Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Empreendimentos, lucro, money, dinheiro

No domingo (26/3), a Folha de S.Paulo comparou o esquema de venda de drogas nas favelas de Manguinhos, Vigário Geral e Complexo do Turano ao funcionamento de uma pizzaria. Os traficantes locais estariam realizando uma promoção: a cada 10 cigarros de maconha ou papelotes de cocaína, um 11º grátis. Esta espécie de vale-droga garantiria a fidelidade do cliente, faria o dinheiro girar mais rápido na boca e permitiria o pagamento em dia nos prazos estipulados pelos fornecedores.

No domingo (2/4), o Jornal do Brasil chegou às bancas e às portas com a manchete ‘As microempresas do tráfico’. A matéria falava sobre esquemas de terceirização promovidos por traficantes do Rio para compensar momentos de queda na venda de entorpecentes. A novidade envolveria aluguel de fuzis, formação de milícias para a prática de outros tipos de crime e informações privilegiadas de origem do chamado ‘asfalto’. Tudo respaldado por um integrante da ONG Instituto de Defesa Nacional: ‘Os fuzis são um bem de capital’.

Promoções, fidelidade do cliente, circulação de dinheiro, pagamentos em dia, aluguel, terceirizações. Abordar o tráfico de drogas segundo sua lógica econômica pode ser um bom ponto de partida para desmistificar certas idéias que transitam por todos os campos do pensamento político, desde o tratamento moral da questão da criminalidade – condensado nos extremos opostos dos ‘homens de bem’ e dos ‘bandidos’ – à noção não menos equivocada de que os traficantes representam uma resistência ideológica.

Uma empresa de mercado

A Folha, naquele mesmo domingo, publicou artigo do professor de História Marcelo Freixo que pareceu dar conta desses equívocos e preconceitos que permeiam o imaginário da classe média e pautam a cobertura criminal da imprensa, mostrando que existe um outro tipo de empreendimento: o da criminalização da pobreza e das políticas de segurança pública que operam exclusivamente sob a égide da repressão. Freixo começa o texto dizendo que ‘o tráfico é uma empresa capitalista das mais eficientes e completamente adaptada à realidade neoliberal que se instalou no Brasil na década de 90’.

Opiniões avulsas, porém, não desmentem os sentidos produzidos pelos noticiários; apenas respaldam a idéia de que as páginas dos jornais estão abertas a outras opiniões.

Um detalhado manual da redação não é suficiente para uma boa cobertura criminal. A socióloga venezuelana Rosa del Olmo adverte que o tratamento de um tema tão envolto em tabus é uma dificuldade que engloba informação, desinformação e até contra-informação. A compreensão da criminalidade urbana será insuficiente enquanto for encarada como origem única e exclusiva da insegurança da população, como se a insegurança generalizada não fosse a tônica do próprio modelo econômico respaldado pelos editoriais dos mesmos jornais – vide depredação das legislações trabalhistas e previdenciárias. Enquanto isso, boas pautas vão sendo desperdiçadas no afã do enquadramento maniqueísta, como o sensacional título escolhido pelo JB: ‘Empresários do terror’.

A lógica empresarial do tráfico poderia ter sido cotejada com a lógica predatória inerente ao próprio poder infinito do mercado. Mas a preferência foi pelo sentimento de escândalo diante do fato de que os princípios sagrados do livre comércio foram apropriados pelo varejo da venda de drogas nas favelas cariocas. Como ironizou o chefe da boca-de-fumo do Complexo do Turano, ‘o que muita gente não consegue ver é que isso aqui é uma empresa como outra qualquer, que busca lucro, ‘money’, dinheiro…’.

A condicional do ex-falcão

Sim, o morro também tem os seus empreendedores – ‘do mal’, claro. Enquanto isso, no Jardim Botânico, os empreendedores do asfalto continuam expandido seus monopólios. Willian Bonner fechou o Jornal Nacional da sexta-feira (31/3) festejando as mais novas afiliadas da Rede Globo, uma no Espírito Santo, outra no Maranhão. Com elas, a emissora passa a contar com 121 emissoras em todo país. Tudo dentro da lei, mas nunca é demais lembrar as palavras de Francis Ford Copolla, diretor da série de cinema O poderoso chefão: ‘Todo big business capitalista é uma espécie de máfia’.

‘Lucro, money, dinheiro…’. Nada mais justifica a presença de Serginho Fortalece pelo terceiro domingo consecutivo no Domingão do Faustão, como se a condicional o obrigasse a prestar contas de sua vida à Justiça e ao apresentador do programa de auditório, revelando à audiência a quantas anda seu destino oscilante entre a penitenciária e os empregos subalternos historicamente reservados à galera da periferia.

Subempregados ou informais à própria sorte. Nesse sentido, matéria desse último domingo na Folha, no mesmo espaço que uma semana antes serviu para denunciar o vale-droga, mostrou o ex-detento do Carandiru que ganha honestamente de 10 a 15 reais por dia vendendo água gelada nos sinais de trânsito, depois de 27 anos no xadrez.

Sorriam e respirem aliviados: ele não tem um contrato de palhaço assinado pelo Beto Carreiro, mas está recuperado.

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Jornalista