Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estado francês vira Big Brother

Por ter dito a frase ‘Sarko, je te vois’ (Sarkozy, estou te vendo), um professor francês teve de responder a processo na Justiça. O contexto da frase diz tudo: ele passava quando viu os policiais fazendo controle de documentos na principal estação de trem de Marselha. Como os policiais raramente controlam os papéis dos brancos, a polícia é constantemente acusada de racismo contra negros e árabes. E como os policiais representam a política do presidente Nicolas Sarkozy, o mais entusiasmado defensor de todas as formas de repressão para aumentar a segurança, o professor lançou a frase: ‘Sarko, je te vois’.

Esse episódio, comentado e analisado em todas as mídias francesas este ano, é emblemático. Ele fala do atual momento que vive a França: a polícia está por toda parte, os cidadãos são vigiados em seus menores gestos (com a ajuda da telefonia móvel e da internet, Facebook e Twitter, além das câmeras de vídeo, cada vez mais presentes em ônibus e nos lugares públicos). Nesse contexto, lançar uma frase intempestiva para se dizer vigilante e denunciar o excesso de controle pode gerar perseguição na Justiça.

Para examinar esse mal-estar numa sociedade que está indo longe demais, como se levasse ao pé da letra o título de um dos livros de Michel Foucault (Surveiller et punir – Vigiar e punir), o arquiirreverente jornal Le Canard Enchaîné, que não tem rabo preso com ninguém – nem mesmo com seus anunciantes, pois sobrevive (e bem) sem anúncios – reuniu numa revista um amplo arquivo de matérias com o título ‘Je te vois’. A capa é um rosto com um olho em big close olhando-nos com uma lupa. ‘Filés, fichés, fliqués, comment nous sommes tous sous surveillance’, diz o subtítulo (em tradução aproximativa: ‘Fichados, policiados, como estamos todos sob controle’).

Um coquetel perigoso

Todo mundo sabe que Sarkozy adora a polícia, crê piamente na eficácia da repressão e exerce com prazer o controle dos cidadãos e a consequente punição a crimes e delitos. As prisões francesas nunca estiveram tão cheias. Estão mesmo superlotadas. A consequência disso é uma elevadíssima taxa de suicídio nas prisões, a maior da Europa.

Sarkozy foi ministro do Interior, o ministério que controla todo o serviço de polícia e informação do país e, para o Canard Enchaîné, está instalando com determinação o império do Big Brother na França. Em 80 páginas, os irreverentes e críticos jornalistas do mais respeitado jornal satírico francês mostram como os serviços secretos trabalham no controle da sociedade civil e como o presidente colocou homens de confiança em todos os lugares-chave do governo.

Segundo o jornal, Londres, com seus milhares de câmeras, é o modelo de controle urbano para a polícia francesa. Para chegar mais perto da taxa de câmeras instaladas na capital inglesa, os franceses já poderão contar com 60 mil câmeras de vídeo nas vias públicas até 2011. Mas, mesmo sem chegar aos pés do modelo, Paris já tem câmera até no gênio dourado que exibe sua nudez no obelisco da Place de la Bastille, local de comícios e passeatas históricas. Por outro lado, o jornal lembra que em Londres os milhares de câmeras não impediram os atentados à bomba no metrô e num ônibus. Os habitantes do Reino Unido são monitorados hoje em dia por 25 milhões de câmeras, ou seja, uma para cada 2,5 habitantes.

No artigo de abertura do número especial em que traçam o perfil do presidente como ‘onipresente controlador’ de tudo, os jornalistas do Canard terminam dizendo:

‘A ideologia securitária misturada às novas tecnologias digitais que organizam o fichamento contínuo de cidadãos pode fornecer um coquetel perigoso e muito distante dos fundamentos de uma democracia. Sobretudo quando se encontra à frente do Estado um Sarko que sempre teve dificuldade de controlar seu desejo doentio de controlar tudo.’

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Jornalista