O que ameaça os jornais é o avassalador avanço da internet? O perigo é efetivo, concreto, ou resulta de um pânico endógeno, auto-induzido?
A reforma visual do Estado de S.Paulo apresentada espetacularmente no domingo (14/3) suscita uma série de constatações. A mais importante: morre quem quer morrer, extingue-se quem entrega os pontos (excluem-se acidentes e fatalidades). Rejuvenescido pelos 226 dias de censura e a lembrança do seu passado de lutas, o jornalão de 135 anos envergou a fatiota nova e deu um salto à frente.
As bolhas das duas últimas décadas, artificialmente infladas pelo sistema midiático, foram produzidas por um formidável auto-engano. O fim dos jornais e revistas não foi decretado pelo Quarto Poder, mas pela indústria jornalística que não tem vocação nem compromissos de caráter institucional – quer apenas safar-se, mesmo que numa caixa de fósforos. Ao que tudo indica, estamos diante de um gigantesco factóide criado pela incontrolável criatividade do sistema produtivo seguido de uma imensa abulia dos encarregados de trombetear novidades.
400 anos
No fim dos anos 1980 a mídia acreditou no fim da história, deixou-se embalar num triunfalismo besta, entregou-se à inexorabilidade e infalibilidade do progresso tecnológico e cruzou os braços à espera do fim da Era Gutenberg.
O que há de animador na reforma do Estadão (brevemente seguida pela da Folha de S.Paulo) é a reversão das expectativas: a imprensa (ou, se preferirem, a mídia impressa) está vivinha da silva. O portal de notícias também foi mexido, redesenhado, mas o impacto maior aconteceu no segmento que os futurólogos fashion consideravam em vias de extinção: o jornal impresso circulou com 502 mil exemplares e gerou enorme repercussão; seu portal na web continuou semi-clandestino.
Este Estadão redesenhado é um convite à leitura. A reforma foi visual e conceitual: ofereceu-se mais papel ao leitor, mais conteúdo, mais densidade – mais jornal.
Quando a Folha seduziu-se pelo modelo do USA Today no início dos anos 1980, imaginava fazer televisão no papel. Anos depois, a febre da internet levou nossa mídia impressa a mimetizar o estilo web. Raros foram os veículos que resistiram à algaravia digital.
O novo Estadão é um reencontro com a solidez e a efetividade de um veículo que existe há mais de 400 anos. Os 400 anos mais importantes da história da humanidade, testemunha imbatível das mais formidáveis mudanças tecnológicas, culturais e políticas. A entrevista de Umberto Eco no caderno ‘Sabático’ não foi publicada casualmente, é uma tomada de posição. O jornal de Júlio Mesquita voltou a ter os pés no chão e o coração tomado por ideais.
Lugar da concorrência
Jovens não gostam de ler em papel? Errado: jovens gostam do Facebook mas o Facebook só funciona na web. Antes das ‘redes sociais’ os jovens adoravam os cartões da Hallmark & congêneres, serviam para dizer qualquer coisa. Jornais e revistas nunca pensaram em substituir-se a estes postais. Agora, se jornais e revistas forem suficientemente atraentes e capazes de estimular e distribuir o inigualável prazer de ler, os jovens recorrerão a eles enquanto clicam o Facebook para atender necessidades menos vitais.
Nesta primeira edição do novo-velho Estadão chamou a atenção o abandono dos carnavalescos infográficos. O gesto contém uma mensagem inequívoca: uma imagem não vale mil palavras como se apregoava bobamente. Vale o corolário: uma palavra pode valer mil imagens – atabalhoadas, desconexas, sem contexto.
Há também uma mensagem política embutida na renovação do Estadão: acabou a influência da Universidade de Navarra, do seu lobby e da sua poderosa rede de consultorias e entidades. Em outras palavras: a Opus Dei continua na esfera religiosa – que Deus a conserve lá! – mas foi alijada do comando do processo jornalístico brasileiro como vinha acontecendo há mais de duas décadas.
O Estadão demarcou-se, individuou-se. Mostrou aos concorrentes que o caminho da sobrevivência é a concorrência, a pluralidade de ofertas e não o corporativismo homogeneizador. O adversário de um grande jornal é outro grande jornal. E se os concorrentes compartilham das mesmas convicções, desatrelem-se, disputem para ver quem se destaca. O Washington Post e o New York Times jamais fizeram tabelinha durante o caso Watergate.
Duas opções
Convém lembrar, no entanto, que a primeira edição de um novo projeto editorial serve apenas de balizamento, paradigma. A qualidade da edição inaugural do novo Estadão não garante a sua sustentabilidade. Ficou claro que muitas matérias foram elaboradas com esmero para a ocasião, o lustro festivo é perceptível. Nos próximos dias será possível avaliar se o novo desenho e o novo conceito estão amparados por uma estrutura jornalística capaz de produzir a mesma qualidade em grande quantidade.
A elegância que se filtra do novo design tornará obrigatório novo padrão de exigência no processo de seleção do material a ser publicado. Numa linda vitrine só podem ser expostos bons produtos e para cada espaço vazio num jornal é preciso dispor de, pelo menos, duas opções para preenchê-lo. Não há projeto gráfico que resista ao fechamento ‘no tapa’, sem possibilidade de escolha.
De qualquer forma, um avanço – o fim do jornal está adiado sine die Pelo menos no Brasil.
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No day after (segunda-feira, 15/3, págs. N-1, N-4, N-5), um tropeço e uma advertência: a grande entrevista com o capo da telecom Oi, Luiz Eduardo Falco, foi escrita dentro dos padrões acríticos e condescendentes dos antigos cadernos de negócios (afinal os entrevistados são ou serão anunciantes).
Publicada em outro ambiente, mais politizado e atento, chamaria a atenção a cândida constatação do entrevistado ao reconhecer que 49% do capital do grupo estão nas mãos do governo. A Oi não é mais uma simples operadora de telefonia é um grupo multimídia, dono de um portal de internet (o iG) prestes a qualificar-se para reproduzir conteúdo da televisão por assinatura. Desconfiava-se, mas até agora ninguém ousou afirmar que o governo é majoritário numa empresa privada de comunicação.