Ao condenar os réus do mensalão, o STF – Supremo Tribunal Federal agiu sob forte pressão da imprensa, segundo afirma o ex-ministro José Dirceu em nota – “Ao Povo Brasileiro” – divulgada na terça-feira (9/10), um dia histórico para a democracia brasileira, na opinião da grande mídia.
Não vejo como os episódios registrados pelo que tem sido chamado de “mensalão” possam ser contados pela história desse modo tão simplista: a imprensa pressionou e os ministros da Suprema Corte condenaram a maioria dos réus. Diria que a imprensa teve nesse processo, do começo ao fim, um papel secundário. Desnudou nele a sua já quase histórica fragilidade. Nem chegou a caracterizar, com todas as letras, que existiu de verdade um mensalão – o pagamento mensal pelo governo e pelo partido governista de certos valores regulares para induzir alguns deputados e senadores a votar a favor das matérias governamentais encaminhadas ao Congresso Nacional.
A bem da verdade, a mídia fez mais barulho do que apurou. Não conseguiu certificar e documentar a tese defendida pelo delator Roberto Jefferson. Ficou na superfície. Não avançou sobre a origem do dinheiro, especulou muito e documentou pouco. Se os ministros do STF fossem julgar por aquilo que a imprensa publicou, teriam inocentado todos os réus. A mídia exerce de fato a sua pressão através de informações, da revelação e documentação de fatos. Mesmo a pressão exercida pela opinião, pelos editoriais, só é eficaz quando estabelecida sobre informações de qualidade, fidedignas. A mídia não pressiona simplesmente através de frases de efeito.
Quem consumiu grande parte das informações produzidas pela mídia em geral em torno do mensalão sabe dizer que houve um “banzé”, muito provavelmente coordenado pelo então ministro José Dirceu, com dinheiro de várias procedências – sobras de campanha, empréstimos bancários obtidos pelo partido governista, propinas arrecadadas ao estilo PC Farias. Foram informações suficientes para despertar forte indignação na opinião pública, mas que não caracterizaram o pagamento mensal para compra de votos.
Democracias precisam de imprensa independente
A ideia que a imprensa formou é que, ao ser eleito para o seu primeiro mandato, o presidente Lula deixou para fazer as alianças políticas e partidárias que seriam responsáveis pelo seu regime de governabilidade na fase do pós-eleição. Quer dizer, não ocorreu nada de muito extraordinário se levarmos em conta o fisiologismo que impera nessa gama de pequenos partidos sem nenhuma cor ideológica ou mesmo programática. Foi essa a ideia que a imprensa passou.
Não parece ser muito conveniente a José Dirceu admitir, hoje, que a condenação, adotada com dureza e inflexibilidade pelo Supremo, tem a ver com o trabalho de investigação levado a efeito pela Polícia Federal e pela capacidade, até mesmo didática, do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de dar um ordenamento lógico a provas, depoimentos, evidências na denúncia apresentada, cujas extensão e objetividade surpreenderam a própria imprensa.
Conspirou ainda a favor da condenação a tentativa desastrada do ex-presidente Lula de alcançar a absolvição dos réus através de articulações de bastidor com ministros do Supremo. Dizem que a condenação será um santo remédio para a ainda jovem democracia brasileira, volta e meia constrangida e abalada pela impunidade. Certa mesmo é a ideia de que há algo de errado com a imprensa que não consegue ter um papel relevante na cobertura de eventos dessa magnitude.
José Dirceu tem cabedal intelectual para compreender que as democracias precisam de imprensa forte e independente, que seja capaz de ir além da mera especulação tal como fez o Washington Post no célebre escândalo de Watergate.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado, da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]