Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Enfim, algum tempero no mingau da campanha

Jornais dão sinal de vida, enfim, na cobertura da campanha eleitoral. A matéria da Folha de S.Paulo sobre quem financia quem na disputa da presidência da República (domingo, 20/8) foi um belo esforço para ultrapassar o rame-rame da atividade diária dos candidatos e das intriguinhas inter e intrapartidárias. No mesmo dia, o Estado de S.Paulo pôs algum recheio no debate, com o resumo de um estudo sobre a destinação das verbas ‘sociais’ em todos os níveis de governo.

Na reportagem sobre o financiamento, a Folha tentou mostrar as tendências de vários setores e indicar as motivações das escolhas eleitorais. O resultado não foi um mapeamento ‘científico’, nem poderia ser, nesta altura, mas a matéria contribuiu para mostrar o peso eleitoral de alguns temas econômicos, como as políticas agrícola e cambial.

O material do Estadão sobre os gastos ‘sociais’ tocou numa questão essencial para o julgamento das políticas em vigor e para as decisões do próximo governo: a diferença entre a ação assistencial e os gastos ‘estruturantes’, com potencial para aumentar a capacidade produtiva dos beneficiários.

Um ponto importante realçado no texto foi a comparação da estrutura dos gastos ‘sociais’ brasileiros com a de outros países, como o Uruguai, a Argentina e o Chile. Teria valido a pena fazer um contraponto com os dados e conclusões de um trabalho divulgado pouco antes pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os autores desse estudo [leia aqui, em arquivo PDF] tentaram estimar a redução da desigualdade causada por transferências diretas de renda, como as do programa Bolsa Família.

Tema central

Mas a maior parte da cobertura apresentada pelos jornais tem sido tão chocha quanto a campanha – e quase sempre passiva. No dia-a-dia, a imprensa tem feito pouco mais do que acompanhar as viagens, encontros, manifestações e manobras dos candidatos.

O tempero tem dependido principalmente da atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio de Mello. Ele tem procurado mobilizar os eleitores para a depuração dos quadros políticos no momento da eleição. Se tiver êxito, será preciso correr menos para o trabalho corretivo depois de contados os votos.

Mas os jornais avançaram pouco, até agora, na apresentação dos planos econômicos e administrativos dos candidatos e partidos. As idéias têm aparecido em conta-gotas, coletadas em declarações públicas e entrevistas ocasionais, mas sem maior esforço de organização. Tem-se dado mais ênfase às promessas (derrubar os juros, dar prioridade a educação e saúde, criar empregos etc.) do que às estratégias de execução. O eleitor capaz de pensar criticamente continua sem receber a matéria-prima para seu julgamento.

De resto, a cobertura econômica tem sido marcada, nas últimas semanas, por muita reação e pouquíssima ação. O Valor chacoalhou a discussão da política agrícola, divulgando um relatório devastador do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a vigilância sanitária. O Estadão voltou a Mato Grosso do Sul e mostrou o abandono quase total da fronteira com o Paraguai, dez meses depois da descoberta de focos de aftosa.

Trabalhos como esse, de retomada de casos importantes, são raros na imprensa brasileira. Os leitores lucrariam se os jornais seguissem, nesse ponto, o exemplo da Rádio Bandeirantes, de São Paulo. Com a vinheta ‘a Bandeirantes não esquece’, a emissora confere, de tempos em tempos, a evolução de histórias interessantes e em geral abandonadas pelos meios de comunicação depois do barulho inicial.

No mais, a cobertura tem seguido um ritmo lento, sem grande esforço para juntar as pontas do noticiário e para chegar às questões mais quentes. Os jornais demoraram para ir ao ponto politicamente mais importante da briga do ministro das Comunicações, Hélio Costa, com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Mas era evidente, desde o início, a ameaça à autonomia da agência. Isso não é um detalhe menor. O status das agências é um ponto de enorme importância para a política de investimentos em infra-estrutura e tem sido um dos aspectos mais polêmicos do governo petista. Só no último fim de semana o Estado de S.Paulo e a Folha fizeram desse ponto o tema central de reportagens, embora tenham mencionado a ameaça de intervenção em matérias anteriores.

Pano de fundo

O mesmo padrão reativo tem dominado a cobertura dos pacotes em gestação no governo. Tem havido um enorme blablablá sobre redução de juros, benefícios fiscais para indústrias do setor eletrônico e facilidades de crédito para habitação. Os jornais têm mostrado, em episódios, os desencontros de autoridades federais.

A cobertura ganhou maior interesse com a intervenção do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, sobre política tributária. Não haveria desoneração para setores industriais, disse ele, nem que o governo arriasse as calças. O leitor mais cuidadoso deve ter-se sentido no meio de uma enorme bagunça, num país sem liderança na política econômica.

Envolveram-se nos vários episódios o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, o do Planejamento, Paulo Bernardo (com nova declaração sobre as calças do governo), o das Comunicações, Hélio Costa, o da Fazenda, Guido Mantega, e gente da Receita Federal. Ainda se poderia acrescentar, nos bastidores, a figura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, empenhada na discussão sobre o pacote para o setor eletrônico.

Os jornais têm noticiado o falatório sobre cada um dos pacotes, mas não têm dado atenção ao pano de fundo de todas essas histórias – o funcionamento do próprio governo, a definição da pauta do Executivo e o mecanismo das decisões. Bem feita, essa reportagem poderia proporcionar algum divertimento no meio da chatice rotineira do noticiário econômico.

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Jornalista