Quando telespectadores portugueses elegeram o ex-ditador António de Oliveira Salazar o ‘maior português de todos os tempos’, no concurso ‘Os Grandes Portugueses’, realizado recentemente pela RTP, a emissora nem imaginava que a votação geraria uma verdadeira crise de identidade no país. Salazar recebeu 159.245 votos, o equivalente a 41%.
A reação foi imediata. O Bloco de Esquerda protestou, questionando como um homem que enviou inimigos para campos de concentração na África poderia ser reverenciado em uma moderna nação européia. O Partido Socialista, do governo, explicou que na verdade a votação não era representativa, porque os telespectadores poderiam votar várias vezes de diferentes linhas telefônicas – como muitos fizeram. Um telespectador, irado com o resultado, escreveu para o sítio da emissora. ‘Apenas os masoquistas, imbecis ou insanos teriam votado neste ditador’, reclamou.
O concurso português foi baseado no programa ‘Os Grandes Britânicos’, da BBC. Na versão do Reino Unido, venceu o concurso o ex-primeiro-ministro Winston Churchill. O ex-ditador português desbancou nove finalistas, incluindo o navegador Vasco da Gama, que descobriu a rota marítima para as Índias, e Aristides de Sousa Mendes, diplomata que salvos diversos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Saudosismo e descrença no futuro
Salazar pode ter recebido uma ajudinha, ainda que não intencional, da RTP. Inicialmente, a emissora não incluiu o nome do ex-ditador no concurso, o que provocou uma forte campanha a seu favor na blogosfera. Para Fernando Dacosta, biógrafo de Salazar, a vitória representou uma ‘vingança portuguesa’ para a desilusão com a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, que acabou com a ditadura, porém não teve sucesso em cumprir suas próprias promessas.
Hoje, Portugal é o país mais pobre da Europa Ocidental, e sua história recente é marcada por escândalos de corrupção. ‘Os portugueses não querem um Salazar de volta. Mas eles sentem falta do sonho que tinham no passado sobre um futuro que nunca chegou’, explica Dacosta.
Salazar chegou ao poder após um golpe de Estado em 1926. Sua administração trouxe estabilidade econômica e ordem social a Portugal. Muitos portugueses ainda são gratos a ele por manter o país fora da Segunda Guerra Mundial. Mas, nem tudo foram flores no seu governo. Ele criou uma força secreta policial que torturava opositores e a censura às expressões culturais era forte. Informações de Dan Bilefsky [The New York Times, 25/7/07].