Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fim do vespertino, sem choro nem vela

Na redação do extinto vespertino Última Hora (UH), o colunista João Pinheiro Neto citava John Maynard Keynes, o teórico capitalista da moda (1950-60) e novamente em evidência nos tempos atuais: “In the long run we are all dead”. Com a frase que se tornaria famosa – “No longo prazo estaremos todos mortos” –, Pinheiro Neto parecia prognosticar não o fim apocalíptico do capitalismo, mas a morte da edição vespertina do jornal diário que contingências econômicas e tecnológicas estavam condenando naquele momento a uma apressada e requentada metamorfose jornalística.

Não houve, porém, um súbito desaparecimento. Os vespertinos foram definhando. E sumiram acometidos do que o repórter político Homero Paiva chamava de “caquexia jornalística”. Nada poderia ter sido mais marcante e ao mesmo tempo tão pouco perceptível. Por isso não há documentação nem testemunhos concretos para se afirmar que a desnutrição mortal dos vespertinos – a caquexia – ocorreu (ou foi mais notada) precisamente a tal dia ou tal mês de meio século atrás. Porque na verdade eles desapareciam de forma lenta e sem comunicado. Quando reapareciam, o faziam de repente em sincopado movimento de ausência e presença.

Com edições que variavam visualmente na capa com discretos símbolos para destacar uma tiragem/impressão mais recente e pretensamente mais atualizada. Isso era de pouca percepção para o leitor. Como circulassem à tarde/noite/madrugada, os claudicantes vespertinos pareciam tropeçar no próprio e amplo espaço que não conseguiam preencher a contento do leitor, assediado cada vez mais pelo atraente crescimento dos destaques jornalísticos na TV. Assim, o desinteresse começou a se manifestar nas tiragens destinadas a esse vaivém enfraquecido.

Por consequência ou mesmo como determinante, também o suporte econômico ficou cada vez mais arredio, expulsando anúncios das páginas cujos textos de redação – as matérias – se apresentavam como meras repetições de notícias já estampadas pelos matutinos. E, de certa forma, desatualizadas instantaneamente pelos esforçados telejornais.

Corrida contra o tempo

Foi então que sobreveio a descoberta nos primeiros anos da agitada década de 1960: a solução não era parar com as edições vespertinas; era correr para tê-las renovadas e bem diferenciadas dos matutinos por mais tempo nas bancas. E assim fazer com que as remessas de exemplares também pudessem alcançar aviões que se destinavam a centros urbanos distantes ou menos próximos com potenciais leitores interessados em atualizadas notícias e reportagens. Principalmente novidades cariocas, já que o Rio de Janeiro deixara de ser a Capital Federal em 1960 mas era ainda a capital cultural.

Leitores mais distantes e mais exigentes de informações extra-rádio e extra-TV – público do próprio Sudeste, do Sul e Nordeste – poderiam ainda compensar financeiramente a deserção de compradores nas bancas locais. Esse movimento de descentralização de circulação provocou o fortalecimento de sucursais nos Estados. E determinou a criação de edições regionais completas com redações próprias como as notabilizadas pela rede nacional de Ultima Hora – um diário por excelência vespertino. Até se render, na década de 1960, à edição única matutina que seria eventualmente atualizada com seguido(s) clichê(s) alterando o mínimo de páginas possível.

Descoberto o que estava na cara, começou a corrida generalizada para fazer com que os vespertinos chegassem o quanto antes nas rotativas. As impressoras estavam sempre ociosas entre as rodagens. Mas poderiam ficar armadas e receber o vespertino recuado para horas folgadas e estratégicas da manhã… “Au matin et non pas l’après-midi”(?) – como passou a exigir o então diretor de redação João Etcheverry. Orientado pelo dono Samuel Wainer, ele botou o vespertino de UH para rodar às 7h da manhã. “E não mais à tarde.”

Naquele momento-chave, início de 1960, Etcheverry era o homem forte à frente do vespertino UH. Era ele um lendário francês sem sotaque. Diziam-no ex-coronel da Legião Estrangeira, embora fosse registrado como brasileiro nato, à semelhança de seu companheiro Samuel Wainer. E Etcheverry, ao usar o “idioma natal” para dar ênfase e solenidade à “descoberta” naquele momento de busca de maiores tiragens, parecia conferir sobrevida à língua da intelectualidade jornalística. Idioma requintado e elitizado, com fetiche de conhecimento e pendores literários, mas que já perdia a cena para a rápida e pop universalização do inglês. Aliás, do “linguajar americano” com direito de cidadania internacionalizado pelos comics – as nossas HQ. E globalizado estapafurdiamente na imprensa através de intraduzíveis manuais de máquinas importadas. Afinal nossas rotativas, linotipos, equipamentos de estereotipia, máquinas fotográficas e até a maioria de nossas máquinas de escrever eram importados. Dos EUA.

A noite era deles

A queda do francês cultural e a ascensão do inglês tecnológico como fonte de inserção internacional, embora acompanhassem – como ponto de referência – a lenta agonia dos vespertinos, eram sintomas evidentes de que os americanos ditariam inovações gráficas e normas diferentes de redação. Dos textos comandados pelo lead, por vezes anódino e esterilizado, à composição eletrônica a frio, tudo em breve seria computadorizado e em offset de múltiplas cores e gradações gráficas. Seriam conquistas que logo engrossariam o paradoxo da exiguidade de tempo, de público e de área geográfica ou demográfica para os vespertinos. Sem falar na então desconhecida internet que, no entanto, já espreitava o mundo jornalístico “arrastando as correntes digitais para encarcerar a mídia impressa”, diria José Louzeiro com seu mediúnico dom de escritor-repórter.

Desde que surgiram vigorosamente nas décadas de 1930 e 1940, os vespertinos vendiam mesmo era à noite. A noite era só deles. No entanto invadiam a madrugada para atender a forçados noctívagos e boêmios errantes. Quando então, cavalheirescamente, cediam lugar aos matutinos já no fim da madrugada. E recolhia-se o encalhe-vésper como papel velho para fábricas de papelão, quitandas e peixarias.

Em geral, por saírem às ruas em horas “menos conspícuas”, os vespertinos eram mais livres, leves e abertos para abrigar diversões, frivolidades, comportamentos sociais, folhetins, intrigas políticas, desavenças familiares ou corporativas, crimes pouco apelativos… e sensacionalismos! Raramente havia necrológios. Mas havia charges em profusão: Augusto Rodrigues, Nássara, Lan, Ziraldo, Jaguar, Octavio e tantos outros se criaram nos vespertinos. Como se popularizaram as instigantes previsões astrológicas. Os consultórios sentimentais… Entretanto, considerados portadores de notícias do dia – da madrugada ou da manhã –, ou de fatos que estavam ainda acontecendo, o que se pode dizer de concreto sobre a morte dos vespertinos e o cinquentenário desse falecimento coletivo, é que foi não exatamente um infausto acontecimento. “Com choro e vela” como manda o figurino dos velórios. Constituiu-se o passamento dos vespertinos numa enrustida tragicomédia. Raras exceções não comemoraram como o fizeram editores, redatores e repórteres que ralavam em “horário de ladrão”, segundo o cinismo do repórter especial Clodomir Leite, dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. Porque os repórteres, redatores e editores da madrugada não eram criminosos e como não merecessem a pena de trabalho forçado em hora normal de sono e descanso, os profissionais vespertinos em massa respiraram aliviados em liberdade quando, afinal, os donos dos jornais foram desistindo. E se renderam também sem lamentação – ou desemprego notável – à inutilidade das edições vespertinas que pararam de dar lucro. Na verdade, davam prejuízo.

Lucro com romantismo

Foi uma experiência não apenas romântica de uma era jornalística que perseguia lucro sem desprezar a aventura. O retrovisor do tempo mostra essa paisagem alegre, mas sofrida, de noticiaristas, plantonistas, telefonistas, repórteres, copidesques, colunistas, editorialistas e secretários de redação e de oficina, gráficos e jornaleiros. É difícil não associar o quadro cinquentenário à observação de um personagem de Érico Veríssimo, redator principal e cronista da Revista do Globo, de Porto Alegre. Dizia o personagem – o jovem desenhista Vasco de Música ao Longe e Saga – que “para melhor se admirar uma paisagem é importante nos colocarmos à distância dos detalhes”.

O quadro dessa época áurea foi desenhado na segunda metade da década de 1940 e durante os anos 1950. Duros tempos em que o país embarcou numa guerra mundial, voltou da Europa vitorioso, derrubou o ditador Getúlio Vargas, reconduziu-o democraticamente ao Poder, chorou quando ele se matou, elegeu o desenvolvimentista presidente JK, viu fundar Brasília e dobrou-se a uma nova ditadura de militares e civis ressentidos. Os fatos eram chocantes, sensacionais, mas pareciam prenunciar paradoxalmente a desaceleração não apenas política, mas também histórica. Por que tais fatos tão marcantes não indicariam também a exaustão dos veículos que testemunharam e noticiaram, quase sempre às pressas, tantos dramas e tragédias?

Os vespertinos também não surgiram da noite para o dia em datas facilmente identificáveis. É’ claro que o noticiário da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), embora sob censura militar rígida, acabou por conquistar a estressante virtude de habituar o leitor a buscar nos jornais “uma informação atrás da outra” sobre os fronts na Europa, Ásia e África. Rádio como informação confiável naquela época, nem pensar! Afinal acreditava-se que os inimigos, os quintacolunas, tinham onisciência e onipresença. Quanto a TV, como se sabe, estava longe de deixar o domínio dos romances de ciência-ficção ou as fantasias dos quadrinhos interplanetários.

Outra certeza consequente do impacto das notícias de guerra, é que o interesse por multiedições diárias de jornais acentuou-se no Brasil como influência da imprensa na Europa. Foi uma influência que se fez possível quando os jornais europeus se consideraram libertados. Principalmente porque na Paris de pós-guerra os diários chegavam a ter quatro, cinco edições, fazendo vibrar as ruas. Vibração política com hora marcada e sempre ansiosamente aguardada. O hoje moribundo France-Soir – agora limitado a um site na internet – estava à frente dessa vibração. Quem poderia imaginar que o órgão desafiante da ocupação nazista viria a ser comprado em 2008 por um miliardário russo e logo reduzido a uma pífia versão eletrônica?

Os vespertinos cariocas

No Rio destacaram-se como vespertinos mais recentes os jornais O Globo, Diário da Noite e Ultima Hora. Antes desta tríplice predominância nas bancas, A Noite pontificara como “vespertino público”, isto é, do governo. Pois era “patrimônio da União”. Tal como a Rádio Nacional. Depois da tríplice predominância, ou ao mesmo tempo, surgiu A Notícia. Os três primeiros diários mantiveram edições vespertinas como veículos principais por mais de uma década até o decorrer de 1963. Já o Diário da Noite viu-se arrastado à condição de tabloide em 1959. E após lenta agonia morreu em 1964, junto com seu criador Assis Chateaubriand, quando já não era nem matutino nem vespertino: circulava em horas incertas e não sabidas.

Independente de fatores extra-liberdade de expressão – caso do Diário da Noite – é claro que a ditadura imposta em 1º. de abril de 1964 fuzilou um jornal seguido ao outro, censurando as notícias mais importantes e enforcando a disponibilidade das agências publicitárias. Mas tanto O Globo como Ultima Hora só vieram a caracterizar suas edições definitivamente matutinas quando constataram, pouco antes do golpe de 1964, que só subiriam (ou manteriam) as vendas em bancas se antecipassem as rodagens vespertinas mais ou menos para os mesmos horários que cumpriam os autênticos e tradicionais matutinos. Era fácil concluir – e não se sabe por que demoraram tanto – que sem se converter também em matutinos ou produzir edições também matutinas –, os auto-intitulados vespertinos estavam perdendo tempo precioso de acesso aos leitores nas horas-chave da manhã.

Foi assim que a partir de 1960, ou mesmo antes, os vespertinos foram recuando cada vez mais na hora do fechamento e de rodagem da edição. E acabaram por encenar a curiosa e doméstica condição de competidores entre eles próprios, embora carregassem a mesma logomarca que oferecia como distinção apenas indicações como “Primeira Edição” e “Segunda Edição”. Ou, como no caso de Ultima Hora, a edição matutina carioca trazia a marca de um galinho cantando na primeira edição e de uma moeda estilizada com o preço de venda na edição vespertina. Foi então que aconteceu o inevitável: os vespertinos se aproximaram tanto da hora de fechamento/rodagem dos matutinos que não mais foi possível fugir da fusão em uma edição naturalmente matutina e única. Desta forma, passou-se a fechar esta matutina única o tão tarde quanto possível, de zero a uma da madrugada, obedecendo à programação de segundos ou mais clichês na primeira página e em uma página interna quando a intensidade dos acontecimentos vinha a exigir.

Os clichês que atualizavam o matutino eram montados no fim da madrugada ou nas primeiras horas da manhã. Para manter-se atualizada e contornar/superar deficiências técnicas de rotativas ultrapassadas, Ultima Hora chegou a manter colunas na primeira página intituladas Zero Hora e, depois, Primeira Hora. O objetivo era conseguir mobilidade suficiente para mostrar ao leitor suas edições sempre jovens e atualizadas pelo menos na aparência. Estrategicamente, as novas notícias eram trocadas e renovadas na medida em que as bancas precisassem ser reabastecidas se o chamado “repasse” se esgotasse. O que era raro.

Diário da Noite x A Noite

Com A Noite, Diário de Notícias, Correio da Manhã, Diário Carioca, Jornal do Brasil, O Dia, A Notícia, O Mundo, O Radical, O Paiz, Tribuna da Imprensa, Jornal do Commercio, O Jornal e Diário da Noite, aconteciam situações bem diversas dos vespertinos já referidos. Pois os próprios títulos desses jornais poderiam caracterizar o que por certo eles pretendiam ser – matutino ou vespertino.

A Noite, obviamente, destinava-se a um público noturno. Era distribuído por volta das 17h às bancas e aos famosos pequenos jornaleiros da Fundação Darcy Vargas – a Casa do Pequeno Jornaleiro. O alvo nítido de A Noite era o público que ia para casa após o trabalho ou frequentava bares, restaurantes e boates em altas horas. Com alguma esperteza, mas se arriscando a perder recentíssimos acontecimentos, o Diário da Noite rodava cerca de uma hora antes (16h) – “para ganhar leitor”. E estampava sempre sobre seu característico papel azulado (até que virou tabloide) garrafais manchetes apelativas para empolgar os mesmos leitores do competidor noturno.

O Dia era só matutino. Mas um matutino que se fazia na contramão dos tradicionais jornais da manhã. Curiosamente circulava na véspera. Às vezes o “jornal de amanhã” podia ser encontrado ao anoitecer de “ontem”. A certa altura converteu-se no jornal de maior circulação no país. Façanha, aliás, nem tão difícil assim, pois a tiragem média dos jornais mal ultrapassava meia centena de exemplares. Isso quando conseguia a façanha em função de um grande acontecimento. Mas se o fato e suas versões e consequências exacerbassem emoções – como foi o suicídio de Vargas – a tiragem de um vespertino privilegiado pelo apoio da e à vítima neste caso, podia explodir em edição de 800 mil cópias. Isso aconteceu excepcionalmente com Ultima Hora. E nunca mais se repetiu nem com UH nem com qualquer outro jornal nacional.

Para alcançar a liderança na circulação – à semelhança dos rápidos tabloides de hoje –, O Dia se especializou em sensacionais fatos policiais objetiva e sinteticamente narrados. E estabeleceu preço de venda do exemplar tão baixo – alguns centavos – que o jornal podia ser descartado ao fim de 60 minutos de leitura ou à espera de uma condução para casa. Exatamente como os tabloides de agora. Tudo compensado também pela sempre limitada quantidade de páginas. O preço de capa já pagava o custo do papel mesmo importado do Canadá ou Finlândia. O maior adversário de O Dia foi a Luta Democrática (1954/1980), fundado pelo deputado Natalício Tenório Cavalcanti, que explorava a própria fama de pistoleiro. A Luta não narrava apenas crimes com espantosas manchetes que podiam ser engendradas pelo mestre do sensacionalismo à flor da pele – Carlos Vinhaes. Veiculava também sexo barato. E, em determinado momento, lançando mão de giriologia chula. No que acabou sendo seguido pela A Notícia no desespero da sobrevivência.

A Notícia, da mesma empresa de O Dia – propriedade dos governadores Antonio de Chagas Freitas (RJ) e Adhemar de Barros (SP) – ao ser refundada em 1950 tinha que correr nos calcanhares do Diário da Noite e de A Noite. Embora fosse um vespertino autêntico até a morte. A Notícia funcionava como uma espécie de “segunda edição” de O Dia, estampando “suítes” (continuações) de coberturas exclusivas realizadas pelo matutino da empresa.

Os autênticos matutinos

Correio da Manhã e Diário de Notícias eram exemplos de matutinos autênticos. Tradicionais, bem mais volumosos e visualmente mais sérios que os vespertinos, traziam maior número de seções assinadas e opinativas com destaque para editoriais. Assim foram através dos anos. Porque assim queriam Niomar Moniz Sodré Bittencourt e Ondina Ribeiro Dantas, as damas que herdaram dos maridos-donos um e outro matutino. Já o Jornal do Brasil (JB), caracterizado por anúncios classificados até na primeira página, custou a se modernizar. Quando o fez, o JB dominou o público dos matutinos por muitos anos sempre na linha do Correio da Manhã e do Diário de Notícias. Propriedade do conde Ernesto Pereira Carneiro e depois da viúva-herdeira Marina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro – a condessa –, instituiu-se o JB também como matutino autêntico. Porém menos conservador no visual e no conteúdo. O que o aproximou em técnica e bom gosto do Diário Carioca de José Eduardo Macedo Soares – o J.E. Macedo Soares. Ágil no texto e na diagramação, o Diário Carioca era igualmente matutino. Porém um matutino disposto a inovar, sendo o precursor do lead no Brasil, com paginação e conteúdo que o projetavam a meio caminho dos vespertinos.

Os menores e menos influentes O Paiz, O Radical e O Mundo eram também matutinos. Mas sem “convicção”, pois O Mundo e O Radical tardavam – e até falhavam – em chegar às bancas. A concorrência era numerosa e impiedosa demais e eles foram os primeiros a deixar a arena sem participar da epopeia vespertina.

Quanto à Tribuna da Imprensa, foi sempre um matutino com cara e alma de vespertino. Sem ser, porém, um Diário Carioca. E que viveu em função das campanhas de seu diretor e dono – o tribuno Carlos Frederico Werneck de Lacerda.

Junto com a arquiinimiga Ultima Hora, a Tribuna protagonizou a máxima importância da mídia imprensa – o Quarto Poder! – na História (moderna) do Brasil em momentos decisivos da década de 1950. Foram momentos que motivaram notícias e interpretações em ângulos opostos e antagônicos. Um debate que “mexeu e remexeu no fundo da política”, como jamais acontecera desde a Revolução de 1930, segundo Manoel Gomes Maranhão. Diretor-condômino do diário O Jornal, do Rio de Janeiro – matutino líder dos Diários Associados, mas sem liderança nas bancas – o doutor Maranhão, como era tratado, dizia ainda que, “se houve algum momento em que a imprensa brasileira fez lembrar os jornais durante as revoluções americana e francesa, foi este da briga Tribuna x UH”. Maranhão completava afirmando que sem a imprensa não teria havido as duas revoluções. Por afinidade, “sem a Tribuna e UH, Getúlio não teria se matado, JK não teria assumido a Presidência e o golpe de 1964 não se consumaria”.

Chega a imprensa-empresa

Diferentemente de segundos clichês ou segundas edições tachadas de Extra, quando ocorria fato relevante em hora “imprópria” para matutino ou vespertino, os vespertinos cumpriram a tarefa da notícia levada ao público o mais próximo possível da hora em que estava acontecendo. Nunca chegaram a ser muito ameaçados pelo rádio, sujeito às limitações das transmissões que não podiam se afastar da objetividade e da rapidez, carecendo ainda da ausência de imagens. Por isso, quando a TV apareceu na década de 1950 e em seis anos deixou de ser o meio-mensagem por excelência – misteriosa e futuristicamente cantado por Marshall McLuhan – e se aperfeiçoou para se converter na coqueluche-mensagem-diversão, acabou por dominar a mídia pré-internet.

Então a tradicional mídia impressa teve que se virar. E buscar forças no aprofundamento dos fatos com pesquisas, investigações e denúncias. Tudo como se fossem livros-relâmpagos ao alcance das massas. A formação de opinião e a voz do leitor ampliada nas seções de cartas também marcaram a transformação do jornal pós-TV e imediatamente pré-internet.

O Brasil dos jornais vespertinos acompanhou a tendência mundial representada pelos poderosos Le Monde e Le Figaro e os históricos France-Soir e Le Parisien. Tendência manifestada também na Argentina, que teve o Clarín como grande vespertino até ser atingido pelo fenômeno-TV. Mas em matéria de tiragem o Brasil nunca conseguiu acompanhar, nem de longe, a grande circulação dos jornais europeus, com milhares e até milhões de exemplares diários. Como acontece com o Bild, que vende até hoje mais de 4 milhões todos os dias, dentro e fora da Alemanha.

Finalmente completou-se o fenômeno americano quando a grande imprensa dos EUA se apresentou como paradigma de um mundo que se globalizava rapidamente. Os jornalões, com The New York Times e o Washington Post à frente, embora sem tiragens monumentais, cresceram repletos de anúncios. Como se fossem catálogos comerciais. O Brasil já estava parando de “falar francês” e começou logo a “falar americano”. Estava nascendo aqui a grande imprensa-empresa representada hoje pelo O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo.

Como no samba

É preciso dizer ainda que os vespertinos sempre viveram “à sombra” dos matutinos. Evidentemente essa espécie de comensalismo só existiu quando o vespertino aderiu à edição matutina, invertendo ou antecipando horários na redação. Por isso os “vespertinos aderentes” passaram a dispor de equipes menores. E custos menos significativos. Principalmente porque, o grosso dos vespertinos era criado e produzido pela redação maior que já trabalhava durante o dia para realizar o matutino, tendo o vespertino apenas como consequência.

Em última análise, foi mesmo por injunções de economia de produção que os vespertinos acabaram. Aguçou esta necessidade de contenção o notório fato de os vespertinos remanescentes estarem acossados cada vez mais pelo poder da imagem e da instantaneidade da TV. O que restou da sobrevivência dos vespertinos pode estar presente nos tabloides atuais. Que parecem se apoiar no sensacionalismo surreal, na permissividade dos tempos perdidos e no ínfimo preço de seus exemplares. Os leitores dos tabloides de agora são também mais imediatistas e menos exigentes.

Público mais sofisticado e melhor aquinhoado é o que persegue a recente edição vespertina digital Globo a Mais, com “circulação” a partir das 18h. Tendo o iPad como veículo de total portabilidade, a Infoglobo – empresa das mídias impressa e eletrônica com a marca O Globo – baseia-se nas experiências americana e britânica do NYT e do Financial Times. Além da instituição do conteúdo pago via internet, a Infoglobo também correria atrás de novos tempos de redução – ou extinção? – do papel impresso. De ampliação – ou domínio completo? – do jornal digital. Mas tal como no samba de Dona Ivone Lara, os herdeiros de Roberto Marinho, cauteloso homem de jornal, quem sabe não teriam avisado aos ministros do seu império para “pisar neste chão devagarinho”?

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[José Alves Pinheiro Junior é autor de A Ultima Hora (como ela era), entre outros livros sobre jornalismo. É conselheiro da ABI e membro da comissão de ética do Sindicato de Jornalistas do RJ]