Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Escândalo estilhaça império Murdoch

Em toda a sua história, a News Corporation, empresa global controlada por Rupert Murdoch, agiu segundo suas próprias regras, sem se ater às consequências. Isso acabou na semana passada. Murdoch, há muito tempo uma presença espectral que fazia o seu jogo num tabuleiro de xadrez por ele criado, chegou cabisbaixo para depor perante uma comissão do Parlamento composta de pessoas com as quais ele não deveria estar preocupado três semanas atrás. No seu depoimento, ele se comportou como o suplicante numa ação, vacilante, e interrompeu seu filho James nos momentos iniciais da audiência, não para corrigi-lo, mas para dizer aos membros da comissão o quão desolado estava.

Desolado pelo fato de um dos seus tabloides ter interceptado o correio de voz de uma menina de 13 anos assassinada. Porque o escândalo ameaça descarrilhar seus planos de sucessão. E também por se ver, repentinamente, humilhado publicamente. Estaria se sentindo infeliz pelo fato de ele e seus funcionários terem criado uma cultura e uma empresa onde tudo isso parecia um simples jogo? Provavelmente não.

Sua família e o conselho de administração da sua companhia também lamentam, mas isso provavelmente não significará muito. Murdoch tem um instinto protetor quando se trata da sua família e ele se empenhou muito para fazer dos filhos elementos fundamentais para a estrutura de sucesso da News Corporation. Mas o que seus filhos e filhas logo descobriram é que, quando é obrigado a escolher entre a família e a empresa que criou, sua opção é a News Corporation.

A preocupação é se você for pego

James Murdoch está acabado. Ele e o pai sabem disso. Seu depoimento piorou ainda mais a situação e dois dias depois um casal de ex-executivos da News Corporation contestou publicamente suas declarações. Ele está numa situação difícil, como o premiê David Cameron deixou claro quando disse que James ainda tem “algumas perguntas para responder”. Assim, aos poucos, ele vai se afundando mais na sujeira que ele próprio supervisionou.

Curiosamente, as ações da News Corporation começaram a subir durante as audiências em que Rupert Murdoch depôs. Mas a valorização teve a ver menos com seu desempenho e mais com a clara mensagem que foi transmitida: uma era chegou ao fim. O empreendimento da família está se desfazendo. Se James sair da empresa, como parece que será o caso, os outros filhos de Rupert, Elizabeth e Lachland, entrarão em cena? Muitas pessoas acham que o charme de uma empresa de mídia global sendo administrada como uma confeitaria da esquina vai continuar.

Embora o reino familiar esteja fadado a se fragmentar, a sorte da News Corporation é menos previsível. Um relatório elaborado pelo analista Michael Nathanson, da Nomura Capital Investments, captou o momento com exatidão: o mercado não se preocupa se você fez alguma coisa errada; a preocupação é se você for pego. “Embora a decepção com as atitudes de um jornal especializado em escândalos permaneça, e a frustração com o fato de que, talvez, o ativo menos valioso do portfólio da News Corporation pode provocar uma grande destruição do patrimônio”, escreveu Nathanson, acrescentando que “continuamos a acreditar que a relação risco/recompensa para os investidores da News Corporation continua positiva”.

Um espaço de manobra

Questionado posteriormente, Nathanson sugeriu que a empresa de Rupert está sendo obrigada a atuar de maneira correta, depois de fazer muita coisa errada. O fato de a empresa tomar medidas rápidas para recompra das suas ações – aprovando a utilização de US$ 5 bilhões do enorme volume de dinheiro que a empresa tem à mão – acalmou os mercados, mesmo que as águas nas quais a companhia está navegando continuem turbulentas.

“A perda do acordo de compra da BSkyB foi importante e nada bom para a News Corporation, mas no longo prazo acho que isso obrigará a companhia a fazer um exame rigoroso sobre onde está aplicando o capital”, disse Nathanson, referindo-se ao abandono da proposta de aquisição da British Sky Broadcasting, a mais lucrativa rede de TV por satélite da Grã-Bretanha.

Historicamente, Murdoch usou suas empresas ligadas ao setor de radiodifusão e comunicação digital com objetivo de lucro e os ativos mais quotidianos – como jornais, influência da família e poder público – para criar um espaço de manobra para o restante da organização. Foi bom enquanto durou.

“Sou a pessoa indicada para fazer a limpeza”

O escândalo dos grampos mudou essa dinâmica. Repentinamente, o fascínio que Murdoch exercia sobre os jornais parece ter se tornado uma atitude irrefletida. O relacionamento tão valorizado da News Corporation com o primeiro-ministro e a Scotland Yard acabou se tornando um problema, com todas as facilidades decorrentes disso sujeitas a uma inspeção. Isso mostra a dimensão do drama e da companhia que pode talvez deixar o governo numa situação crítica.

Talvez o mais importante seja o fato de que Rupert Murdoch perdeu sua capacidade de punir, o que tem sido a sua alavanca de poder há tantos anos. As pessoas vêm sugerindo o que há muito tempo já passava pela sua cabeça, ou seja, que um só homem controlando tanto as conversas não pode ser nada bom para ninguém, exceto para ele. Sua estrutura de apoio também ficou bastante danificada. Para abrir espaço para os filhos, ele demitiu Peter Chernin, ex-diretor executivo, e Gary Ginsberg, seu diretor de comunicações. Lachlan Murdoch voou da Austrália para auxiliar o pai, mas não escolheu este momento para falar em nome do pai.

Elizabeth pode acabar administrando as operações menos importantes, mas por que ela decidiria assumir o comando quando o incêndio ainda não foi controlado? A melhor situação é a de Chase Carey, vice-presidente da organização, presidente e diretor de operações – mantido numa redoma de cristal durante o escândalo – que deve ficar na direção até as coisas se acalmarem. “O Conselho de Administração já declarou e continuará afirmando que Rupert deve se afastar como CEO e atuar como presidente, enquanto Chase Carey assumirá como diretor executivo, mas Rupert nunca aceitará isso”, disse uma pessoa próxima de Murdoch e dos membros do Conselho.

Em seu depoimento, Murdoch foi franco quanto ao seu objetivo no momento, além de fazer um bem treinado – talvez sincero – pedido de desculpas pelos erros dos seus subordinados. Ele negou a responsabilidade por toda confusão armada, sugerindo que foi traído pelas pessoas que trabalhavam para ele e estava tão ultrajado como cada um de nós. Quando pressionado, sugeriu que o homem por trás disso era a pessoa que facilitou a ocorrência de tudo o que sucedeu, em primeiro lugar. “Francamente, acho que sou a pessoa indicada para fazer a limpeza.”

Um ser profundamente mortal

Muita gente pode não concordar com isso. Os membros do Conselho da News Corporation observam sua queda livre como uma fatalidade. Eles não podem ser acusados por achar difícil abraçar o conceito de uma News Corporation sem Rupert Murdoch. Mas agora as leis dos homens, e não um problema urgente de saúde de Murdoch, é que levantaram outras questões.

Como Murdoch, o líder máximo em acordos, foi vencido por John Malone, seu antigo sócio na DirectTV? Na verdade, o resultado da negociação com a DirectTV foi que ele aumentou o controle da família sobre as empresas do seu império, mas até que ponto isso foi bom para os acionistas? Murdoch foi elogiado como um visionário quando adquiriu o MySpace – até por mim. Mas esse negócio acabou não se revelando tão bom. Ele foi elogiado por assumir o controle do Wall Street Journal, mas a que preço? Pagando US$ 5,6 bilhões, ele parecia menos um empresário à caça de um ativo e mais um consumidor compulsivo que não resiste a qualquer quinquilharia na vitrina. E sua decisão de adquirir a Shine, empresa da filha, teve ares de nepotismo e nada mais. Podia ter algum sentido se ela fosse administrar a companhia, mas e em termos econômicos? Não muito.

Rupert Murdoch, de repente, é um ser profundamente mortal. E as questões que proponho neste artigo serão levantadas por outros também. Não é somente James que está acabado. O Rupert Murdoch como conhecemos há tanto tempo também está morto.

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[David Carr é colunista do International Herald Tribune]