Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Usos e abusos da informalidade

Se o clima é obrigatoriamente festeiro/festivo tratemos de festas/festinhas.

Foi-se o tempo em que o jornalista era compulsivamente ranzinza, irônico, implicante. Marca profissional/existencial, ou simples cacoete, o marketing do questionamento ou do ceticismo tornou-se obsoleto. Esta é a hora do marketing da informalidade e da descontração.

Sem dúvida, uma vitória das redes sociais sobre a rabugice institucional da imprensa clássica. Talvez caso de fadiga, não é fácil aguentar as dores de mundo doze horas por dia, seis dias por semana.

Jornalista não desliga, empregado ou desempregado, PF ou PJ.

De qualquer forma, se a pauta natalina impõe otimismo, risadas, compras e presentes, vamos ao otimismo, risadas, compras e presentes. Sobretudo quando o antigo cidadão-telespectador transformou-se em assinante, consumidor.

Ninguém quer comprar angústias e preocupações. O que antigamente denominava-se imprensa, hoje é espetáculo, entretenimento.

No quesito festinha a equipe responsável pelo programa Em Pauta, exibido na faixa das 20 horas da GloboNews, ofereceu um show inesquecível em seguida ao Natal – 26 e 27 de dezembro de 2012 (ver aqui e aqui).

Num horário em que grande parte da população brasileira embala-se na teledramaturgia adolescente das telenovelas, e a GloboNews tenta ir na direção contrária com uma programação adulta, assistimos por duas noites consecutivas alguns jornalistas qualificados e respeitados submetidos ao ridículo papel de participantes de uma festinha de amigo-oculto (ou “amigo secreto”).

Sem improvisação

Para começar: jornalista não ganha presentes – ganha medalhas, ganha prêmios e, infelizmente, ganha obituários. A simples idéia de que possa ser aliciado por uma prenda natalina, mesmo oferecida por um/uma camarada de trabalho, contraria a imagem corporativa de seriedade e inacessibilidade. Abre brechas num comportamento que, para o grande público, deveria ter conotação missionária.

Ponto dois: a vida pessoal do/da jornalista deve ser preservada ao máximo. Um programa de TV não é página do Facebook – mesmo em emissora fechada, por assinatura. Jornalista ri, dá risada, faz piada, seduz, conquista entrevistados e o público, mas jornalista não faz brincadeirinha – pelo menos em público. Na redação, no botequim, em happy hours ou em casa é outra coisa.

Não se brinca em serviço diante do cliente/assinante.

Ponto três: jornalista não é celebridade, ao contrário, jornalista é reservado, discreto, seu ambiente natural é a temperança. Os holofotes que maneja são para os outros, os/as bobocas que se imaginam em contos de fadas eternos e não em 15 minutinhos de glória.

Ponto quatro: num momento tão tenso e crucial na vida brasileira e mundial é acintoso e doloroso tal desperdício de tempo e recursos. A brincadeira envolveu transmissão ao vivo, por satélite, entre quatro praças, uma delas em outro hemisfério. Qual o custo/benefício dessas duas meias-horas de recreio?

De quem foi a infeliz ideia não se sabe nem interessa saber, mas a atração foi planejada, exigiu “sonoras” previamente gravadas. Na cadeia de comando de uma emissora tão disciplinada e eficiente, a farrinha do amigo-oculto a descoberto não poderia ser fruto de improvisação.

O lado positivo: ficou visível o desconforto e o constrangimento de um/uma ou alguns/algumas participações. Mais desconforto e constrangimentos sente este observador obrigado por ofício a fazer reparos a uma festinha íntima/pública tão inofensiva.