Esses três termos – jornalismo, jornal, jornalista – mantiveram pela semântica, ao longo do tempo, um elo de tal modo intrínseco que poderíamos dizer que um não existiria sem o outro. A introdução das novas e novíssimas tecnologias nas comunicações tem sido responsável pela quebra do elo histórico. Começamos a admitir que jornalismo pode existir sem jornalista e o jornalista pode existir sem jornal, vinculado apenas ao jornalismo.
É uma reflexão meio tortuosa, mas coerente com essa realidade que se tornou também tortuosa desde que essa verdadeira convulsão foi instalada no universo das comunicações. Jornalismo (ou jornal) sem jornalista pode ser realizado apenas com as colaborações desses milhões de sentinelas avançadas sobre acontecimentos históricos – dos atentados no metrô de Londres aos sinais de fumaça que indicaram a escolha de um novo papa – com o privilégio de portar os aparelhinhos da modernidade – celulares, tablets, câmeras portáteis – capazes de registrar as informações em alta definição.
Em outro sinal dos novos tempos, um jornalista tem conseguido marcar sua existência enquanto jornalista fora das redações, “no aconchego do lar”, escrevendo para um blog ou para uma página pessoal numa das redes sociais.
São traços da gigantesca disrupção que atinge o setor de comunicação de modo geral. Na aparência, essas novas práticas ou esses novos modos de captar e transmitir informações representam uma contribuição ao jornalismo. É assim, mas não é bem assim. A mesma tecnologia que permite a captação de mais informações tem colocado os antigos modelos de negócio baseados na informação contra a parede: renovem-se ou morram! Como diriam os professores da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, temos de estar preparados para a ideia de que tudo vai piorar ainda mais antes de melhorar novamente, lá na frente, quando pessoas da minha geração – anos 1950 – estarão caquéticas ou sepultadas sob belíssima pá de cal.
O que importa refletir agora é que o verdadeiro jornalismo, feito de revelações cruciais para o desenvolvimento e o bem-estar dos povos, o jornalismo transformador porque baseado na denúncia e na revelação da verdade, o jornalismo que age como moderador na luta entre fracos e fortes, faz e fará muita falta. As transformações, contudo, são de base, têm deixado os antigos modelos de negócio de ponta cabeça. A publicidade que os sustentava encontra na web espaços mais eficazes. “Tudo vai piorar muito antes de voltar a melhorar”, insistem os professores da Universidade Colúmbia.
Publicidade vai e não volta
As mídias tradicionais, apesar de carregarem o peso dos procedimentos tradicionais, ainda em vigor, poderiam reagir. Prospectar com intensidade o “novo mundo” que todos temos pela frente, produzir experimentos avançados nessa nova realidade que a tecnologia de informação já há quase duas décadas passou a nos oferecer, descobrir pelo menos alguns caminhos do futuro ou espernear, apenas espernear, antes de morrer. É assustador notar que a marca da grande maioria das empresas de mídias tradicionais é a paralisia, ainda mais acentuada se nos referirmos exclusivamente ao Brasil. Estão amarradas ao passado. Em consequência da evasão da publicidade, perdem qualidade em informação a cada dia que passa. A reação se dá em movimentos pífios e dentro de uma visão analógica de um assunto que migrou para a dimensão digital.
É quase impossível ser otimista no Brasil. As empresas tradicionais de mídia impressa estão paradas no tempo, amarradas que sempre estiveram à cultura e aos procedimentos analógicos, impermeáveis à inovação e à experimentação. Algumas delas – fenômeno recente – simplesmente desistiram da cobertura nacional, de estado a estado, quando talvez a saída se encontre justamente na captação de informações para fora dos eixos tradicionais de cobertura (Rio, São Paulo, Brasília), onde, aliás, todas elas estão a cada dia mais concentradas.
As tecnologias de informação reduziram o tamanho do planeta, mas os jornais brasileiros parecem haver ampliado o tamanho do país. Jornais efetivamente nacionais hoje no Brasil só os da televisão, especialmente os da emissora líder que pode contar com as contribuições de emissoras coligadas e afiliadas. Os jornais em papel podem morrer no Brasil por falta de ousadia ou por falta de inovação numa época em que as tecnologias de informação põem tudo de pernas para o ar.
Antigos consultores da Universidade de Navarra (Espanha), ao vislumbrarem as transformações que vinham no bojo da web profetizavam, nos primórdios dos anos 1990, que o planeta seria cada vez mais dos rápidos e cada vez menos dos lentos. Tinham razão. As novas tecnologias têm feito grandes estragos mundo afora e já se pode dizer que os mais lentos têm sido os primeiros a morrer. A tática defensiva tem-se revelado insuficiente, pois as mudanças são de base e, portanto, muito pouca coisa pode ser defendida.
Estamos na era da ousadia, onde a melhor defesa pode ser o ataque, baseado na experimentação e na inovação. Os caminhos do futuro não são claros e todos terão de caminhar um pouco no escuro, um pouco no ziguezague, um tanto no vai-e-volta. Pode ser que não cheguem a nenhum lugar, o que, com certeza, será menos ruim que não tentar, ser arrastado pela correnteza que vem de encontro ou simplesmente morrer de inanição. Já se observa que a publicidade vai e não volta mais.
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Dirceu Martins Pio é jornalista e consultor em comunicação corporativa