Paulo Moreira Leite escreveu na Época (5/11) que a “ditadura da manchete” foi enfrentada pelo Jornal da Tarde. A expressão entre aspas é do então editor do JT, Sandro Vaia. Mas quem de fato aboliu a manchete foi, sem jogo de palavras, a ditadura (militar). E isso ocorreu nove anos antes da publicação da foto de um menino chorando no Estádio Sarriá após a derrota do Brasil para a Itália na Copa do Mundo de 1982. A belíssima capa do JT tinha foto, era uma foto, e legenda com tamanho de manchete. O que não tinha era texto.
Capa de jornal sem foto nem manchete foi uma proeza do Jornal do Brasil em 1973, quando as Forças Armadas do Chile derrubaram o presidente Salvador Allende e a censura no Brasil proibiu a manchete já desenhada na página, o que levou o diretor de redação, Alberto Dines, a publicar uma espécie de “pôster sem manchete”. O episódio foi rememorado neste Observatório da Imprensa recentemente (ver “A mais antológica das capas“).
A diferença não é só de precedência. A capa sem texto mobiliza exclusivamente a emoção. A capa só texto associa a reflexão à emoção.
O tom dos obituários do Jornal da Tarde que precederam o de Paulo Moreira Leite foi laudatório, como o dele. É próprio dos elogios fúnebres. E não era para menos. O vespertino do Grupo Estado abriu avenidas de criatividade, competência jornalística e seriedade.
Mas pouco se indagou a respeito dos fatores que o fizeram morrer, como o haviam condenado a uma circulação relativamente débil ao longo de toda a sua trajetória. O JT, por essa e outras razões, teve limitada importância política. Quem quiser uma comprovação atualizada leia os três últimos capítulos da História da Imprensa Paulista, de Oscar Pilagallo, publicada em 2012.
Há outras razões para a compunção que cercou o desaparecimento, aliás tardio, do JT. Primeiro, a sempre dolorosa extinção de empregos. E, com as ameaças que rondam hoje o jornal de papel, cada perda parece confirmar previsões pessimistas.
Muitas vezes se esquece, ou não se diz, que as dificuldades econômicas de diferentes empresas não decorreram da operação propriamente dita de seus jornais, mas de assanhamentos empresariais inconsistentes.
Foi, entre outros, o caso da Gazeta Mercantil, jornal que soube captar, sob a direção de Roberto Müller Filho, o sentido do processo político, social e econômico anunciado pela promessa de abertura política de Ernesto Geisel. A Gazeta teria sido uma perda catastrófica para o país se não tivesse surgido, com remanescentes dela, o Valor Econômico.
Caso de família
Uma crônica veraz do passamento do Jornal da Tarde foi escrita por Alberto Dines (“Parem as máquinas! Outro jornal foi para as nuvens“). Em síntese, ele diz que o JT surgiu para acomodar uma disputa entre irmãos Mesquita (Júlio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita), após a morte do pai, Júlio de Mesquita Filho. O primeiro ficou à frente do Estadão, o segundo foi incumbido de montar o Jornal da Tarde.
Como não fazia sentido a mesma empresa ter dois matutinos concorrentes, o caçula tentou ser vespertino (“da tarde”) na vida. Numa época, escreveu Dines, em que os congestionamentos de trânsito tornavam impossível distribuir um jornal durante o dia, como haviam entendido, tempos antes, Samuel Wainer (Última Hora) e Roberto Marinho (O Globo).
Por mais brilhantes que tenham sido as equipes do Jornal da Tarde, não poderiam compensar esse, digamos, defeito de nascença, fruto de veleidades que outras famílias (sempre as famílias, na imprensa brasileira contemporânea) souberam evitar. Sandro Vaia é mais radical. Para ele, o JT nem chegou a nascer (ver “Réquiem para um jornal que nunca existiu“).
No último quartel de seus breves 46 anos, o JT tentou ser um jornal da cidade, sem conseguir oferecer um diferencial capaz de se contrapor vantajosamente aos respectivos cadernos da Folha de S. Paulo (Cotidiano) e do Estadão (Metrópole).
Louve-se, mais uma vez, a independência de Dines, raríssimo expoente de sua geração que trocou a atenção aos interesses dos donos de jornais pela dedicação aos interesses da sociedade, sem afrontas, sem ressentimento e sem demagogia.
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