Assim como é dispensável a vírgula pedante no nome do caderno dominical criado para ser uma espécie de revista da semana do Estado – ‘Aliás,’ – vai-se tornando indispensável ler as entrevistas que nele ocupam 10 das 12 colunas das duas páginas centrais.
A primeira a causar impacto foi com Clarice Herzog, a viúva do jornalista morto, na edição de 24/10/04, de autoria de Laura Greenhalg, já mencionada neste espaço.
Nas últimas duas semanas, Laura repetiu e tornou a repetir a dose. Primeiro, ao entrevistar (em dupla com Mônica Manir) a bióloga Mayana Zatz, a notável batalhadora pela liberação, no Brasil, de pesquisas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. Depois, na entrevista com o cardeal emérito dom Paulo Evaristo Arns, que só pelo título já vale a missa: ‘O papa é um homem de coração dividido’.
É uma proeza jornalística entrevistar quem foge da imprensa como o diabo da cruz. Nesse caso, a própria obtenção da entrevista pode valer mais do que nela foi perguntado e respondido.
Outra proeza, vai ver ainda maior, é entrevistar quem a imprensa já entrevistou inumeráveis vezes – e tirar dele ou dela informações, opiniões e confissões não apenas inéditas, mas densas e perturbadoras.
Esse é o caso das três entrevistas citadas.
Falta sair no mesmo espaço alguma entrevista do mesmo nível que trate com mais contundência o entrevistado, principalmente se a sua folha corrida o fizer merecedor disso. Algo na linha do que fazia a implacável Oriana Fallacci, nos anos 60 e 70.
Isso, se for falsa a versão de que, na hora de escrever, ela mudava – não as respostas – mas as perguntas, tornando-as mais agressivas. O boato é plausível por causa da estranha mansidão dos entrevistados diante de perguntas que, se foram aquelas mesmas, beiravam o insulto.
(Outra referência, já que se está falando de entrevistadoras, é Christiane Amanpour, da CNN. O picadinho que ela fez ao vivo do então primeiro-ministro israelense Ehud Barak, em 2000, é inesquecível.)
Repercussão sem menção
Aliás, não é só a entrevista do miolo que se destaca no caderno do Estadão. Tem valido a pena conferir a matéria da última das suas oito páginas (depois de passar batido pelas variadas trivialidades, à la Veja, das páginas 2 e 7).
No último domingo de janeiro, Mariana Kalil – de quem este leitor admite, constrangido, não se lembrar de ter visto o nome antes – assinou de Barcelona uma reportagem sobre o que FHC chamaria ‘o amargo caviar do exílio’ de Ronaldinho (‘Como é duro ser Ronaldios…’) que faria bonito em qualquer New York Times deste mundo.
E no domingo passado, o veterano Carlos Marchi assinou ‘200 anos de nação zumbi’, sobre o carnaval do Recife, que é um desfile glorioso de jornalismo, história e literatura.
P.S. A propósito de última página, ninguém perderá o seu tempo lendo a última do primeiro caderno do Valor. Tem sido freqüentemente a peça de resistência do jornal econômico. No dia 10/2, por exemplo, saiu ali em primeira mão o texto dado como definitivo da reforma sindical do governo Lula (acompanhado de uma suculenta entrevista com o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini). No dia seguinte, toda a imprensa ‘repercutiu’ o assunto – sem mencionar, como gente grande deveria fazer, a primazia do concorrente.
[Texto fechado às 16h07 de 14/2]