“O Paraíso é real”. A manchete na capa acompanhava a foto da mão estendida para o céu. Na redação que produziu a reportagem, o ambiente estava mais para o purgatório ou o inferno da perda de emprego, iminente ou adiada. Não há coincidência entre o tema da capa sobre um neurocirurgião americano que narra em livro sua experiência em estado de coma e o anúncio de que a estimada revista Newsweek, marca mundial do jornalismo americano, não vai comemorar seus 80 anos na bancas.
A editora chefe Tina Brown, que forçou, em 2010, o casamento incompatível do site agregador Daily Beast com a revista semanal, não pode ser culpada por tentar apresentar a situação como uma passagem ditada pelo tsunami da tecnologia digital. Estamos abraçando o futuro, disse ela. Uma Newsweek Global emerge on-line a partir de janeiro e torço por ela. Mas Tina Brown, com seu sensacionalismo e, antes dela, o editor Jon Meacham, com seu fastio nostálgico, podem assumir parte da responsabilidade por desfigurar uma publicação, com suas receitas opostas para enfrentar a crise da mídia impressa.
Golpe fatal
Este ano foi particularmente cruel para as tropas de Tina. Capas bombásticas comoMuslim Rage (A Ira Muçulmana), demonizando boa parte da população do planeta, ouHit the Road, Barack (Pega a Estrada, Barack), em que o pusilânime Niall Ferguson fez picadinho de dados econômicos e foi rechaçado com veemência, atraíram escárnio. A capa da princesa Diana envelhecida por photoshop foi de um mau gosto fenomenal.
Estrela do papel e tinta criada em meio aos excessos dos anos 90, ex-editora da Vanity Fair, da New Yorker e da defunta Talk, Tina tinha fama de consumir orçamentos com o mesmo apetite com que buscava atenção. Ao relançar a Newsweek impressa, no ano passado, ela prometeu modéstia, mas suas capas cortejavam clicks on-line e não prestígio editorial.
Não me arvoro a especialista na economia desta indústria, mas chamo atenção para o fato de que a Time, eterna concorrente da Newsweek, vai bem de saúde, sem baixar o nível editorial. É o mesmo caso da revista Esquire, bastião do Novo Jornalismo, na década de 60, e comatosa em 2009, que viu sua receita publicitária aumentar.
“A Newsweek não morreu, ela cometeu suicídio”, disse à Associated Press o professor Samir Husni, que dirige um centro voltado para a inovação em revistas da Escola de Jornalismo da Universidade do Mississippi. Husni acha que a direção editorial e não o efeito da Grande Recessão desferiu o golpe fatal. A mesma reportagem da AP afirma que 2012 registrou um aumento modesto das assinaturas de revistas e da receita publicitária.
Eleitor indeciso
Como ficou claro na recente reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa, em São Paulo, as transformações na indústria da informação têm seu lado brutal. Mas não é preciso um MBA em Harvard para usar o bom senso. E lembrar que o rádio ia matar os jornais, a TV ia matar, não só o rádio, mas também o cinema, a TV a cabo ia matar a TV aberta e a internet ia matar o livro. Todas essas mídias se adaptaram a novas realidades, às vezes, cortejando segmentos e não unanimidades.
O cobiçado jovem consumidor, que cresceu sem ler jornal impresso e lê notícia de maneira mais pulverizada e autorreferente pela mídia social, vai, por virtude da educação e do passar dos anos, se transformar num leitor mais exigente. Apostar na infantilização do público, como fez a Newsweek, faz lembrar a ansiedade para cortejar a classe C no Brasil. Acredito que o leitor educado fareja asneira e desespero para chamar atenção. Assim como o elusivo eleitor indeciso desta eleição americana, estas construções de supostos públicos-alvo me parecem tão reais quanto o unicórnio.
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[Lúcia Guimarães, do Estado de S.Paulo, em Nova York]