O Diário do Pará de domingo (18/10) abriu manchete para comemorar ter superado a marca de um milhão de leitores no estado, que lhe garantiram ‘três anos de liderança ininterrupta’ no mercado de impressos no Pará. É, de fato, uma façanha: nesse período, O Liberal, que se manteve por quase três décadas como líder disparado, quase monopolista, chegando a ter a preferência de 98% das pessoas que liam jornal, caiu para o segundo lugar, a certa distância do novo campeão. No entanto, a folha do deputado federal Jader Barbalho não contou toda verdade.
Poderia fazê-lo se, finalmente, divulgasse os dados sobre a sua tiragem apurados pelo Instituto Verificador de Circulação. Há mais de dois anos o IVC faz a auditagem dos números do jornal, mas até hoje o Diário não publicou um único dos boletins que recebeu do instituto. É um comportamento estranho. Outra façanha da empresa foi ter ocupado o lugar que foi de O Liberal durante vários anos: de o único jornal da Amazônia a contar com o selo do IVC, a mais respeitada fonte sobre a vendagem de jornais no Brasil, que serve de parâmetro para o mercado.
O Liberal sempre divulgou os resultados da verificação do IVC, exceto os últimos boletins. Não só cessou a fanfarra em torno da sua liderança comprovada: fugiu pelas portas dos fundos do instituto, num acontecimento único na história de meio século do IVC. Na véspera da chegada dos auditores a Belém, o jornal da família Maiorana se desfiliou. Foi a saída desesperada e desonrosa para não ser novamente flagrado na fraude. Os técnicos do IVC constataram que as informações prestadas pelo editor do jornal, sob juramento, eram aumentadas artificialmente em até 150%. O que O Liberal proclamava em sua propaganda, que chegou a colocar a tiragem do jornal acima de 100 mil exemplares, era pura mentira.
Menos leitores
Saiu O Liberal, entrou o Diário do Pará. Não mais como o único jornal da Amazônia que se submetia à apuração rigorosa do IVC (outras publicações já haviam se tornado clientes na região), mas o único do Pará. No entanto, guarda a sete chaves os boletins, sem fazer uso de seus dados, que lhe custam bastante dinheiro, porque o serviço do IVC não é exatamente barato, em função da qualidade do serviço prestado. A festa de ‘um milhão de leitores’ se baseou em pesquisa do Ibope, que não tem a mesma credencial nem é específica para a apuração de tiragem de jornal. Destina-se a medir índices de leitura, um indicador descalibrado para a natureza da situação.
A tiragem do Diário do Pará, constatada pelo IVC em agosto deste ano, data da sua última auditagem, é de pouco mais de 26 mil exemplares (26.318, para ser exato). Logo, não pode gerar um milhão de leitores, o que daria quase 50 leitores por exemplar, média impossível. A realidade deve ser 10 vezes menor. O dado certo, de qualquer maneira, é o de 26 mil exemplares. De onde vem, então, o milhão apregoado? Da leitura acumulada ‘de todos os dias da semana’, como informa a matéria do jornal, muito rapidamente, inibindo raciocínio mais aprofundado sobre o que diz. Ou seja: total acumulado durante toda a semana.
Informa, em maiores detalhes, sobre ‘a liderança aos domingos, com uma penetração no mercado de leitores habituais, que chega a quase 370 mil leitores, 20 mil leitores a mais que o segundo colocado’, O Liberal. É outro feito: até pouco tempo atrás a folha dos Maiorana perdia nos dias da semana, mas mantinha a liderança dominical. Agora, não ganha mais uma só disputa.
O Diário do Pará não precisava recorrer a sofismas e manipulações para anunciar suas conquistas, que são de impressionar. Outra delas foi nos anúncios classificados, um dos esteios tanto do faturamento comercial quanto da circulação. O caderno ‘Tem!’, lançado há seis anos, se tornou ‘o mais lido do Estado, ultrapassando com larga margem o concorrente mais próximo, com mais de seis décadas no mercado’. O caderno do Diário ‘possui cerca de 390 mil leitores, com mais de 70 mil leitores que o concorrente mais próximo’.
Este é um dado importante porque O Liberal parecia imbatível nesse segmento da publicidade. Tentativas anteriores de competir com ele resultaram em fracasso. Mas a vitória do Diário ainda não é completa: o concorrente sai com mais páginas na maioria dos dias da semana e com maior faturamento. O Diário conquistou o anúncio de menor valor, enquanto o anunciante dos classificados de O Liberal é de maior poder aquisitivo.
Por que o Diário não pratica uma comunicação aberta e sincera? Por que sonega as melhores informações que possui? Para não ter que partilhar com a opinião pública o drama vivido pela imprensa paraense. Apesar de todas as evidências superficiais de sucesso, ela vem caindo no ranking do jornalismo nacional. Em junho de 2008 o Diário era o 39º jornal de maior circulação do Brasil. Agora, é o 41º, embora sua circulação se tenha mantido estável, contra a tendência geral de queda, sobretudo dos líderes. A vendagem dos jornais brasileiros caiu para abaixo de 300 mil exemplares. A Folha de S.Paulo já só conta com 295 mil exemplares, contra 288 mil do concorrente mais próximo, que agora é o Super Notícia, de Belo Horizonte. Vêm, a seguir, Extra e O Globo, de Belo Horizonte, e O Estado de S.Paulo, o que mais leitores perdeu na cúpula da imprensa brasileira (menos 14%).
Peça de galhofa
O jornal de maior circulação na Amazônia já não é mais do Pará. Tornou-se o novato Dez Minutos, de Manaus, o 20º do país, com 54 mil exemplares, na tendência das publicações rápidas, bem ilustradas, fáceis de ler, que também deu certo em São Luís do Maranhão, onde O Estado do Maranhão, dos Sarney, foi desbancado feio pelo Aqui Maranhão, o 33º mais lido do Brasil, com 37 mil exemplares. Pela primeira vez um jornal gonçalvino passa à frente do líder paraense, com 11 mil exemplares a mais do que o Diário.
O projeto dos Maiorana de seguir essa tendência, através do Amazônia, até agora não deu certo. Não porque o esquema tenha se mostrado inadequado ao mercado paraense, mas por erro de concepção: o filho mais novo da família acabou tirando mais leitores do irmão mais velho do que do adversário, por pura incompetência na sua concepção. Essa concorrência ruinosa contribuiu para que o principal executivo do grupo, Romulo Maiorana Júnior, tenha descumprido a promessa de devolver O Liberal à clientela do IVC em janeiro deste ano. Passados nove meses, período de um parto humano, o jornal continua sem estar preparado para se revelar ao público. Sua tiragem é uma pálida reminiscência de um passado de glórias, reais ou inventadas.
Mas como, então, os jornais paraenses projetam a imagem de riqueza? Porque, cada vez mais, vivem de um pequeno número de grandes anunciantes, com ênfase perigosa nos governos. Essa dependência corrói sua independência e a capacidade de espelharem o dia a dia dos seus leitores. Eles se impressionam muito mais com o que não sai nas folhas do que com o que elas publicam. A credibilidade, tão enfatizada na propaganda, é peça de galhofa na realidade. Sem ela, um jornal pode estar com bela maquilagem e penduricalhos luminosos, mas não se afirma como a fonte de informações e orientações sobre o cotidiano dos cidadãos, como deve ser.
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Jader, o grande
O aniversário dos 65 anos do deputado federal Jader Fontenele Barbalho, no dia 27, teve uma forma nova de comemoração. Nesse dia, seu jornal, o Diário do Pará, encartou um caderno de quatro páginas para apregoar a condição de ‘maior líder político do Pará’ do dono. Como a ânfase das fotos e textos era na ação executiva do homenageado, o leitor podia achar que a publicação atestava o que corre na central de boatos: Jader será novamente candidato ao governo. Estaria disposto a enfrentar todos os riscos dessa decisão em função do que ela representa: tornar-se o primeiro político paraense a conquistar três vezes o governo através de eleição direta. Almir Gabriel tentou esse troféu, mas não conseguiu. Jader conseguiria?
Pelos critérios objetivos de hoje, é quase impossível. Mas em dia de aniversário, cabe sonhar. Ou fantasiar.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)