Meio Brasil mora sem condições adequadas, sem saneamento, sem água, sem coleta de lixo e com mais de duas pessoas por dormitório, informou na quarta-feira (17/10) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só o Globo abriu uma grande chamada no alto da primeira página, no dia seguinte, com o segundo maior título da capa e um gráfico de barras. O assunto abriu o caderno de Economia, com fotos e novos gráficos. Outros jornais publicaram a notícia, mas nenhum explorou tanto essas informações. Na edição de sexta-feira (19) o Valor retomou o assunto, valorizando o contraste entre o aumento de renda, notável na última década, e a deficiência dos serviços públicos.
O governo contribuiu para a incorporação de milhões de famílias ao mercado e a expansão do número de consumidores. Os jornais chamaram a atenção para isso. Mas acentuaram também a incapacidade do setor público de expandir os serviços e de elevar sua qualidade. A deficiência vai além das funções mais elementares, como as atividades de saneamento.
A semana havia começado com a história de um avião parado por 46 horas na pista do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), por causa de uma avaria. Só nesse aeroporto, 495 voos foram cancelados e pelo menos 40 mil passageiros foram prejudicados. A paralisação de Viracopos causou transtornos em outros aeroportos, provocando congestionamentos e atrasos.
Mais uma vez foi escancarada a ineficiência operacional e administrativa. Só a TAM dispunha do equipamento para remover o avião. Além disso, autoridades do setor só se reuniram para discutir o assunto na segunda-feira (15/10), embora o acidente tivesse ocorrido às 19h50 de sábado (13).Todos os grandes jornais deram destaque ao assunto.
O Globo se distinguiu ao publicar a matéria como abertura do caderno de Economia. Nenhuma regra determina se é preciso tratar um assunto desse tipo como econômico ou “geral”. A decisão do Globo realçou as deficiências da infraestrutura como um dos mais importantes gargalos da economia.
Guerra fiscal
Outro grande tema da semana foi o veto da presidente Dilma Rousseff a vários dispositivos do recém-aprovado Código Florestal. Os jornais deram amplo espaço ao tema tanto na quinta-feira (18) quanto na sexta. Tanto ruralistas quanto ambientalistas anunciaram disposição de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o uso de um decreto, pela presidente, para definir critérios de conservação.
O decreto, segundo os dois grupos, foi além da mera regulamentação de normas fixadas pelo Legislativo. Os dois lados tinham queixas diferentes quanto ao conteúdo do decreto, mas indicaram a mesma fundamentação para o recurso ao Judiciário: a presidente da República teria extrapolado suas atribuições e usurpado uma função do Congresso. Todos os grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro publicaram esses dados. Mas ninguém tomou a iniciativa óbvia de pautar uma consulta a juristas em condições de opinar sobre a constitucionalidade do ato presidencial.
Esse detalhe, no entanto, é de imensa importância: quais serão os desdobramentos possíveis, se esse decreto for considerado constitucional? Será preciso repensar os limites da ação presidencial? Curiosamente, questões institucionais parecem atrair pouca atenção de editores e pauteiros, embora sejam fundamentais para a amplitude e a segurança da própria atividade jornalística.
Um raro exemplo de atenção a um tema institucional foi a matéria do Estado de S.Paulo de sábado (20/10) sobre a aprovação, pela Comissão de Infraestrutura do Senado, de uma importante mudança nas regras de funcionamento do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Se a inovação for adotada, bastarão três quintos dos votos para a aprovação de incentivos fiscais concedidos por um ou por alguns dos governos estaduais. Pelas normas em vigor, é necessária unanimidade dos membros do Confaz, onde estão representados todos os estados e o Distrito Federal. Será a oficialização da guerra fiscal.
Questões fundamentais
Falta um longo percurso para o projeto virar lei. O texto ainda será submetido à Comissão de Assuntos Econômicos e ao plenário do Senado. Depois disso haverá a tramitação na Câmara dos Deputados.
Temas dessa importância são frequentemente ignorados ou negligenciados pelos jornais até o momento final ou, às vezes, até depois da aprovação do projeto, quando só falta a sanção presidencial. Com isso se reduz perigosamente o debate público de assuntos de enorme importância.
Ponto para o Estadão, por ter publicado essa notícia. Os jornais dariam uma contribuição bem maior ao debate político se dedicassem mais atenção a questões institucionais aparentemente muito técnicas e desinteressantes, mas fundamentais para o dia a dia do país.
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[Rolf Kuntz é jornalista]