O maior fenômeno de antijornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.
Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.
O primeiro, são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.
O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década..
A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.
O estilo neocon
De um lado, há fenômenos gerais, que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos ‘neocons’ americanos foi adotada por parte da imprensa brasileira, como se fosse a última moda.
Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo ‘neocon’ ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.
Um segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula, fruto dos escândalos do ‘mensalão’, do deslumbramento inicial dos petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de classe. Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo estilo ‘neocon’. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo Jabor –, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.
O jornalismo e os negócios
Outro fenômeno recorrente – esse ainda nos anos 90 – foi o da terceirização das denúncias e o uso de notas como ferramenta para disputas empresariais e jurídicas.
A marketinização da notícia, a falta de estrutura e de talento para a reportagem tornaram muitos jornalistas meros receptadores de dossiês preparados por lobistas.
Ao longo de toda a década, esse tipo de jogo criou uma promiscuidade perigosa entre jornalistas e lobistas. Havia um círculo férreo, que afetou em muitos as revistas semanais. E um personagem que passou a cumprir, nas redações, o papel sujo antes desempenhado pelos repórteres policiais: os chamados repórteres de dossiês.
Consistia no seguinte:
**
O lobista procurava o repórter com um dossiê que interessava para seus negócios.**
O jornalista levava a matéria à direção, e, com a repercussão da denúncia, ganhava status profissional.**
Com esse status ele ganhava liberdade para novas denúncias. E aí passava a entrar no mundo de interesses do lobista.O caso mais exemplar ocorreu na própria Veja, com o lobista APS (Alexandre Paes Santos).
Durante muito tempo abasteceu a revista com escândalos. Tempos depois, a Policia Federal deu uma batida em seu escritório e apreendeu uma agenda com telefones de muitos políticos. Resultou em uma capa escandalosa na própria Veja em 24 de janeiro de 2001 (clique aqui) em que se acusavam desde assessores do Ministro da Saúde José Serra de tentar achacar o presidente da Novartis, até o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Nelson Tanure de atuarem através do lobista.
Na edição seguinte, todos os envolvidos na capa enviaram cartas negando os episódios mencionados. As cartas foram publicadas sem que fossem contestadas.
O que a matéria deixou de relatar é que, na agenda do lobista, aparecia o nome de uma editora da revista – a mesma que publicara as maiores denúncias fornecidas por ele. A informação acabou vazando através do Correio Braziliense, em matéria dos repórteres Ugo Brafa e Ricardo Leopoldo.
A editora foi demitida no dia 9 de novembro, mas só após o escândalo ter se tornado público.
Antes disso, em 27 de junho de 2001(clique aqui) Veja produziu uma capa com a transcrição de grampos envolvendo Nelson Tanure. Um dos ‘grampeados’ era o jornalista Ricardo Boechat. O grampo chegou à revista através de lobistas e custou o emprego de Boechat, apesar do grampo não ter revelado nenhuma irregularidade de sua parte.
Graças ao escândalo, o editor responsável pela matéria ganhou prestígio profissional na editora e foi nomeado diretor da revista Exame. Tempos depois foi afastado, após a Abril ter descoberto que a revista passou a ser utilizada para notas que não seguiam critérios estritamente jornalísticos.
Um dos boxes da matéria falava sobre as relações entre jornalismo e judiciário.
O box refletia, com exatidão, as relações que, anos depois, juntariam Dantas e a revista, sob nova direção: notas plantadas servindo como ferramenta para guerras empresariais, policiais e disputas jurídicas.
Mudança de comando: a entrada de Eurípides Alcântara e Mário Sabino
Não vem ao caso discorrer, agora, sobre o fenômeno Veja. Mino Carta a lançou no final dos anos 60. A conformação final foi dada nos anos 80 pela dupla José Roberto Guzzo e Elio Gaspari, um misto de senso comum com matérias brilhantes, tendo como foco uma classe média não muito sofisticada.
O modelo não prescindia de ataques muitas vezes desqualificadores contra terceiros, lista negra de pessoas que não poderiam aparecer na revista, o direito de ‘detonar’ quem quisesse, especialmente pessoas que se recusassem a passar informações para a revista, e coisas do gênero, uma espécie de ‘marca da maldade’, mas com talento, que seria continuada por seguidores menos talentosos.
Com a saída de ambos, nos anos 90 houve uma sucessão de diretores seguindo um padrão: os que entravam eram jornalisticamente inferiores aos que eram substituídos.
Gradativamente o modelo passou a ser tocado por mãos menos habilidosas e seus principais vícios acabaram exacerbados ano a ano: agressividade desmedida, desqualificação, uso abusivo de dossiês suspeitos, matérias ficcionais. Mantinha-se a maldade, mas sem o talento.
Guzzo foi substituído por Mário Sérgio Conti. Mais tarde, assumiu Tales Alvarenga, falecido recentemente, e que foi o primeiro a estrear o estilo chulo dos ‘neocons’.
Logo depois, Tales foi chutado para cima, e seu posto ocupado por Eurípides Alcântara, o mais antigo dos quadros da Veja, e o último de sua geração a chegar ao posto de comando.
Nos anos 80 Eurípides se destacara pela maior barriga da imprensa brasileira na década: o caso do ‘boimate’ – um trote de 1º de abril de uma revista alemã, falando em cruzamento de boi com tomate na Universidade Hamburger, pelo Dr. McDonalds. A matéria foi publicada em 27 de abril de 1983 como se fosse verdadeira (clique aqui).
Com a ascensão de Eurípides, subiu também Mário Sabino, promovido a diretor adjunto. Sabino veio do jornalismo cultural e deixou má impressão por redações por onde passou, pela truculência desmedida, tosca, que lhe custara piadas venenosas e maliciosas, como única forma de reação dos subordinados.
Uma característica do jornalismo de Veja é que todas as matérias passam pelo diretor ou diretor adjunto. A imagem do ‘prego arranhando vinil’ é antiga na revista, e serve para identificar os ‘cacos’ que são plantados em reportagens por diretores pouco sutis. Em linguagem não jornalística, ‘cacos’ são as modificações no texto da reportagem original.
Dentre todos os diretores que Veja teve, nenhum praticou ‘cacos’ tão ostensivamente grosseiros quanto Sabino. É capaz de assinar pessoalmente críticas recheadas de elogios ao último livro de Otavio Frias Filho ou de Ali Kamel. E enfiar um prego no comentário do crítico da revista, cometendo ataques gratuitos e não assinados contra colegas, como fez contra Mário Rosa ou outro jornalista cultural, Daniel Piza, por ocasião do lançamento de seu livro sobre Machado de Assis (clique aqui).
Eurípides e Sabino, tinham em comum a inexperiência com os chamados temas ‘duros’ do jornalismo – política, economia e a grande reportagem. Sabino era da área cultural. Eurípides trafegara pela Editoria de Ciência e Internacional.
Sem grande ferramental técnico, passaram a exacerbar a agressividade, a desqualificação, a agressão gratuita.
Em 5 de outubro de 2005, após ter se recusado a dar uma entrevista exclusiva a Veja, a revista soltou uma matéria contra Maria Rita, tratando-a como ‘a filha de Elis’, sem mencionar seu nome, e acusando-a de dar um ‘mensalinho’ para a imprensa: ‘Gravadora presenteia jornalistas com iPods. E eles agradecem falando bem da cantora’. Aproveitavam para começar a exercer ataques contra colegas (clique aqui).
Nem se preocuparam em ouvir os acusados. Mesmo tendo um dele, Luiz Antonio Giron, enviado carta antes de a matéria ter sido publicada, dizendo que havia recusado o presente. Essa agressividade se repetiria contra José Miguel Wisnik, Marcelo Tas e um sem-número de artistas e intelectuais.
Embora assinadas por repórteres como Jerônimo Teixeira, Sérgio Martins e Felipe Patury, em todas elas havia as impressões digitais de Sabino.
O macartismo como blindagem
Passo relevante para entender o que se passou com Veja é se debruçar sobre a natureza do macartismo. Trata-se de um clima de guerra, onde se tolera tudo em nome da vitória sobre o inimigo.
É o cenário ideal para criar blindagens, porque permite jogar tudo no mesmo balaio, atacar indiscriminadamente pessoas como se fossem inimigas, defender interesses obscuros, tudo em nome da guerra santa.
Era o que faltava para a direção da revista romper com um dos pontos centrais da auto-regulação no jornalismo: os critérios jornalísticos para a publicação de matérias, o filtro técnico. É esse filtro que impede manipulações.
No macartismo, pode-se atropelar qualquer lógica em nome da guerra contra o inimigo externo. Sem filtros técnicos, o jornalismo pode ser manipulado e esconder-se atrás de supostas posturas ideológicas para praticar toda sorte de lobby.
Durante algum tempo, Veja se revestiu desse poder. Através de Eurípides e Sabino, usou e abusou da truculência. Criou um clima de noite de São Bartolomeu, em que tudo foi permitido, de ataques a políticos, artistas e jornalistas, até uma campanha inusitada contra um intelectual da USP, José Miguel Wisnik, por pura implicância de um editor.
À medida que a queda de padrão da revista começava a despertar críticas, Eurípides e Sabino desenvolveram uma tática de intimidação em cima dos jornalistas. Ataques a Alberto Dines, Luiz Weis, ao Observatório da Imprensa. Depois, extravasando para outros jornalistas, como Kennedy Alencar, Eliane Cantanhêde, Luiz Garcia, Tereza Cruvinel, Franklin Martins. O recado estava implícito: nós temos um canhão; não se metam com a gente.
Mas, ainda assim, apenas a análise jornalística não explicava o que estava ocorrendo.
Em meio a tiroteios contra Lula, ‘aloprados’, dólares de Cuba, olhares mais atentos percebiam características novas na revista. Como a ostensiva influência que passou a ter o publicitário Eduardo Fischer. Especialmente nos episódios chamados de ‘guerras das cervejas’.
***
A guerra das cervejas
De como a Veja ajudou a turbinar as campanhas da Fischer América
Há muito tempo, o publicitário Eduardo Fischer recebe tratamento privilegiado da Veja, especialmente através da seção ‘Radar’. Esse apoio ficou mais ostensivo nas chamadas ‘guerras das cervejas’.
As notas visavam criar expectativas em cima de suas campanhas, reforçar sua imagem em um mercado onde a imagem tem efeito direto sobre o valor das contas.
Em 25 de junho de 2003, o ‘Radar’ anunciava uma nova campanha na praça, da Schincariol, comandada por Fischer. Seu papel não seria de um mero publicitário:
‘Eduardo Fischer – justamente o publicitário que inventou para a Brahma o slogan `a número 1´ – estará à frente da esquadra da Schincariol. Ele não criará somente as campanhas publicitárias. Fischer se meterá também na distribuição, estratégia de preços, criação de novos produtos e tudo o mais.’
Em 20 de agosto de 2003, o ‘Radar’ falava de uma ‘ousada tacada’ da Schincariol, que ‘viria nas asas de uma das maiores campanhas publicitárias que já se viram no setor de cervejas’. A idéia seria fazer desaparecer a marca Schincariol do mercado e, em seu lugar, criar uma nova marca para enfrentar a líder Skol.
Informava que ‘o publicitário Eduardo Fischer, comandante-em-chefe da virada da Schincariol, não confirma a informação. Mas onde há fumaça, há fogo – ou, neste caso, onde há espuma, há cerveja’.
Em 18 de dezembro de 2003, uma grande matéria sobre a guerra das cervejas, mais uma vez enaltecendo o trabalho de Fischer.
‘A gota de água dessa guerra foi uma brilhante campanha de propaganda feita para a Nova Schin pelo publicitário paulista Eduardo Fischer. Em noventa dias, ao custo estimado de 80 milhões de reais, Fischer conseguiu elevar a participação de mercado da Schincariol de 10,1% para 14,1%, segundo dados da ACNielsen. O salto é estrondoso.’.
Uma semana depois, em 24 de dezembro de 2003, através de um expediente bisonho abre-se novo espaço para Fischer, na seção de Cartas dos Leitores: a publicação de uma carta do próprio Fischer, dividindo as honrarias recebidas com sua equipe (clique aqui):
‘Agradeço a menção elogiosa feita pela revista à campanha publicitária produzida pela FischerAmérica para um de seus clientes, o Grupo Schincariol, mas gostaria de ressaltar que a realização de um importante trabalho criativo não pode ser creditada a uma só pessoa. Quero destacar que a `brilhante campanha de propaganda feita para a Nova Schin´, como a própria VEJA definiu, é fruto da competência, envolvimento e ativa participação de toda a equipe de criação da agência FischerAmérica, da qual muito me orgulho, em especial do diretor de criação, Átila Francucci.’
Cada passo de Fischer na Schincariol era precedido de espuma, na Veja – quase sempre na seção ‘Radar’, às vezes na ‘Holofote’.
Em 14 de janeiro de 2004, um mês após as notas anteriores, nova nota no ‘Radar’ antecipando mais um sucesso do publicitário (clique aqui):
‘O `Experimenta´ muda de guerra
Agora que, pela nova regulamentação da propaganda de cerveja, não pode mais usar o `Experimenta´ nos comerciais da Nova Schin, a Schincariol está estudando uma idéia que vai dar o que falar. Deve utilizar o mais bem-sucedido bordão publicitário dos últimos tempos para o relançamento do guaraná da empresa – que vem aí para incomodar o eterno líder Guaraná Antarctica e o Kuat.’
O jogo de levantar a bola continuou em 2005. Durante toda a campanha da Schincariol, não havia mais ninguém para se apropriar do mérito: apenas Fischer. Em qualquer matéria consistente de negócios, há análises sobre outros fatores, como distribuição, pontos de venda, estratégias comerciais. Nas matérias da Veja, enfatizava-se apenas o lado de marketing e a genialidade de Fischer.
No dia 9 de dezembro de 2005, por exemplo, o ‘Holofote’ soltava uma nota laudatória sobre o publicitário (clique aqui):
‘Há seis meses, o grupo de publicidade brasileiro Total fechou um contrato com a Portugal Telecom para lançar um novo cartão telefônico, o Uzo. O cartão pode ser usado em qualquer tipo de telefone de Portugal, seja ele público, fixo ou celular. Um instituto de pesquisa local diz que a campanha tornou a marca Uzo uma das mais conhecidas do país. O presidente da Total, Eduardo Fischer, ficou tão entusiasmado com o resultado que decidiu fundar uma filial européia. Será chamada Fischer Portugal e abrirá as portas em 2006. ‘
O caso Femsa
Depois que Fischer perdeu a conta da Schincariol, a revista não falou mais da empresa, a não ser em matérias policiais, quando a diretoria foi presa por sonegação de impostos. A cerveja preferida agora, era outra, a Kaiser, a partir do momento em que contratou o publicitário.
No dia 24 de maio de 2006, ‘Radar’ reservou seu melhor espaço para a contratação de Eduardo Fischer pela mexicana Femsa – que havia adquirido a Kaiser. Era um box, com cor diferenciada e foto do publicitário, um lugar de destaque na seção de maior leitura da revista.
A nota era altamente laudatória.
‘Ele já produziu campanhas para Brahma, Skol e Nova Schin. Para a última, criou o slogan `Experimenta´, que a AmBev denunciou como ilegal em 2003. Curiosamente, um relatório do banco Bear Stearns divulgado na semana passada afirma que a AmBev copiou a campanha do `Experimenta´ no Peru. Até o momento, Fischer tem se recusado a falar sobre esse assunto.
No dia 4 de outubro de 2005 uma nota do ‘Radar’ visava criar expectativa sobre a campanha da Femsa (clique aqui):
‘O grande segredo do mercado publicitário e do setor de cervejas começa a ser desvendado nos próximos dias. Mas só em parte. Trata-se da retumbante estratégia da Femsa, a mexicana dona da Kaiser, para sacudir o mercado. O objetivo do diretor da Femsa, Ernesto Silva, é sair rapidamente dos cerca de 7,5% de participação de mercado para dois dígitos. Reservadamente, ele tem dito que haverá uma megacampanha para recuperar a marca Kaiser’.
A nota também saíra com destaque no ‘Radar’, em um box colorido e com a foto do diretor da Femsa, Ernesto Silva.
No dia 18 de outubro de 2006, saiu uma matéria grande na editoria de Economia, ‘Duelo de gigantes no Brasil’: ‘Mais uma guerra das cervejas está em curso. Desta vez, entre duas multinacionais’.
Alguns pontos chamavam a atenção. Apesar das duas cervejarias estarem em São Paulo, a matéria foi preparada pelo repórter Ronaldo Soares, da sucursal do Rio de Janeiro, e editada pelo mesmo Lauro Jardim.
A matéria dizia que a Ambev teria montado uma sala de guerra para enfrentar os mexicanos. Seriam dois os motivos:
‘Primeiro, a publicação de uma foto em que a bela atriz Karina Bacchi aparece beijando José Valien, conhecido como o `baixinho da Kaiser´. Parte da imprensa chegou a acreditar que se tratava de um novo casal na praça, mas a tropa mobilizada pela AmBev não tardou a descobrir a verdade: era jogada de marketing da concorrente.
‘O outro motivo de alvoroço nas fileiras da AmBev foi que no mesmo dia começou a ser veiculada na TV a nova campanha publicitária da Femsa, gigante mexicana que comprou a Kaiser no início do ano. Os dois episódios marcaram o início de mais uma guerra das cervejas. Esse promete ser um combate como nunca houve no país. Mais barulhento do que o ocorrido em 2003, quando a Schincariol lançou a Nova Schin e surpreendeu o mercado com o bordão `Experimenta´. Ou do que o duelo entre as brasileiras Brahma e Antarctica, no início dos anos 90.’
Na Ambev ninguém entendeu a razão da matéria. O fato da Femsa ser multinacional não significava nada, já que a Kaiser foi vendida para ela por outra multinacional – a canadense Molson – que falhou. No campo específico das cervejas, a Molson era maior que a Femsa – que também é sócia da Coca-Cola.
Depois, a troco de que o Baixinho da Kaiser beijando uma modelo provocaria uma operação de guerra na líder disparada do mercado? E que história era aquela de um ‘um combate como nunca houve no país’?
Lauro Jardim foi procurado pela Ambev e informado de que não havia nenhuma operação especial contra a Femsa. Foi convidado a visitar a empresa, para conferir se havia alguma sala de guerra. Não adiantou. A matéria ironizou as declarações da Ambev:
‘`Não houve uma vírgula de mudança em nossas estratégias´, diz Alexandre Loures, gerente de comunicação da AmBev. Não é bem assim. Internamente as discussões denotam um pouco mais de preocupação. A sala de guerra da empresa estava em estado de alerta havia meses, aguardando o início da ofensiva de Fischer.’
Não havia nenhuma fonte confirmando essa informação do ‘estado de guerra’. Tudo era espuma para criar uma expectativa junto ao público, uma guerra capaz de dar visibilidade à campanha e repercussão na mídia.
Como sempre, a matéria não poupava elogios a Fischer.
‘O comandante da investida mexicana é o publicitário Eduardo Fischer, que já trabalhou para a rival – foi o criador do slogan `Número 1´, para a Brahma – e depois se tornou um especialista em enfrentá-la. `Meu estilo é jiu-jítsu: quanto maior o tamanho (do concorrente), maior a queda´, diz Fischer. Ele virou uma pedra no sapato da AmBev desde que criou a campanha `Experimenta´, um sucesso tão estrondoso que em pouco mais de dois meses a Schincariol aumentou de 9% para 15% sua participação no mercado e virou um fenômeno no setor de cervejas.
‘A multinacional aposta que Fischer conseguirá repetir o sucesso da campanha de 2003. Embora a empresa não admita publicamente, sua meta imediata é tirar da Schincariol a vice-liderança nas vendas. `Uma companhia do tamanho da Femsa não vai entrar no Brasil para ser terceiro ou quarto lugar. Para fazer sentido investir aqui, ela vem no mínimo para ocupar a vice-liderança´, afirma Poppe, da Mellon.’
Poucos se deram conta desse jogo. A atenção da opinião pública e das demais publicações estava muito concentrada na campanha que a revista fazia contra Lula.
No dia 29 de novembro outra nota no ‘Radar’, falando do Baixinho da Kaiser, nota incompreensível:
‘Baixinho invocado
Sem alarde, o baixinho da Kaiser mudou de namorada. Depois de terminar seu `romance´ com a estonteante Karina Bacchi, ele aparecerá nos próximos dias namorando Adriane Galisteu. O cara é fogo!’
Qual a justificativa para esse tipo de nota, que destoava completamente do estilo do ‘Radar’?
No dia 13 de dezembro de 2006, outra nota do ‘Radar’, falando da ‘artilharia da Femsa’, mas mostrando mudanças irrisórias no mercado (clique aqui):
‘Resultado (parcial) da guerra
A artilharia da Femsa sobre a AmBev acabou atingindo em cheio a Schincariol e parcialmente a Petrópolis. O resultado de novembro da Nielsen revela que a AmBev cresceu 0,2 pontos porcentuais no segundo mês de ataque da Femsa. Sua participação de mercado passou para 68,8%. A Femsa subiu de 8% para 8,5%. Já a Schincariol caiu de 12% para 11,4%. A Petrópolis perdeu 0,2 ponto porcentual e agora tem 6,7% do mercado.’
No dia 5 de abril de 2007, finalmente, a revista Exame produziria uma matéria sobre o fracasso da Femsa:
‘Até agora, em vez de crescer, mesmo que lentamente, a fatia da empresa nas vendas nacionais de cerveja caiu meio ponto percentual. Está hoje em 8,5%, segundo o instituto AC Nielsen. (A situação já foi pior. Em junho do ano passado, a participação da empresa atingiu 7,4%.) A Sol ainda não pode ser considerada um sucesso de mercado e a Kaiser segue com problemas para aumentar as vendas. Há alguns meses, os mexicanos decidiram reposicionar a marca do Baixinho reduzindo o preço, para que ela passasse a competir com a Antarctica e a Nova Schin.’
Mesmo assim, com a confirmação de que a estratégia da Femsa fracassara, através da seção ‘Holofote’, Veja insistia em levantar virtudes e afirmar que a empresa estava ‘incomodando a concorrência’. De que maneira? Com ações na Justiça.
‘No ano passado, com a compra da Kaiser, a mexicana Femsa entrou no mercado brasileiro de cervejas. O presidente do grupo no país, Ernesto Silva, ainda não conseguiu ameaçar a liderança da AmBev, mas já incomoda a concorrência. A seu pedido, a Justiça determinou a suspensão da venda da cerveja Puerto del Sol, da AmBev, para evitar confusão com a marca Sol, dos mexicanos. Como a ordem judicial não foi cumprida, a AmBev viu-se multada em 15 milhões de reais.’
A saga da Femsa na Veja encerrou-se melancolicamente no dia 16 de maio de 2007. A coluna ‘Radar’ informava que:
‘Abril registrou uma mudança histórica no agitado mercado de cervejas brasileiro. Segundo os dados do Nielsen, a Petrópolis (dona da Itaipava, entre outras) ultrapassou a poderosa Femsa, dona das marcas Kaiser e Sol. É um fato inédito. Agora, a mexicana tem 8% do mercado total, contra 8,1% da brasileira.’
A ‘batalha como nunca houve no país’ terminava com a Kaiser segundo ultrapassada pela novata Petrópolis.
Uma leitura do balanço da campanha, no portfólio da Fischer América, permitiu entender a insistência da Veja em mencionar o Baixinho (clique aqui):
‘A campanha `surpreendente´ criada para Kaiser também envolveu uma forte presença do Baixinho, gerando intenso boca-a-boca e dezenas de milhões de reais em mídia espontânea gratuita (apuração em novembro de 2006)’.
As agências costumam conferir valores a matérias publicadas ‘espontaneamente’ na imprensa, calculando o valor da centimetragem das matérias como se fosse de publicidade. Uma matéria de tal tamanho na Veja teria um valor considerável na contabilidade da campanha. As notas sobre o Baixinho começavam a mostrar sua utilidade.
Durante esse período, a Ambev recebia tiros do ‘Radar’. E não de tratava de qualquer empresa, mas de um dos maiores anunciantes da Veja e da Abril. Outros personagens entraram na história, e, só após sua interferência, o ‘Radar’ voltou a escrever positivamente sobre a Ambev. Como na nota de 7 de março de 2007.
‘CERVEJAS
Espuma globalizada
A onda da AmBev agora é o segmento premium. Foi ele que impulsionou o excelente lucro da empresa em 2006: não só não pára de crescer como os produtos são mais caros. Nos próximos dias, a AmBev traz para o Brasil (inicialmente São Paulo) três marcas de cerveja importada: as uruguaias Norteña, Pilsen e Patricia. As cervejas uruguais inauguram novo segmento de negócios da empresa: o de cervejas importadas.’
O trio de Veja
Àquela altura, o duo inicial – Eurípides Alcântara e Mário Sabino – transforma-se em trio, com Lauro Jardim passando a atuar em estreita ligação com o comando da revista.
Não seria a única demonstração da influência de Fischer na revista.
***
O caso André Esteves
A influência do publicitário Eduardo Fischer ficaria nítida em outro episódio, envolvendo o banqueiro André Esteves do Pactual, que se tornou bilionário após a venda do banco para o suíço UBS.
Foi uma venda tumultuada. Antes dela, Esteves negociou com a Goldman Sachs. Nas negociações apareceram várias irregularidades, especialmente nas relações entre o Pactual e uma subsidiária que mantinha nas Ilhas Virgens. Escrevi longamente a respeito, na Folha de S.Paulo (clique aqui).
Esteves tinha pendências sérias com a Receita e Banco Central. Já tinha sido autuado por irregularidades, e dependia de uma decisão do Conselhinho (o Conselho de apelação do Ministério da Fazenda) para se reabilitar e remover os derradeiros obstáculos à venda. Cultivava uma relação estreita com o então Ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Na época, apesar da profusão de informações sobre o tema, Veja limitou-se a algumas notas sobre as negociações, sem jamais tangenciar as irregularidades.
Depois de ter participado do IPO da UOL, Esteves teve a pretensão de montar uma operação de salvamento da Editora Três – concorrente da Abril.
Acabou recebendo um recado sutil, em matéria do dia 28 de fevereiro de 2007.
‘NEGÓCIOS
Bilionário aos 38 anos
Como o carioca André Esteves se tornou o novo Midas do mercado financeiro brasileiro
Cíntia Borsato
[…]
Casado, três filhos, ele hoje se divide entre São Paulo e Rio de Janeiro. Na cidade natal, mora em um apartamento de 730 metros quadrados, na Avenida Vieira Souto, avaliado em 7 milhões de dólares. Como todo rico de trajetória meteórica, começou a colecionar obras de arte (há quem afirme que Lichtenstein é um dos seus preferidos) e a apreciar bons vinhos. Quanto aos novos negócios, Esteves anda animado com as perspectivas do setor sucroalcooleiro. Outro ramo que o entusiasma é o de mídia. Isto é, revistas, televisão e sites. Estudos de sua equipe mostram que os ativos nacionais do setor estão subavaliados. Para um homem atento como ele, oportunidades de enriquecer nunca faltam – e também as de enriquecer os outros, é claro.’
Dois recados não passaram despercebidos dos observadores mais argutos. Um deles, a informação de que colecionava obras de arte e Lichtenstein era um de seus preferidos. Não se tratava do pintor, mas de um recado sutil sobre uma suposta conta que haveria no paraíso fiscal, através da qual Esteves financiaria a campanha eleitoral de uma alta autoridade.
O segundo recado estava na menção ao seu interesse pela mídia – ‘isto é, revistas, televisão e sites’, como dizia a matéria.
Depois do ataque, Esteves procurou especialistas para se aconselhar. Nas reuniões, informou ter sido procurado por Eduardo Fischer, que teria uma boa entrada na Veja. Foi desaconselhado e ir até lá com um publicitário. Afinal, nenhum órgão de imprensa gosta de ser pressionado por publicitários. E o ataque da Veja parecia pontual.
Esteves explicou que repórteres continuavam levantando dados sobre ele. E que Fischer não iria na condição de publicitário, mas de amigo de Eurípides Alcântara.
Acabaram indo. A intervenção teve efeito rápido. A outra reportagem que estava sendo tocado foi paralisada. E o banqueiro voltou a conviver com notas favoráveis, como na seção ‘Radar’, de 15/8/2007
‘BANCOS
A sucessão no UBS Pactual 1
Há muita especulação no mercado financeiro sobre uma possível troca de presidente do UBS Pactual, por causa da recém-anunciada promoção de André Esteves para chefiar a área global de renda fixa do banco, em Londres. A especulação ocorre a despeito de o banco suíço ter informado que Esteves continuaria comandando o banco no Brasil e na América Latina. Muita gente acha que ele não daria conta das duas tarefas.
‘A sucessão no UBS Pactual 2
Mas quem conhece Esteves garante: ele não abre mão de poder. Nunca abriu. O mais provável, portanto, é que dois sócios ganhem mais poder e tarefas para suprir as ausências de Esteves. São eles: Alexandre Bettamio, atual diretor-geral, e Rodolfo Riechert, atual co-responsável pelas operações brasileiras do banco.’
***
O caso COC
No episódio Esteves, os ataques obedeciam a interesses da Abril. A forma como foram interrompidos pode ser creditada a Eurípides.
Não foi a única vez que a Abril se utilizou da metralhadora da Veja para batalhas comerciais. Só que o ‘prego sobre vinil’ era tão evidente que, à primeira leitura, se percebiam as intenções da reportagem.
No dia 13 de junho de 2007, a revista investiu contra o curso apostilado da COC – sistema privado de ensino. A matéria era sobre a mãe de um aluno, que denunciava conteúdo subversivo no material do COC.
‘EDUCAÇÃO
Ensino que é bom…
Mãe ganha na Justiça o direito de protestar contra o colégio da filha. Na cartilha sobra ideologia e falta conteúdo
Camila Antunes
‘
O trecho de maior impacto era uma lição sobre ‘como conjugar um empresário’, efetivamente de baixo nível.
‘Como se conjuga um empresário: vendeu, ganhou, lucrou, lesou, explorou, burlou… convocou, elogiou, bolinou, estimulou, beijou, convidou… despiu-se… deitou-se, mexeu, gemeu, fungou, babou, antecipou, frustrou… (Pág. 14 da apostila de redação do Pentágono).’
Comentário: tolice ideológica que, além de ser sem graça, predispõe os alunos contra o sistema de geração e distribuição de riqueza que é a base da democracia, a economia de mercado.
Quando li a matéria, percebi que o tom não era de uma reportagem convencional. Estava mais no campo das disputas comerciais. Nela, se estimulava os pais de alunos a exigirem o fim do convênio. O ‘prego sobre vinil’ de Sabino era muito evidente para qualquer jornalista com um mínimo de experiência.
No dia 13 de junho publiquei uma nota no blog estranhando o tom da matéria (clique aqui).
‘Segue-se uma longa catilinária, com uma conclamação para que colégios deixem de utilizar o material do COC. ‘O colégio onde estuda a filha reagiu com coragem e correção. Não renovou o contrato com o COC e mandou tirar de sua própria apostila o texto em questão’. Depois, críticas genéricas de especialistas contra a má qualidade dos livros didáticos, mas sem deixar claro se são críticas genéricas ou específicas.
‘Faltou à matéria informar que a Editora Abril, através de duas editoras que adquiriu nos últimos anos, é concorrente direta do COC no fornecimento de material didático às escolas, que a matéria favorece a Abril nessa disputa, que a defesa do COC aparece em apenas uma frase do proprietário.
‘Eis aí uma das facetas mais perigosas dessa concentração de poder na mídia. Pode-se utilizar a notícia como ferramenta empresarial para sufocar concorrentes, sem o risco desse tipo de posição ser questionada por outros veículos.’
Estimulado pela nota, um leitor sugeriu que comprasse a última edição da revista Cláudia. Nela, uma reportagem com Cláudia Costin, então vice-presidente da Fundação Victor Civita, anunciando a entrada da Abril no sistema de cursos apostilados (clique aqui):
‘Cresce o número de escolas privadas e redes municipais que firmam convênios com grandes sistemas de ensino. De acordo com Claudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita, quem comprou um método saiu-se melhor na Prova Brasil: `Bem ou mal, essas instituições passaram a contar com um material que diz claramente o que fazer em cada aula. O plano de aula, embora pareça um pouco totalitário, garante a aprendizagem´. (…)
‘O grupo Abril, que engloba as editoras Ática e Scipione, tam bém colocou no mercado o próprio sistema de ensino, o Ser, que poderá ser adotado a partir de 2008 e põe à disposição dos professores o conteúdo das publicações da editora (incluindo a revista CLAUDIA).’
A nota provocou um comentário, colocado no meu Blog pela vereadora Soninha:
Bingo! E, como mostrou o www.imprensamarrom.com.br, a MESMA repórter que fez a matéria detonando o COC assinou, meses atrás, um texto que exaltava o sistema como modelo de educação que dá certo! Na própria Veja! Êta, nóis
Fui atrás. Era uma matéria altamente laudatória ao COC.
‘EDUCAÇÃO
Escola pública, gestão particular
Uma parceria que melhorou o ensino público em 190 cidades brasileiras
Camila Antunes
‘A matéria elogiava a eficiência dos cursos apostilados, oferecidos pelo setor privado. E apresentava como modelo maior o próprio COC.
‘[…] O exemplo mais bem-sucedido desse modelo veio de sete municípios do interior de São Paulo. Eles sobressaem no ranking do estado. Segundo o MEC, de um total de 632 municípios avaliados, esses sete têm lugar na lista dos dez campeões em ensino. Em comum, eles contrataram um grupo privado, o COC (dono de uma rede de 200 escolas em 150 cidades), para ditar os rumos pedagógicos nas salas de aula públicas. É o caso mais contundente de um modelo de administração que, recentemente, vem ganhando espaço no Brasil. Em outras 190 cidades, a educação pública já funciona assim – em São Paulo, 25% dos municípios mantêm parceria com a iniciativa privada. O que mais surpreende nessa nova modalidade de escola pública, no entanto, é a sua eficácia acadêmica. De acordo com o ranking do MEC, a união dos governos com a iniciativa privada tem produzido raras ilhas de excelência num sistema que há décadas forma estudantes de ensino básico incapazes de ler um bilhete e que desconhecem as operações básicas da matemática.’
O que teria levado a uma mudança tão brusca de opinião, a ponto da segunda matéria sequer fazer menção aos elogios contidos na primeira?
No dia 19 de junho, conversei com Chaim Zaher, dono do COC, que me deu o seguinte depoimento:
‘Pouco tempo atrás fui procurado por uma repórter de Veja, que resolveu fazer uma matéria sobre o material didático do COC, pelo fato de termos sido premiados pela qualidade do material. A matéria saiu com muitos elogios.
‘Pelo que me parece, a revista não estava informada sobre a entrada da Abril nesse mercado. Não sei o que aconteceu internamente, mas na edição seguinte da revista Claudia, a Abril anunciava sua entrada no mercado, mencionava o Anglo e o Objetivo, e não fazia nenhuma menção ao COC, que, segundo a matéria da Veja, era o mais premiado. Aí, a denúncia da jornalista, mãe de uma aluna, caiu em seu colo e fizeram aquele carnaval.
‘Jamais declarei à repórter que o COC errou nos trechos mencionados, como saiu publicado. O que lhe disse é que todo material didático está sujeito a erros, e isso acontece com o nosso material e com os de todos nossos concorrentes. E que nosso trabalho é ir corrigindo os erros, quando identificados. Ela colocou que eu teria admitido os erros.
‘O material `Conjugando o Empresário´ não consta das apostilas do COC. Foi um professor do `Pentágono´ que copiou esse texto do vestibular da UFMG e distribuiu para seus alunos, na sua classe. Tanto que nenhuma outra escola tem esse material. Expliquei para a repórter, mas colocaram na reportagem de tal maneira que ficou parecendo que o material era do COC.
‘Mandei uma carta para a revista, pedindo que retificassem o que me foi atribuído. Não publicaram a carta. Muitos pais de alunos do COC mandaram cartas à revista com cópia para mim. Nenhuma saiu, só as cartas contrárias, e que se basearam na matéria da Veja.
‘Recebi muitos telefonemas de solidariedade, mas ninguém quer dar a cara para bater, temendo retaliação da revista.’
Só depois disso, no dia 27 de junho, a revista resolveu retificar a menção incorreta ao COC.
‘Nota
No quadro `O Mino do bem´, publicado na página 37 desta edição, há um erro grave. O texto `Como se conjuga um empresário´, citado na reportagem `Ensino que é bom´ (13 de junho), não foi publicado em apostilas do sistema COC de ensino. O texto foi incluído pelo Colégio Pentágono, de São Paulo, em suas próprias apostilas. Pedimos desculpas aos diretores, professores e alunos do sistema COC.’
Nesses episódios, o interesse mais evidente era da Abril. Em outros episódios, o jogo se torna mais enrolado. O prego passa a arranhar cada vez mais o vinil, com uma falta de técnica jornalística, uma confiança chocante no próprio taco.
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A Abril se manifesta
A Editora Abril enviou carta ao iG, respondendo à série que estou publicando. Reproduzo aqui a carta (L.N.)
‘A Editora Abril, responsável pela publicação da revista Veja, repudia veementemente as informações divulgadas no blog do jornalista Luis Nassif nos dias 18/12/2007, 10/1 e 11/1/2008.
‘Ao contrário do que quer fazer crer Luis Nassif, o jornalismo praticado pela revista Veja jamais esteve mancomunado com os interesses alheios à postura adequada de órgão informativo ético. A revista Veja sempre postou-se pelo exercício de um jornalismo honesto, sério e imparcial, portanto, bastante contrário às acusações descabidas de Nassif.’ [2/2/2008]
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Esclarecimentos necessários
Não estou em guerra santa contra a Editora Abril. Estou contra o mau jornalismo. É uma luta dura, pois esse jornalismo contaminou grande parte da mídia nos últimos anos.
A carta da Abril, embora muito pouco esclarecedora, foi respeitosa. As interpretações do [Aton] Fon [Filho] são adequadas (ver aqui). O fato da empresa ter se sentido na obrigação de prestar satisfações, um bom sinal. Significa que ao menos uma fenda está sendo aberta nesse endosso cego ao sub-jornalismo praticado pela revista.
Por isso mesmo, o carnaval feito pelo Paulo Henrique Amorim no seu site não ajuda (ver aqui). Já lhe falei nas duas vezes que me ligou, hipotecando apoio, mas não adiantou.
Que fique claro aqui: nada tenho a ver com o Paulo Henrique. Praticamos tipos diferentes de jornalismo. Não estamos em nenhuma ‘frente’ comum. Nossas lutas são diferentes, assim como nossos objetivos. [Luis Nassif, 3/2/2008]
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Prestando contas
Vou me antecipar, colocar fatos que certamente virão à tona de forma deturpada quando começar a postar levantamentos que fiz sobre a revista Veja.
Há 20 anos tenho uma empresa, a Agência Dinheiro Vivo. Foi pioneira nos serviços eletrônicos do país. Em 1996, tomei um financiamento do BNDES, para tentar aproveitar a onda de internet que se iniciava. Por várias razões, a empresa entrou em dificuldades e o projeto não deu certo.
Desde então, venho lutando com a dívida. Já tinha feito uma renegociação com o banco, anos atrás. Enormes atrasos no desenvolvimento dos novos sites deixaram a empresa em situação delicado. Não consegui manter em dia as prestações, resultando em uma execução judicial por parte do banco e, depois de longas negociações, um acordo na Justiça.
O banco não cedeu em nada, não reduziu o spread nem o principal e manteve os juros bem acima da TJLP. O máximo que consegui foi estender o prazo de pagamento. Por conta dos juros e dos atrasos, a dívida é 2,3 vezes maior do que a original. Nas negociações ficaram suspensos multa e juros de mora – que serão cobrados em caso de nova inadimplência – como, aliás, é praxe em qualquer renegociação.
A partir de junho do ano passado, antes mesmo de assinado o acordo, retomei os pagamentos. O acordo foi fechado em agosto. Por razões burocráticas, ainda não foi homologado pelo juiz. Mas as prestações estão sendo pagas em dia. Portanto não há inadimplência, nem calote. Nem houve qualquer concessão nas negociações. E nenhum tostão de empréstimo foi levantado no atual governo.
Nesses dois anos de pauleira, a Agencia Dinheiro Vivo conseguiu superar suas dificuldades, terminar os novos projetos, que vinham se arrastando e fechar boas parcerias para 2008. Os sistemas, finalmente, estão nos ajustes finais, em cima de concepções inovadoras, que ajudarão a incrementar o Guia Financeiro e o Projeto Brasil..
Aproveitando a situação de fragilidade da Dinheiro Vivo, nos últimos tempos fui alvo de toda sorte de calúnias, injúrias e difamações, produzidas pelo comando de Veja com o evidente intuito de me intimidar nas críticas que faço à revista.
Poderia ser o momento para relaxar e cuidar da vida e da família. Mas o jornalismo fala mais alto. [L.N., 30/1/2008]
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Jornalista