“Já tentaram matar o Fidel com tiro, veneno e emboscada mais de 20 vezes. Agora matam o comandante pelo Twitter.”
Esta declaração, em tom de raiva e denúncia, foi proferida por um jornalista experiente, alguém que já viu quase tudo na profissão e que pediu anonimato. O desabafo também resume os problemas enfrentados pelo jornalismo dito “sério” diante dos novos desafios da era digital.
“Nós quase fomos à loucura aqui nas últimas duas semanas por causa desse fdp”, disse o jornalista. “Eu conheço Cuba o suficiente para saber que lá nada vaza. Vamos ter informação da morte de Fidel Castro quando eles anunciarem, e nem um segundo antes. Mas quando eu digo isso ninguém acredita. Preferem acreditar no Twitter.”
O jornalismo sério – aquele que ainda verifica, checa, confirma, recheca e, o mais importante, que pensa nas implicações ou consequências da divulgação de notícias importantes – pode estar morrendo.
Jornalista mentiroso
E um dos culpados pela morte do jornalismo sério pode ser o jornalista italiano Tomasso Debenedetti.
Semana passada, ele confirmou ser o autor das mensagens falsas pelo Twitter sobre a morte do líder cubano, Fidel Castro (ver aqui).
Nascido em Roma em 1969, casado e pai de dois filhos, professor de italiano e de história em uma escola pública de Roma, Tomasso Debenedetti conhece bem as fragilidades e vulnerabilidades do jornalismo tradicional. Afinal, ele foi, durante alguns meses, vaticanista do desaparecido jornal L'Independente. Desde 2000 ele conseguiu publicar cerca de 79 matérias, embora nem todas tenham sido entrevistas.
Com contas falsas no Twitter, Debnedetti conseguiu “anunciar” a morte do papa Bento 16, de Pedro Almodóvar e, agora, de Fidel Castro.
Em entrevista para o prestigioso jornal espanhol El PaisDebenedetti afirma: “Gosto de ser o campeão italiano da mentira. Creio que inventei um gênero novo e espero poder publicar novas falsidades e a coleção toda em um livro”.
Além de anunciar as mortes de personalidades públicas, ele também conseguiu publicar falsas entrevistas com Philip Roth, Gore Vidal e Bento 16.
A lista dessas falsas entrevistas do jornalista freelancer italiano continua crescendo. Ele confessa que tudo foi falso. Ou, mais precisamente, que foi um jogo. “Minha ideia era ser um jornalista cultural sério e honrado, mas isso é impossível na Itália”, disse.
Debenedetti confia no poder das redes sociais, na pressa generalizada da sociedade moderna e na ingenuidade do público para divulgar e justificar seu jornalismo de notícias falsas:
“O Twitter funciona bem para as mortes”, disse. “No Facebook você está limitado pelo acesso aos amigos, mas no Twitter você pode ter certeza que as pessoas irão segui-lo e usá-lo como uma fonte em tempo real, de informações sem checagem. A mídia social é a fonte de informação mais incontrolável no mundo, mas a mídia [tradicional] acredita nela por causa de sua necessidade de velocidade”, disse ele.
Hoje, Debenedetti se junta a uma nefasta galeria de jornalistas famosos e mentirosos que inclui nomes como Jason Blairdo New York Times, Stephen Glass doNew Republic, Janet Cooke do Washington Post e tantos outros.
Ou seja, é muito difícil fazer jornalismo sério e ao mesmo tempo competir com as redes sociais como o Twitter, Facebook e YouTube.Essas ferramentas digitais – que deveriam ser utilizadas somente como formas de socialização e confraternização – se tornaram a principal e muitas vezes a única fonte de notícias para parte da sociedade. E, o pior, para grande parte dos jovens.
Morte do jornalismo
Mas, apesar das tentativas de controle e verificação nas redes sociais, Debenedetti também comprova que o falso tuitar é uma indústria em crescimento. Principalmente tuitar utilizando contas falsas de celebridades.
Mas para complicar ainda mais o cenário, hoje também temos personalidades públicas – artistas ou apresentadores de telejornais, por exemplo – que contratam jornalistas ou ghost writers para escrever e divulgar seus próprios tweets. Não são tweets falsos, mas também não são verdadeiros.
O pior é que muitos acreditam, compartilham e divulgam essas falsas mensagens como verdade científica. Na era digital, assim como em outras eras, é muito fácil enganar quem quer ser enganado.
Com suas breves e simples mensagens falsas, Debenedetti consegue demonstrar a fragilidade e as vulnerabilidades de um jornalismo em crise. Mas talvez, pela primeira vez, ele tenha anunciado uma morte verdadeira: a morte do jornalismo sério.
E se você ainda quiser conhecer melhor este “jornalista” da era digital, veja aqui a entrevista completa de Debenedetti ao El País, divulgada em portuguêspelo site da Folha de S.Paulo.
Mas, tenha cuidado. Como Debenedetti se declara um “grande mentiroso”, esta entrevista também pode ser falsa!
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[Antonio Brasil é jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina]