Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalista que é a maior dor de cabeça do governo Kirchner

As noites de domingo são as mais difíceis para Cristina Kirchner. Às 22h começa o programa de TV Jornalismo para todos no canal 13, do grupo Clarín, apresentado por Jorge Lanata, hoje a maior dor de cabeça da Casa Rosada. Nos primeiros cinco programas deste ano, ele revelou escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo empresários amigos dos Kirchner, colaboradores e funcionários. Ontem [domingo, 12/5], o programa confirmou a existência de um gigantesco cofre na residência da família em El Calafate, com capacidade para guardar até 3 bilhões de euros. A mesma informação foi confirmada ao Globo por um engenheiro que trabalhou numa reforma da famosa residência e viu o cofre, debaixo de uma escada.

As denúncias de Lanata foram parar na Justiça e os tribunais portenhos estão avançando em investigações que incluem até o ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), acusado de associação e enriquecimento ilícito. A inédita repercussão das reportagens tornaram-se um fenômeno político e social. Analistas acreditam que as denúncias do programa impulsionaram a última onda de panelaços antigoverno, que em Buenos Aires reuniram mais de um milhão de pessoas. Em entrevista em seu apartamento no centro portenho, Lanata, fundador do jornal Página 12 – hoje um dos mais alinhados ao kirchnerismo –, falou sobre o modus operandi do governo, a eventual sucessão de Cristina e a mudança de humor social no país. "Os kirchneristas ficam com as empresas, o menemismo pedia propina. No longo prazo, os kirchneristas roubam mais", afirmou.

O senhor confirmou a existência de um enorme cofre na casa dos Kirchner em Calafate, no qual caberiam 3 bilhões de euros.

Jorge Lanata – Existem dois cofres, mas conseguimos o mapa do primeiro. O segundo foi colocado numa segunda reforma. Cinco milhões de pessoas ficaram sabendo dessa informação, será difícil para a Justiça não fazer nada.

O caso do empresário Lázaro Báez (que era amigo e sócio de Kirchner) já era conhecido entre jornalistas e, principalmente, em Santa Cruz…

J.L. – Muitas vezes acontece que contamos alguma coisa, mas as pessoas não estão preparadas para ouvi-las. Também existe a diferença entre meios de comunicação impressos e audiovisuais. O caso Watergate surgiu no Washington Post, mas tornou-se popular no programa 60 Minutes. Antes estava no microclima de Washington. Abordamos assuntos que muitas pessoas conheciam, mas o impacto de mostrar a casa de Cristina na TV é muito diferente de escrever sobre o assunto.

Por que as denúncias de corrupção contra o vice-presidente, Amado Boudou, não tiveram tanto impacto?

J.L. – Surpreende-me que o caso não tenha escandalizado tanto a população como o de Báez. Imagine que no caso Boudou foram afastados um juiz, um procurador e um promotor. Ele continua no cargo por teimosia de Cristina.

O governo está preocupado com as denúncias contra Báez?

J.L. – Sei que estão preocupados, mas não podem fazer nada. O governo respondeu com outra acusação. Falaram sobre um caso de lavagem de dinheiro envolvendo o grupo Clarín, algo que escrevi há alguns anos no jornal Crítica. Já disse na rádio Mitre (do grupo Clarín) que se o Clarín for culpado, que vá preso.

Com a reforma do Judiciário aprovada, os tribunais poderão avançar nas investigações?

J.L. – Minha sensação é de que essa reforma será anulada pela Corte Suprema. Mas é difícil saber se avançarão. Até agora, o que o procurador está fazendo está bem feito. O problema é que nós continuamos trabalhando. Agora surgiu um personagem novo, o jardineiro. Hoje ele é Donald Trump e seu filho é secretário de Cristina. O jardineiro tem 40 empresas! São dessas pessoas muito próximas a eles que têm uma quantidade de dinheiro impossível de justificar. Mostramos as casas de todos, os carros e o cofre de Cristina. Lázaro era funcionário do banco de Santa Cruz e começou a construir sua fortuna em 2003 (ano em que Kirchner chegou ao poder).

A corrupção do kirchnerismo é maior do que a do menemismo?

J.L. – Existe uma diferença. Os kirchneristas ficam com as empresas, o menemismo pedia propina. No longo prazo, os kirchneristas roubam mais. E seu modus operandi é mais efetivo, em termos políticos. Há algum tempo li um livro que descrevia as estratégias do fascismo na década de 40, na Itália, e são as mesmas. Não estou dizendo que este pessoal é fascista, o que digo é que existe um paralelo na História que pode ser comprovado.

O senhor acredita que o governo será castigado nas urnas nas eleições legislativas de outubro?

J.L. – Sim, mas acho que isso não fará com que Cristina desista da ideia de uma nova reeleição. Vão tentar encontrar um caminho, porque estão condenados à re-reeleição. O kirchnerismo não tem sucessor e ninguém faz uma revolução para abandoná-la. Eles acreditam fazer uma revolução e isso explica muita coisa. Nenhuma revolução tem liberdade de imprensa, nem mercado econômico livre. Acho que Cristina tentará a reeleição e será um suicídio, porque vai perder.

Cristina está vivendo seu pior momento?

J.L. – Eles mesmos me dizem, em off, que a coisa terminou. Contam que os ministros dizem que Cristina está louca. Mas ninguém vai embora, porque ela não deixa. Este será um ano complexo.

E como o senhor imagina o final desta história?

J.L. – Como estão as coisas, será um final feio. Existe muito fanatismo, violência social crescente, a economia cada vez pior. A herança mais pesada que este governo deixará é a polarização social.

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Janaína Figueiredo é correspondente do Globo em Buenos Aires