Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ética jornalística e a moralidade efêmera

Em quatro anos de Faculdade de Jornalismo, uma das mais pertinentes lições dos saudosos professores é o valor ético da fidelidade ao fato, da busca da polissemia das versões, do valor da verdade, do debate e da dialética pública. Na prática também isso é um desafio constante para o exercício do jornalismo. Esse desafio é presente, dado que atualmente a práxis jornalística nos leva a questionar todas as lições universitárias, a forma e também a práxis do serviço de informação e de opinião. Devemos questionar a ética do jornalista e cobrar dele os valores universais e sem distinção de sua profissão, lembrando Cláudio Abramo e a ‘ética do marceneiro’.

No contexto da política atual, ao lermos, escutarmos e vermos as notícias, as manchetes, os títulos dos grandes meios de comunicação, percebemos uma inversão drástica e brusca da ética, quando ela não é substituída pela moral efêmera: moral interesseira, construída não para ser valor de uma comunidade, mas para determinar um ‘julgamento moral’, segundo critérios obsequiosos da elite burguesa de nosso país.

Daí, a notícia e sua transmissão deixam de ser frutos de uma fidelidade factual e contextual (busca pela verdade do fato no debate das várias versões, a dialética): passam a ser elaboradas segundo critérios políticos, ideológicos e tendenciosos de algumas personagens típicas de filmes sobre conspiração. O que deveria ser fruto do conflito de interesses, gerando debate, sofisticação democrática e diversificação de idéias, torna-se uma visão unívoca, parcial e antitética aos princípios do jornalismo.

Projeto secular

O jornalismo, então, fica a mercê das forças detentoras do poder, a elite burguesa do Brasil que utiliza a mídia como instrumento poderoso de manipulação e alienação. E esse mecanismo se autodenomina ‘opinião pública’, não passando de uma ‘opinião privada’ ou um conjunto de ‘opiniões privadas’ com força impressionante, um poder quase total, que pode influenciar o mais desplugado dos brasileiros. A opinião dos grupinhos privados transforma sua versão dos fatos em verum ipsum factum.

Olhemos, vejamos o tratamento que os fatos receberam por parte do jornalismo marrom com seu uso de chavões em relação ao presidente Lula e ao seu governo. Não distinguimos mais a verdade factual do discurso dos ‘podres poderes’, lembrando o jovem Caetano. A notícia se esvaziou, perdeu profundidade, acareação, contexto, historicidade. O resultado, um segundo turno desnecessário, forçado, um golpe à democracia, um desrespeito ao povo brasileiro e à sua vontade de eleger Lula para mais um mandato.

A partir dos acontecimentos às vésperas do 1º de outubro, percebemos que o jornalismo procedeu não segundo a ética, mas de acordo com a jogada moralista da elite tradicionalmente golpista que detém os meios de produção e a formação espiritual de nosso país. Esta moral é auto-sustentada pela sua intenção. E sua intenção é o projeto secular de manter o poder, a educação, a renda nas mãos de uns poucos, hoje simbolizada pela mancebia PSDB-PFL. Tenta vender seu produto usando da informação, o que gera graves danos ao debate público, desinformando a população dos interesses escusos, obscuros e grotescos dos golpistas que mandam e desmandam nos meios de comunicação social.

Criticar e combater

E batemos palmas para o jornalismo marrom, que conseguiu transformar a política em espetáculo, em consenso irresponsável. Uma verdadeira e maquiavélica atuação moralista e niilista, pois parece que esqueceram lá, na faculdade, a sábia ética. E, como salienta o filósofo francês contemporâneo André Comte-Sponville, é a luta política, na qual se usam todas as inescrupulosas armas. Faz-se o possível e o impossível pelo poder e assim é gerado e apresentado o discurso, mediante uma camuflagem de imparcialidade, de democracia, de fidelidade factual.

Desse modo, como esclarece o filólogo russo Mikhail Bakhtin, todo discurso nasce de um contexto ideologicamente intencional. No Brasil isso é verificável pelo discurso dos donos das mídias tradutores de seus apetites, seus desejos, suas vontades. O discurso tem segundas, terceiras intenções obscuras, escusas e politicamente golpistas. O discurso jornalístico dos grandes meios de comunicação é o discurso ideológico da elite dominante. Duplo reflexo, cujo objetivo principal é informar segundo os critérios de manipulação, da mentira antitética aos princípios jornalísticos. E poucos profissionais se revoltam contra isso, pois muitos, se não a imensa maioria, tornam-se porta-vozes dos projetos de seus patrões.

O que fazer? Muita coisa. A mídia alternativa, o jornalismo, mesmo fraco, mas alternativo, crítico, analítico, ético e competente. E, sem dúvida nenhuma, deve-se mostrar os resultados concretos e ideológicos do governo Lula. Mostrar os fatos que ultrapassem os projetos elitistas dos governos anteriores e o discurso neoliberal da direita. Ou seja, olhar e interpretar o jornalismo marrom, criticá-lo e combatê-lo sem cessar. Propor enunciados comprometidos com a ética, com o debate. Orientar a dialética política de nosso país. E, mais urgentemente, fortalecer os princípios jornalísticos contra a moral efêmera, claramente imoral.

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Jornalista, estudante de Filosofia, Belo Horizonte