No início da noite do dia 1° de fevereiro, uma sexta-feira, jornalistas credenciados pelo Palácio do Eliseu receberam um e-mail de convocação para uma cerimônia de última hora. Tratava-se de um acordo inédito entre o diretor-presidente do Google, Eric Schmidt, e Nathalie Collin, a presidente da Associação de Imprensa de Informação Política e Generalista (IPG), com a anuência do presidente da França, François Hollande.
A convocação de última hora aconteceu porque, após mais de três meses de debates intensos, uma dura sessão de 30 horas de negociações ainda precisou ser travada entre as partes envolvidas, sob a batuta de Marc Schwartz, o mediador escolhido pelo governo francês. O resultado foi um acordo inédito na história da imprensa e de sua relação com as gigantes da internet. O Google aceitou pela primeira vez remunerar os editores jornalísticos franceses pelo conteúdo referenciado em seus sites, em especial pelo Google News.
O compromisso envolve a criação de um fundo de € 60 milhões, com recursos da companhia americana, para financiar nos próximos três a cinco anos 150 empresas jornalísticas francesas que desejem desenvolver novos projetos na internet, aprimorando a adaptação do papel ao ambiente virtual. A seguir, trechos da entrevista exclusiva de Nathalie Collin, presidente da IPG e uma das presidentes do grupo francês de imprensa Nouvel Observateur.
“Foi uma negociação dura”
Como nasceu a negociação com o Google?
Nathalie Collin – No início, achávamos que não era possível negociar com o Google. Nunca ninguém havia conseguido uma verdadeira negociação com Google, Microsoft e outras gigantes da internet. Pensávamos que seria necessário lutar por uma lei que colocasse o Estado na posição de regulador do problema. Para tanto, queríamos uma lei de direito conexo – relativo aos direitos autorais – e já trabalhávamos em cima de um projeto. Também não estávamos tão empenhados no Google News, que considerávamos uma ferramenta menos importante da empresa, mas sim, na indexação do conteúdo jornalístico no Google. Em outubro, Eric Schmidt veio a Paris, quando encontrou o presidente François Hollande. Então, o presidente evocou a hipótese de uma lei sobre o tema, e Schmidt demonstrou interesse na proposta de nomeação de um mediador para discutir com o Google e os editores. Com isso, começaram as reuniões, primeiro separadas, depois em uma mesa comum. Enfim chegamos a um acordo.
E como foi a negociação em si?
N.C. – O Google aceitou o princípio de nomear um mediador. Mas no início queria apenas um deal business, em que colocariam suas ferramentas para auxiliar os veículos online a rentabilizar a publicidade. Eles não queriam criar o fundo, e nós não estávamos interessados só nessa proposta. Foi uma dura negociação com o Google. Então chegamos a um deal business, que cada veículo vai decidir entre participar ou não, e depois à criação do fundo. Para nós, era necessário que o Google mostrasse que o conteúdo editorial que produzimos era importante para eles.
“O acordo mostra que uma via está aberta”
A sra. pode nos dar mais detalhes sobre como funcionará esse deal businessentre o Google e os editores jornalísticos?
N.C. – Não podemos falar ainda sobre isso. O Google exigiu uma cláusula de confidencialidade.
Foram meses de negociação. Como esse fundo vai funcionar?
N.C. – A negociação tomou os meses de novembro, dezembro e janeiro. Foi bastante tempo, porque não estávamos de acordo com as propostas do Google. Como disse, não é fácil negociar com eles. O fundo terá um conselho de administração que vai analisar os projetos de adaptação em direção ao mundo digital. Esse conselho terá um representante do Google, representantes dos editores e da sociedade civil que vão colaborar para encontrar os projetos que receberão o financiamento.
O valor do fundo, € 60 milhões, é satisfatório?
N.C. – Não estou autorizada a comentar os números relativos à publicidade dos veículos online. Os sites de imprensa de informação política e genérica fazem juntos um volume de negócios X com a publicidade online. O que posso dizer é que o valor do Google não é pequeno.
O fundo foi criado com validade de três a cinco anos. E após?
N.C. – É difícil dizer hoje. O presidente da República e Eric Schmidt afirmaram que se reencontrarão no futuro. Mas não há nada que garanta o pós-acordo. Será necessário renegociar.
Esse acordo firmado entre editores franceses e o Google trouxe expectativa a empresas jornalísticas de outros países, como a Alemanha e ao Brasil. Ele pode servir como exemplo?
N.C. – É curioso você me perguntar isso porque acabo de conceder uma entrevista para um veículo alemão que me fez uma pergunta semelhante. O que posso dizer é que esse acordo mostra que uma via agora está aberta.
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[Andrei Netto é correspondente do Estado de S.Paulo em Paris]