O jornalista e empreendedor brasileiro-suíço Stefan Hottinger-Behmer detectou uma oportunidade de negócio em meio a um mercado em plena transformação, o da mídia impressa. Convenceu investidores e agora comemora o primeiro ano da revista de moda L’Officiel na Suíça.
Num período em que o mercado editorial mundial enfrenta grandes e pesadas transformações, o jovem empreendedor brasileiro-suíço Stefan Hottinger-Behmer, de 38 anos, vê oportunidades de negócio. Há cerca de um ano, Hottinger-Behmer lançou, ao lado de outros três investidores, a versão suíça da tradicional revista francesa de moda e estilo L’Officiel. Resultado deste primeiro ano de publicação? “Conseguimos implementar tudo o que foi planejado em nosso business plan para este período”, afirma Hottinger-Behmer. “Todos os conglomerados de luxo estão anunciando com a gente. Colocamos no mercado um total de 30 revistas, sendo metade em língua alemã e a outra metade em língua francesa.” Sua meta agora é atingir o break-even, ou seja, cobrir o investimento já realizado e começar a ganhar dinheiro com negócio.
Hottinger-Behmer nasceu no Brasil. Seu bisavô por parte de pai, que trabalhava no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), deixou a Suíça para atuar como professor-fundador da Escola Politécnica, em São Paulo. Hottinger-Behmer cursou o ensino fundamental no Brasil, na Escola Suíço Brasileira de São Paulo. Depois de uma rápida passagem a Zurique, acabou se fixando em Londres, onde estudou marketing e jornalismo.
Depois de quase 10 anos trabalhando como jornalista para as principais revistas de moda do mundo, atuar em projetos de marketing e em comunicação corporativa, Hottinger-Behmer acabou se enveredando para a produção de revistas.
A seguir, ele fala sobre sua carreira, os projetos da L’Officiel para este segundo ano e sobre o mercado de revistas na Suíça.
“Transferi o negócio para a Suíça”
Como você começou a escrever?
Stefan Hottinger-Behmer – No início da internet o website UOL contava com algumas salas de bate papo. Nesses encontros virtuais com meus amigos no Brasil, comecei a contar como era a vida em Londres. Iniciei a escrever em inglês. E um desses amigos mandou esses textos para a revista Harper’s Bazaar na Inglaterra. Eles gostaram e me contrataram. Me pediram para fazer uma matéria sobre São Paulo. Eu fiz. Com isso, fui convidado para cobrir o São Paulo Fashion Week.
E como foi a experiência?
S.H-B. – Em um dos desfiles, ao meu lado, sentou-se uma senhora francesa. Começamos a conversar. Ela estava um pouco esbaforida, dizendo que não gostava da cidade. Respondi, em francês, que São Paulo poderia não ser uma cidade linda à primeira vista, mas é especial. Resolvi mostrar a cidade para essa senhora, ficamos três horas rodando de taxi pela cidade. Mostrei uma feira, o minhocão, a Escola Suíça, tudo. Essa senhora era, na verdade, a dona da revista L’Officiel. No dia seguinte, ela me convidou para escrever um especial sobre o Brasil de 32 páginas com perfis dos estilistas brasileiros. E era a época de Fause Haten, Alexandre Herchcovitch, de Renato Kherlakian, da Zoomp. E deu super certo.
Como surgiu a ideia de começar a empreender, ou seja, produzir uma revista de moda?
S.H-B. – Como jornalista freelancer, estava viajando muito, tendo que escrever várias vezes sobre o mesmo lugar ou tema e ainda não ganhando adequadamente, acabei então perdendo o estímulo. Recebi uma proposta para fazer os catálogos da galeria Gmurzynska, uma das cinco galerias mais importantes do mundo, que na época ficava em Colônia, na Alemanha. Durante esta experiência comecei a ter a ideia de fazer a Gatsby, uma revista de moda e estilo em inglês. Como a Alemanha é um país grande, com muitas revistas e editoras, os anunciantes não tinham budgets para revistas menores e muito menos publicações em inglês. Aí, pensei: na Suíça, esse budget existe. Transferi todo o negócio para Suíça.
Pedi demissão, voltei a ser freelancer, fiz algumas consultorias para o Brasil e produzi a Gatsby. Vendíamos em 35 países. Só que em 2007, 2008 a crise veio. Como nas revistas os budgets são planejados para o ano seguinte, pude constatar que as entradas previstas não seriam suficientes para manter a operação. E antes de me endividar, preferi parar com tudo.
“Os números ainda são baixos, mas vêm melhorando”
Qual foi a lição que aprendeu com esta experiência?
S.H-B. – Aprendi a confiar desconfiando. Aprendi também que aquele modelo de revista com grandes estruturas corporativas, prédios inteiros cheios, estava para morrer. Não eram mais sustentáveis. Eu fazia a Gatsby com três pessoas e um time de freelancers. Continuamos a ver hoje revistas reduzindo equipes, juntando times porque o fato é que a verba de anúncio atualmente não é suficiente para manter grandes estruturas. No aspecto pessoal, aprendi também a importância de ter reservas financeiras.
Por que trazer L’Officiel para a Suíça, um país que tem pouca tradição na produção de moda e estilo?
S.H-B. – Pelo mesmo motivo pelo qual trouxe a Gatsby. A Suíça é um mercado maduro, riquíssimo. Para se ter uma ideia, atualmente a Cartier conta com oito boutiques no país, a Hermès, 12 boutiques. A Prada vai abrir uma loja nova na Banhofstrasse, em Zurique. Tudo isso para um país tão pequeno. Estamos falando de um país que tem a feira de arte mais importante do mundo, uma das principais feiras de relógios, um dos festivais de jazz mais conhecidos no mundo, tem resorts de esqui importantes. Esse lugar é cosmopolita. Além disso, as marcas de luxo não são apenas para o russos que estão de passagem em St Moritz. Na Suíça há um mercado de consumidores ativos. Toda essa turma que está ganhando bônus recheados vai consumir esses produtos. Eles têm tudo aqui, mas falta referência. Não havia um título internacional no mercado. Percebi que havia um espaço para esse tipo de produto.
Qual a sua avaliação sobre esse primeiro ano de L’Officiel?
S.H-B. – Estou trabalhando neste projeto há três anos. Tive a ideia, depois comecei a fazer análise de mercado, escrevi uma proposta. O pessoal da L’Officiel me deu um primeiro retorno positivo. Segui e fiz um business plan. Busquei sócios. E, então, lançamos a revista. É claro que em comparação com as outras revistas que estão no mercado há 20 anos, os números ainda estão baixos, mas melhoram a cada edição.
“O futuro de uma revista de moda é muito claro”
Mas o mercado de revistas, em geral, está em declínio…
S.H-B. – Sim. Entendemos os movimentos deste mercado. Mas o mais importante para mim é que tudo o que colocamos no business plan foi implementado neste primeiro ano. No total, são 10 edições por ano, mais o especial Art, que sai em junho, mais dois suplementos masculinos e mais dois suplementos de viagem. Como publicamos em alemão e francês, produzidos 30 revistas por ano. E alcançamos esta meta. Além disso, todos os grandes conglomerados de luxo estão interessados em trabalhar com a gente.
Enquanto muitos estão incrédulos sobre o futuro das revistas, você e o jornalista e empreendedor Tyler Brûlé acreditam no potencial de um certo tipo de revista. Onde exatamente está esse potencial?
S.H-B. – No caso do Tyler, ele é um dos poucos que conseguiu fazer uma revista global, a Monocle. O mercado dele é o mundo. Além disso, ele tem programas de rádio e tudo mais. No início, tive conversas com oito investidores e dois deles acabaram investindo. Todos falavam que as publicações impressas estão mortas. Só que aqui na Suíça não é bem assim. Os suíços são, em geral, mais conservadores. São late adopters. Não adotam as tendências na mesma velocidade que Londres, Tóquio ou Nova Iorque. Foi essa vantagem competitiva que me ajudou a convencer os investidores de que, sim, existe um futuro para esse título. E, como a Suíça é um país que tende a adotar tendências mais tardiamente, temos mais tempo para criar o negócio e transferi-lo pouco a pouco para o mundo digital. E isso é muito raro no mundo.
E qual o futuro das revistas?
S.H-B. – O futuro de uma revista de moda, para mim, é muito claro: é você ver no iPad. Você olha um editorial de moda e se quiser é só clicar para ver o conteúdo adicional, com making-of, detalhes da produção etc. O mais importante é que se você gostar de uma peça, pode clicar imediatamente e acessar um parceiro comercial e comprar diretamente a peça naquele instante. Só que acredito que na Suíça isso ainda vai demorar mais a acontecer. Acredito que temos ainda uns 10 anos para chegar lá.
“Agora minha base é na Suíça”
E quando será lançada a versão digital da L’Officiel na Suíça?
S.H-B. – Em alguns meses, vamos lançar a revista digitalmente. Esse processo atrasou um pouco em função de todo o lançamento e suplementos previstos, e, é claro, por operarmos de uma forma extremamente enxuta. São oito pessoas com contratadas e um time de freelancers, além da redação em Paris, da qual fazem parte todas a edições internacionais. Além do que a versão digital sem cliques não traz resultados. Contamos agora com um especialista que deverá levar a empresa para a era digital.
E quais são as metas da revista para os próximos anos?
S.H-B. – Nosso maior objetivo é o break-even. O que tinha que acontecer em 2015 já aconteceu. Temos as reservas de anúncios para este ano. Os clientes continuam acreditando no produto, acreditam que é uma plataforma coerente e relevante para o mercado. E continuam a investir com a gente. Alguns volumes de anúncio até dobraram. Também queremos aperfeiçoar processos internos. Adaptar o produto às expectativas da casa-mãe, em Paris. A marca tem também que ficar mais conhecida na parte alemã da Suíça.
Você tem algum projeto para o Brasil?
S.H-B. – A L’Officiel já existe no Brasil. Gostaria muito de fazer algo no Brasil. Mas agora o mercado de mídia e revista está saturado. Todas as grandes editoras internacionais têm revistas no Brasil. Não tem nada que seria viável e comercialmente interessante.
Então você não pretende voltar tão cedo para o Brasil?
S.H-B. – Não para começar um negócio. Tenho uma vida aqui na Suíça. Não estou de passagem por aqui. Por outro lado, não acho que vou ficar aqui para sempre porque preciso de sol. Mas agora minha base é aqui.
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Dalen Jacomino, da Swissinfo.ch