A surpreendente derrubada dos índices de audiência dos telejornais norte-americanos depois da derrota do ultraconservador Donald Trump nas eleições americanas do ano passado revelou uma espécie de ressaca informativa que está sendo interpretada como sintoma de um divórcio entre o público e a imprensa sobre o noticiário político.
O colunista Ben Smith, do jornal The New York Times chegou a anunciar bombasticamente que os canais de notícias na TV paga norte-americana como CNN, Fox e MSNBC “entraram em fase terminal”, depois de perderem entre 10% (caso da Fox) a 51% (CNN) da audiência nos noticiários políticos. Nos jornais impressos, há informações de que houve um declínio de aproximadamente 22% nas vendas e no acesso às versões online.
O fato levou Alice Hutton, analista política do jornal britânico The Guardian, a afirmar que “a derrota de Trump desorientou a imprensa norte-americana ao colocá-la diante da escolha entre continuar apostando na linha do espetáculo político/eleitoral ou voltar ao tradicional discurso do compromisso com a objetividade jornalística”. O extremismo político/ideológico de Trump aparentemente afetou a imprensa muito mais do que ela própria imaginava.
Segundo o respeitado Nieman Lab, citado num texto de Plinio Góes Filho, na Folha de S.Paulo, enquanto a maioria das redações jornalísticas acreditam estar ajudando o público a tomar decisões por meio de notícias sérias, os leitores, ouvintes e telespectadores parecem estar mais interessados no bate-boca entre políticos. As audiências estariam preferindo o espetáculo à reflexão.
Outros pesquisadores como Mike Ananny, da Universidade da Califórnia, afirmam que o populismo ultraconservador de Trump (e também o de Bolsonaro aqui no Brasil), desestabilizou as estratégias de cobertura política da grande imprensa que se mostrou despreparada para enfrentar a frenética sucessão de factoides, fatos de veracidade duvidosa lançados para a opinião pública com o objetivo de gerar dúvidas e insegurança. Mike acha que Trump conseguiu manter a imprensa refém de suas postagens pelo Twitter.
A metralhadora de factoides
A produção de factoides passou a ser uma estratégia de comunicação dos extremistas de direita com o objetivo de ocupar a agenda de notícias da mídia e condicionar a formação de opiniões a partir do fato de que a maioria das pessoas só tem tempo para ler manchetes de jornais, telejornais e postagens na internet. Esta é a razão pela qual Trump, no seu tempo, e Bolsonaro, agora, transformaram as redes sociais em verdadeiras metralhadoras de factoides.
Para justificar a falta de lógica, veracidade e relevância da maioria dos factoides, Trump lançou a teoria dos “fatos alternativos”, cujo principal objetivo é dar uma aparência de coerência à profusão de dados, ideias e fatos jogados nas redes sociais. A teoria não tem base cientifica, embora possa ser associada longinquamente à ideia da diversidade de percepções da realidade (a famosa imagem do copo meio cheio ou meio vazio), mas foi usada para confundir os adversários do agora ex-presidente norte-americano.
A reação da imprensa liberal liderada pela rede CNN e pelos jornais The New York Times e The Washington Post foi apostar na checagem de fatos e dados com o objetivo de denunciar mentiras disseminadas por Donald Trump. A batalha midiática em torno da credibilidade dos “fatos alternativos” deixou evidente dois tipos diferentes de reação pública. Para os adeptos de Trump, não há mentiras e sim uma visão diferente garantida pela liberdade de expressão, enquanto a imprensa liberal, tanto nos EUA como aqui, enfrenta dificuldades para conferir a autenticidade da frenética produção de factoides ultradireitistas.
Emoção X Reflexão
Quem melhor interpretou esta situação foi o professor Daniel Kreiss, da Universidade da Carolina do Norte, autor do capítulo The Media Are About Identity, not Information (As Mídias Tratam de Identidades e não de Informação), no livro Trump and the Media (*). A tese de Kreiss parece ilógica, mas quando interpretada a partir de realidades políticas como a norte-americana e a brasileira ela mostra que a ultradireita usa informações (em sua maioria falsas) para identificar-se com as emoções das pessoas, enquanto a grande imprensa tenta convencer seu público da veracidade de suas notícias. É mais fácil lidar com emoções como a idealização de uma volta à segurança do passado, do que propor alternativas complexas e incertas, explica o professor norte-americano.
Aqui no Brasil, os absurdos disseminados pelo clã Bolsonaro são aceitos como propostas sérias pelos segmentos sociais contaminados pelo antipetismo e pela ideia de que o presidente combate a corrupção. Mas a imagem de líder honesto já foi severamente abalada e a estratégia bolsonarista se resume, agora, a manipular dois fantasmas políticos, o de um golpe militar e o da volta de Lula ao poder.
Os fatos parecem indicar que, tanto nos Estados Unidos como aqui no Brasil, a grande imprensa terá que rever suas estratégias de cobertura política, diante de uma fadiga da opinião pública em relação à batalha midiática entre ultradireitistas e liberais. A atenção despertada pela agressividade de políticos como Trump e Bolsonaro já não é mais a mesma nas medições de audiências. Com isto, os conglomerados jornalísticos terão que encontrar novas estratégias para lidar com a ressaca informativa de leitores, ouvintes e telespectadores.
(*) O livro Trump and the Media, reúne contribuições de vários pesquisadores, editados por Pablo J. Boczkowski e Zizi Papacharissi.
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Carlos Castilho é Jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.