Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Embate no Paraná

O governo do Estado do Paraná e um dos principais jornais locais, a Gazeta do Povo, estão em pé de guerra desde a última quarta-feira (18/02). O governador Roberto Requião (PMDB) foi acusado de ‘ditadorial’ pelo jornal, que por sua vez foi tachado de mentiroso em anúncio pago publicado nos três principais rivais da Gazeta.

Tudo começou na quarta-feira, com a publicação, na Gazeta do Povo, de reportagem sobre o novo Plano de Cargos e Salários dos professores da rede estadual de ensino O jornal ouviu professores que se mostravam contrários a alguns pontos do projeto e apontou ‘falhas’ do Plano.

No dia seguinte, quinta-feira, 19, o governo do Estado reagiu publicando anúncio pago, reproduzido abaixo, em três jornais paranaenses: Folha de Londrina, O Estado do Paraná e Hora H. Além disto, o site da Agência Estadual de Notícias, da Secretaria de Comunicação Social do governo, apresentou matéria rebatendo a reportagem da Gazeta.


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A matéria veiculada no site da Agência reproduz, em termos gerais, o que está no anúncio acima:

‘‘Nota oficial – A Secretaria da Educação, em nota oficial, rebateu os sete equívocos cometidos pelo jornal Gazeta do Povo, em sua edição desta quarta-feira (18). Segue a nota:

Durante o processo de negociação entre o Governo do Estado e o Sindicato dos Professores do Paraná para elaboração do novo Plano de Carreira dos Professores, inúmeras vezes o jornal Gazeta do Povo divulgou em suas páginas equívocos e distorções que tumultuaram e prejudicaram o trabalho que, felizmente, chegou a bom termo.

Governo e Sindicato construíram acordo sobre Projeto de Plano de Carreira que está hoje sendo apreciado pela Assembléia Legislativa do Estado e que contém indiscutíveis avanços para a educação pública do Paraná e para a profissão do Professor.

Em 18 de fevereiro após o envio da mensagem governamental à Assembléia Legislativa voltou o jornal Gazeta do Povo a veicular inverdades, atribuindo-as a anônimos supostos professores.

Diz a Gazeta do Povo: A Secretaria vai refazer parte do Plano Secretaria da Educação: A SEED não cogita refazer parte do Plano. Jamais foi consultada sobre o assunto pelo jornal. Diz a Gazeta do Povo: A Secretaria reconheceu que parte do Plano está confusa.

Secretaria da Educação: A SEED considera o projeto extremamente claro. Jamais foi consultada sobre este assunto pelo jornal. Diz a Gazeta do Povo: Auxílio-transporte somente a quem permanecer em sala de aula.

Secretaria da Educação: Todos os professores em exercício farão jus ao auxílio transporte (art.26 do Projeto de Lei). Diz a Gazeta do Povo: Auxílio-transporte não será concedido a quem tiver aula extraordinária.

Secretaria da Educação: O auxílio será proporcional ao número de horas da jornada de trabalho (art.26 do Projeto de Lei). Diz a Gazeta do Povo: O recesso de trinta dias poderá ser extinto pois dependerá da política do governo.

Secretaria da Educação: O recesso de trinta dias consta do Projeto de Lei (art.32 e parágrafo) e estará assegurado, portanto, por lei complementar. Diz a Gazeta do Povo: Com abono, aumento fica em 8%. Secretaria da Educação: Com o abono, o aumento médio foi de 33%. A maioria teve aumento superior a 33%. Sem o abono, ou seja, em relação à tabela de 1996, o aumento variou entre 58% e 102%. Diz a Gazeta do Povo: Retrocesso no Ensino Especial. Secretaria da Educação: Até outubro de 2003 um professor de ensino especial ganhava, com a gratificação de 50%, que não era levada para a aposentadoria, R$379,76. Em outubro de 2003 o Governo Estadual elevou este salário a R$664,18 (incluída a gratificação). Com o novo Plano os professores do ensino especial, pela primeira vez, serão incorporados à carreira através de concurso público, conquistando os mesmos direitos dos professores do ensino regular, e passarão a receber um salário inicial de R$793,98 (incluindo o auxílio-transporte), todo ele contado para fins de aposentadoria’.’

Os jornalistas da Gazeta sentiram o golpe. Enviaram um carta ao sindicato estadual de jornalistas, o Sindijor-PR, defendendo a reportagem publicada e acusando o governo de discriminar os profissionais do jornal. O sindicato também agiu rápido e divulgou uma nota de repúdio ao anúncio publicado pelo governo do Estado:

‘Sindijor repudia tratamento do governo do Estado à imprensa.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná repudia a forma como o governo do Estado vem tratando os jornalistas profissionais da Gazeta do Povo. A última investida – um anúncio provavelmente pago com verbas públicas, estampado em alguns jornais, sob o título ‘As sete mentiras da Gazeta do Povo sobre o Plano de Carreira dos Professores do Paraná’ – mostrou até onde pode ir a arrogância dos donos do poder no Estado. Taxativamente, o anúncio diz que são ‘mentiras’ informações publicadas na Gazeta. Os jornalistas não podem ser penalizados no exercício de suas funções, em razão de desentendimentos entre políticos e proprietários de empresas.

Numa postura antidemocrática e tendo visivelmente o confronto como meta, o governo não faz nenhum ‘esclarecimento’ sobre eventuais equívocos que o jornal possa ter cometido na cobertura, apenas trata de desrespeitar profissionais que, à margem de todo confronto entre os donos do veículo e as forças políticas ora no poder, tentam realizar o seu trabalho de forma profissional, íntegra e digna.

Igualmente, repudiamos o boicote promovido pela Secretaria de Comunicação Social do governo aos jornalistas da Gazeta do Povo. Profissionais da imprensa são impedidos de trabalhar porque, de forma discriminatória, lhes são sonegadas informações. O último caso foi a recusa de assessores em repassar informações sobre o Parque da Ciência. É simplesmente um acinte que uma instituição estatal, paga com recursos de todos os contribuintes, negue-se a prestar contas à sociedade, fechando-se ao trabalho da imprensa sob qualquer argumento.

Não bastasse o cerceamento de informações aos jornalistas da Gazeta do Povo, várias figuras do atual governo tratam os profissionais da imprensa de maneira truculenta e mal-educada. O tratamento respeitoso dos governantes com a imprensa é prova de amadurecimento da democracia. As atitudes de Requião, no entanto, têm mostrado que esta não é a regra no Paraná. É por este e por outros episódios lamentáveis que o Brasil tem um dos piores índices de liberdade de imprensa do mundo.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná vai continuar lutando para que não haja mais cerceamento ao elementar direito de acesso à informação e à liberdade de expressão e que todos os jornalistas, no estrito cumprimento de suas funções, sejam respeitados.

Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná’.’

A Gazeta também reagiu, por meio do colunista Fábio Campana, que publicou na sexta-feira, 20, um ataque enfático ao governo do Estado, intitulado ‘O Fato e a Versão’:

‘Ora, pois, em pronunciamento oficial esta Gazeta foi acusada de tratar o episódio do plano de cargos e salários dos professores sem considerar a ‘verdade’ dos fatos.

Mas que fatos? Naturalmente os da versão oficial. Como se não houvesse ou não devessem existir outros pontos de vista na sociedade. Neste caso, entre todos os que a competente reportagem da Gazeta considerou está o dos professores.

A imprensa, a rigor, só erra quando sonega informações. Esta Gazeta publicou a opinião oficial, a dos opositores, a dos mestres e assim por diante. Cumpriu o seu papel.

A idéia de que existe uma única verdade factual, anterior ao debate, à investigação e à controvérsia, e que essa verdade, sempre a do governo, é a única que merece ser publicada e considerada, é de fato uma idéia primária e primitiva, que só se pode impor a espíritos simplórios.

As versões e o fato. Na verdade, só a ignorância e o primarismo (às vezes até bem intencionados) podem confundir instâncias diversas, fases necessárias de um mesmo processo de conhecimento.

Não faz muito tempo, a imprensa esteve sob a censura do regime fardado. Era obrigada a publicar apenas a versão das notas oficiais, em todos os casos em que isso convinha às autoridades.

Melhor do que ninguém, os políticos e comunicadores hoje no poder sabem a que excessos, distorções e horrores levou esse monopólio da verdade oficial, imposto aos jornais. Foi sob a casamata da censura que prosperaram os monstros que ainda hoje a sociedade procura exorcizar.

Sabe-se que o inferno está pavimentado de boas intenções. Mas sabe-se também que nunca teremos um regime democrático digno desse nome enquanto os governantes não se dispuserem a respeitar as outras instituições permanentes, com suas características e suas prerrogativas próprias. Entre elas, a imprensa livre. Ainda que, muitas vezes, como o próprio governo, ela esteja longe de ser perfeita.’

A relação do governador Roberto Requião com a imprensa no passado autoriza a prever dias conturbados para os jornalistas paranaenses. É do estilo de Requião partir para o enfrentamento direto com a mídia, ao contrário de tantos políticos que procuram tolerar os erros e excessos da imprensa, até para poder, em outros momentos, contar com a compreensão e o apoio dos jornais, rádios e emissoras de televisão. Requião não é assim, muito pelo contrário. Trata-se de um político com histórico de comprar brigas. O primeiro embate entre o governador e a imprensa paranaense até demorou para ocorrer. Outros virão.