O jogo acabou para Rupert Murdoch. O presidente da News Corp. dominou o setor de mídia do Reino Unido por uma geração. Primeiros-ministros o temiam e adulavam. Ele levou a melhor sobre as autoridades reguladoras e sobrepujou concorrentes. Agora, de repente, tudo está se desmanchando. O magnata da mídia perdeu o toque. Essas coisas acontecem.
A News International, companhia de Murdoch sediada em Londres, está sob investigação criminal por supostos grampos telefônicos e pagamentos ilegais a policiais. A Scotland Yard está com 50 agentes no caso. Executivos estão sendo acusados de atrapalhar o curso da justiça. As alegações sobre as atividades do tabloide News of the World provocaram uma onda de repulsa pública. Com os anunciantes ameaçando um boicote e o primeiro-ministro britânico apoiando os pedidos de um inquérito público, a companhia anunciou o fechamento do jornal dominical de maior vendagem no Reino Unido, fundado há 168 anos. Ele provavelmente ressurgirá como The Sunday Sun.
Mesmo assim, em meio a um turbilhão de conferências e coquetéis nos Estados Unidos, o presidente da News Corp. inexplicavelmente demonstrou confiança pessoal em Rebekah Brooks, a executiva-chefe da News International que está no epicentro da controvérsia. Ele mencionou algumas poucas palavras anódinas sobre comportamentos “deploráveis e inaceitáveis”. Houve uma época em que o empresário que construiu a News Corp. teria contido uma crise dessas já no começo.
Desprezível, odioso e repugnante
A ironia é que esta deveria ter sido uma boa semana para Murdoch. O governo de David Cameron vinha se preparando para sinalizar a aprovação de um negócio de mais de 8 bilhões de libras, por meio do qual a News Corp. assumiria o controle da British Sky Broadcasting (BSkyB). O negócio vem sendo perseguido como a maior conquista do homem que foi pioneiro na televisão por satélite; tudo estaria no lugar para a eventual transferência dos negócios para seu filho, James.
Em vez disso, se Murdoch sênior tivesse sintonizado seu próprio canal Sky News, ele teria visto políticos de todos os partidos exalando seu ódio na Câmara dos Comuns contra as supostas atividades ilegais de seu império midiático. Já se sabia há algum tempo que o News of the World grampeou o correio de voz de celebridades, políticos e membros da realeza britânica. No entanto, a nova avalanche de revelações foi de uma ordem totalmente diferente.
As alegações de que as bisbilhotices do jornal se estenderam à escuta ilegal do telefone de uma garota assassinada e interceptações rotineiras de mensagens pessoais de famílias de vítimas de assassinatos e atentados terroristas, chocaram a nação. Parece que investigadores particulares a trabalho do jornal também grampearam mensagens de voz de famílias enlutadas de soldados mortos no Iraque e no Afeganistão. Desprezível, odioso e repugnante são os adjetivos que vêm à mente mais facilmente.
Demonstrações de raiva e indignação
A News International também admitiu que pagou grandes somas de dinheiro a policiais em troca de informações. Esses pagamentos são ilegais. Falando sob o privilégio da imunidade parlamentar, membros do Parlamento acusaram executivos de mentir para acobertar atividades criminosas. Tom Watson, um ex-ministro do Trabalho, acusou James Murdoch e Rebekah Brooks de obstruir o curso da Justiça. Ver esses políticos “atirando pedras” é constatar que o encanto da News Corp. foi quebrado. Sempre houve algo ligeiramente histérico na acusação de que a política britânica era uma refém impotente do império Murdoch. Ele nunca foi tão poderoso quanto seus inimigos imaginavam. Com tudo isso, é instrutivo acompanhar o medo de uma retaliação se exaurindo; e, com ele, o poder de Murdoch.
Cameron parece, na melhor das hipóteses, claramente desconfortável. Assim como seus antecessores, o primeiro-ministro adulava assiduamente Murdoch. Andy Coulson, que pediu demissão do cargo de editor do News of the World durante um estágio anterior do escândalo, era até recentemente diretor de comunicações de Downing Street, a rua onde fica a sede do governo britânico. O erro de julgamento da parte de Cameron misturou-se a uma amizade com Rebekah Brooks. Ele vem se habituando a fazer coisas erradas.
Esta semana, o primeiro-ministro não teve opção a não ser aceitar um pedido do líder trabalhista Ed Miliband para a abertura de um inquérito público sobre o escândalo. O que se discute agora no número 10 da Downing Street é a necessidade de se estabelecer uma distância visível entre o primeiro-ministro e a News Corp. Murdoch, segundo teria dito um assessor, ainda poderá ter uma audiência com Cameron – contanto que entre pela porta dos fundos. No entanto, um distanciamento criterioso não será suficiente para Cameron. Se há um traço comum nas demonstrações de raiva e indignação desta semana, é que o império de Murdoch representa uma concentração prejudicial de poder de mídia.
O castigo do orgulho arrogante
Ser dono de quatro jornais e da segunda maior rede de televisão do Reino Unido é simplesmente demais. Alguns parlamentares do Partido Conservador estão apoiando a exigência de Miliband de que o primeiro-ministro suspenda o negócio da BSkyB pelo menos até que as investigações criminais sejam concluídas e se possa avaliar se a News International seria um proprietário adequado para a rede de TV. Ministros insistem que precisam observar os proprietários jurídicos ao examinar a proposta. Mas há entre eles espaço para um adiamento. Uma companhia verdadeiramente arrependida engavetaria sua proposta até que seus executivos fossem absolvidos das acusações de atividades criminosas.
Murdoch pode alegar que o News of the World não estava sozinho ao agir ilegalmente na busca por furos de primeira página. Invadir mensagens de voz já foi uma atividade disseminada. Outros tabloides contrataram investigadores particulares. Portanto, o inquérito público de Cameron terá de lançar sua rede mais além da News International.
Mas, como sempre, a News International operava com uma crueldade e numa escala que deixava seus concorrentes para trás. No setor, dizia-se que o News of The World estava “fora de controle”. Murdoch respondeu mal em todos os momentos. Em vez de agir decisivamente quando muitas novas alegações surgiram no ano passado, ele apoiou uma estratégia fracassada de evasão e falta de objetividade. Agora, seu tempo acabou. Rebekah Brooks não pode ser salva. Assim como provavelmente o último grande sonho de mídia de Murdoch. O castigo está se aproximando rapidamente do orgulho arrogante.
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Contexto
A imprensa britânica é marcada por algumas características muito particulares: a primeira é a separação entre os jornais tradicionais, que incluem títulos reconhecidos, como o Financial Times, dos tabloides, que vivem de escândalos e gostam de infernizar celebridades, como artistas, jogadores e os membros da família real. O News of the World, controlado pela News Corp., é considerado por muitos o mais agressivo dos tabloides. O outro ponto característico é a divisão entre os jornais diários, que não têm edição aos domingos, e os que só saem nesse dia. Geralmente, eles formam duplas – o “irmão” diário do dominical News of the World é o The Sun.
Os tabloides sempre contaram com um certo grau de tolerância ao espezinhar famosos, mas o caso do News of the World pode tornar-se um divisor de águas, mostrando que mesmo para esses jornais há limites. Uma das acusações contra o News of the World é que a companhia teria invadido o correio de voz de Mily Dowler, uma garota de 13 anos, que fora sequestrada em 2002 e, mais tarde, encontrada morta. Parentes de vítimas dos ataques terroristas ocorridos em Londres, em 2005, também teriam sido alvo de invasões, assim como parentes de soldados britânicos mortos no exterior.
Parte dessas acusações é antiga, mas novas denúncias feitas esta semana colocaram a opinião pública contra o jornal. Quem vivia de escândalo agora está no centro de um deles – um dos maiores da imprensa inglesa. Para Rupert Murdoch, que comanda a News Corp., o momento não poderia ter sido pior. Ele acalenta a ideia de comprar uma participação de 60,9% da British Sky Broadcasting (BSkyB), assumindo o controle total da companhia de TV paga. Com as denúncias, porém, as autoridades britânicas podem vetar o negócio.
As celebridades devem estar aliviadas com o fim do News of the World, mas o sossego pode durar pouco. Já se comenta a possibilidade de que o The Sun ganhe uma versão aos domingos. Pobre família real.
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[Philip Stephens é do Financial Times, em Londres]