraquecer a Comissão Interamericana de Direitos Humanos?
José Miguel Vivanco – Porque o Brasil é omisso frente às manobras de muitos países que buscam enfraquecer a comissão porque cometem abusos e tolhem direitos humanos, como os países da Alba (Aliança Bolivariana das Américas, integrada por Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, Nicarágua, entre outros). O curioso é que o país tem pretensões de jogar nas grandes ligas de países, com assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas tem faniquitos quando é confrontado pela OEA. Veja a atitude infantil, adolescente do Brasil quando a CIDH pediu informações ao país sobre a construção da Usina de Belo Monte e seu impacto nas comunidades indígenas. O Brasil teve um ataque. Pode até ser que o governo brasileiro considere o pedido da CIDH sem pé nem cabeça, mas o país deveria ter agido com serenidade. Mas o que fez? Tirou o embaixador junto à OEA, que até agora não reassumiu o posto, e cortou por seis, sete meses a contribuição de US$ 100 milhões do país ao orçamento do organismo. O candidato do Brasil à CIDH, Paulo Vanucci, retirou sua candidatura. Em agosto, a comissão suspendeu o pedido de informações, mas o que o Brasil considera uma vitória é uma vergonha sem precedentes.
Essa atitude enfraquece a CIDH?
J.M.V. – Muito. Com essa atitude, o Brasil abre espaço e legitima as reclamações de outros países sobre a CIDH. Países que desrespeitam os direitos humanos. O Itamaraty diz que o país preserva e cultiva liberdade de expressão e direitos humanos. Então por que não se objeta ao que acontece em países como Venezuela e Equador?
O Itamaraty alega que isso é intrometer-se com o que acontece num outro país, ferindo a sua soberania.
J.M.V. – Mas por que não se objeta então às tentativas de enfraquecimento e desmoralização da OEA? Porque o Brasil é um acionista importante da OEA e o organismo não é um país cuja soberania esteja sendo afetada se Brasília se manifestar. A CIDH e em especial a Relatoria Especial de Liberdade de Expressão estão sob ataques de países que argumentam que os organismos são “braços disfarçados de intervenção do imperialismo americano”, o que é uma bobagem. Este discurso serve para tentar encobrir abusos que ocorrem nesses países, denunciados pela comissão. A CIDH corre um risco enorme de ser esvaziada com o silêncio cúmplice do Brasil.
O que vai acontecer com a CIDH?
J.M.V. – Com a desculpa de que o organismo deve ser modernizado, alguns países buscam limitar sua atuação. Uma assembleia geral extraordinária foi convocada, e deve acontecer até março de 2013, para aprovar reformas. Neste caso, há uma conjugação de interesses de países que foram contrariados pela comissão.
O que quer o Brasil?
J.M.V. – O Brasil quer reduzir o alcance das medidas cautelares da comissão porque acha que há perda de soberania quando o organismo intervém para tentar evitar perseguições. Alguns países, como o México, Chile e Uruguai, são contra as mudanças. Mas o grupo incomodado é muito maior.
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[Gilberto Scofield Jr., de O Globo]