Quando, em abril de 1983, a revista semanal alemã Stern anunciou ter adquirido diários de Hitler até então desconhecidos, o furo foi uma sensação no mundo todo. Os editores prometeram transferir posteriormente mais de 60 volumes escritos à mão para o Arquivo Federal da Alemanha.
No entanto, o furo transformou-se numa debacle editorial quando foi descoberto que os pretensos diários eram falsos. Agora, 30 anos depois, na terça-feira, esses documentos falsos foram formalmente consagrados como história de verdade, quando autoridades responsáveis pelo Arquivo Federal da Alemanha decidiram aceitar a coleção oferecida pela revista como notícia jornalística e não história do nazismo. “Os falsos diários de Hitler são documentos do passado”, afirmou Michael Hollmann, presidente do Arquivo Federal, em comunicado conjunto com a revista Stern. “Eles estão em boas mãos.”
Em 1983, os editores da Stern pagaram milhões de dólares a um jornalista, Gerd Heidemann, pela compra do que acreditavam ser uma importante coleção de escritos de Hitler, além de outros documentos. A capa da revista, que anunciou a descoberta na época, trazia o título “Diários de Hitler descobertos”, em tinta vermelha sobre a foto de um caderno de anotações em negro. Os diários também foram comprados pelo Sunday Times, da Grã-Bretanha.
A descoberta foi encarada com ceticismo pelos especialistas, mas o historiador britânico Hugh Trevor-Roper, também conhecido como Lord Dacre, declarou que eles eram autênticos, conferindo legitimidade aos documentos. Sua reputação foi arruinada quando especialistas do Arquivo Federal e do Departamento de Polícia Federal da Alemanha concluíram que os papéis eram falsos.
História
Os diários foram escritos por um negociante de objetos históricos da época do nazismo, em Stuttgart, chamado Korad Kujau. Ele e Gerd Heidemann foram condenados por fraude. O engano provocou uma profunda análise dentro da revista, com membros da redação da Stern realizando paralisações de protesto contra o que consideraram ser uma falha da direção da revista por ter ignorado os canais e as salvaguardas editoriais tradicionais quando adquiriram e publicaram trechos dos diários sem checar suficientemente sua autenticidade.
“Os diários falsos são parte da história da Stern”, afirmou o editor da revista, Dominik Wichmann, na terça-feira. “Não queremos negar isto, mas sim lidar com o fato de uma maneira factual e apropriada. Por isso, decidimos entregar os diários para o Arquivo Federal.”
Este mês, Heidemann exigiu publicamente que os documentos falsos lhe fossem devolvidos. O Arquivo Federal da Alemanha é uma instituição que centraliza todos os documentos que formam a memória do governo alemão e tudo, desde as reuniões de gabinete até procedimentos do Ministério dos Transportes, estão ali preservados em livros e catálogos que, se fossem organizados em uma fileira, chegariam a quase 300 quilômetros.
“Estes documentos são de grande importância para a história passada e a história da imprensa”, afirmou Thekla Kleidienst, porta-voz da instituição. “Tudo o que está escrito nesses documentos, que amanhã pode ser considerado ultrapassado, nós preservamos para a eternidade.”
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Chris Cottrell e Nicholas Kulish são jornalistas do New York Times