A Coreia do Norte tem causado polvorosa no mundo inteiro por conta das declarações de seu líder, Kim Jong-um. Divulgando treinamentos militares e realização de testes com armamento nuclear, o líder norte-coreano voltou as atenções para o Oriente. Ao tratar da possibilidade de uma guerra, as notícias oriundas da Coreia do Norte trouxeram à tona questões de interesse das pessoas.
Tal interesse baliza a ação do jornalista. Quando o assunto requer uma reportagem investigativa, o interesse público chega a sobrepujar questões éticas e normativas. Segundo Silvio Waisbord (2000, p. 233), “o jornalismo investigativo é menos sobre métodos e mais sobre as consequências”. Nesta visão, falsidades ideológicas e escutas não-autorizadas, por exemplo, são considerados legítimos ao jornalista, haja vista o bem maior que as matérias investigativas visam atender.
A justificativa do interesse público foi utilizada na última semana pela BBC (British Broadcasting Corporation) ao ter infiltrado jornalistas num grupo de universitários britânicos que visitavam a Coreia do Norte a estudos. Segundo o Jornal Nacional (15/4/2013), da TV Globo, a London School of Economics acusa a BBC de “colocar em risco a segurança do grupo de alunos, que teve permissão especial para visitar o território norte-coreano” (ver aqui). Por seu turno, a BBC “alega que os jovens sabiam dos planos e que a reportagem é de grande interesse público”.
Participação na matéria
O interesse público tornou-se uma grande “muleta” utilizada pelos jornalistas. Sempre que há questionamento para ver se uma matéria é necessária, o jornalista se apoia no interesse público. No entanto, há distinções a serem feitas. Interesse público aproxima-se do que é importante às pessoas. Interesse do público, por sua vez, vai ao encontro daquilo que chama a atenção e que, consequentemente, rende mais audiência. Ambos podem confluir. No entanto, em termos de legitimação da realização de uma matéria, aquilo que é só rentável passa a ser importante na hora da justificação.
No caso da possibilidade de uma guerra mundial, até parece plausível a noção de interesse público, mas Luciano Ornelas (1987, p. 8) faz uma ponderação: “Quando uma vida está em perigo (…) a imprensa deve ser responsável para ajudar a preservar essa vida”. No caso da Coreia, os universitários corriam riscos. No caso do programa CQC, da TV Bandeirantes, tratado pelo objETHOS em 1º de abril (ver “O menino, o deputado e o jornalismo genuíno“), uma criança chegou a ser utilizada no lugar do repórter em situação que o conselheiro nacional do Ministério Público, Luiz Moreira Gomes Junior, julgou degradante a participação do menor. Uma primeira questão que se impõe é a seguinte: é de interesse público que vidas sejam perdidas ou abaladas para sempre? Em resposta ao conselheiro, o âncora do CQC, Marcelo Tas, disse que o Ministério Público deveria ter mais o que fazer do que processar humoristas.
O CQC (Custe o Que Custar) é um conhecido programa que mistura jornalismo e humor. A veia humorística do CQC angariou o público jovem para temas antes cobertos somente pela imprensa tradicional – como política, por exemplo. Além disso, quadros como o “Proteste Já” convidam a população à participação na produção das matérias. No programa do dia 18 de março, Marcelo Tas chamou uma matéria do quadro “Proteste Já” da seguinte forma: “Preparem-se: Vocês vão ver agora uma matéria que está à disposição da justiça porque este material trata de matéria jornalística de interesse público”.
Ao final da reportagem, Marcelo reiterou este mesmo posicionamento.
Com responsabilidade
Ao ver a matéria, possivelmente ninguém questionou o fato da impunidade no trânsito ser realmente um assunto de interesse público. O programa, ao invés do tradicional tom acusatório, ofereceu o material para que o sistema de justiça brasileiro tomasse a devida medida. Além disso, reforçou uma noção do jornalismo investigativo: “O jornalismo investigativo implica um trabalho ativo de apuração do repórter” (NASCIMENTO, 2010, p. 21).
Neste caso, apesar do humor sempre latente, o CQC deu uma aula de jornalismo. Visou ao interesse público, mostrou um jornalismo ativo e, além de tudo, limitou-se a disponibilizar fatos (que falavam por si). Segundo Silvio Waisbord (2000, p. 241), “a imprensa nem persegue nem julga, mas, na melhor das hipóteses, envia informações justas e precisas para a consideração pública que podem (ou não) desencadear uma investigação mais aprofundada e ações legais”. Luciano Ornelas (1987, p. 9) reforça: “A imprensa não é a Justiça. O nosso dever, isso sim, é informar com responsabilidade. Ou deixar de informar também com responsabilidade”.
Deixar de informar com responsabilidade: esta sim parece mais uma atitude de interesse público do que a cobertura de uma eventual tragédia oriunda do jornalismo sedento pela audiência.
Referências
NASCIMENTO, Solano. Os Novos Escribas: O fenômeno do jornalismo sobre investigações no Brasil. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2010.
ORNELLAS, Luciano. A notícia ou a vida. In Revista de Comunicação. Rio de Janeiro, ano 3, nº 9, 1982, p. 8 – 9
WAISBORD, Silvio. Watchdog Journalism in South America: News, Accountability, and Democracy. Columbia University Press, New York, 2000
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Guilherme Longo Triches é mestrando em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS