Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Exemplo de sensacionalismo mórbido

Existem fronteiras no jornalismo e em demais áreas da comunicação humana tênues, mas que levantam dúvidas. Acredito que estamos frente a mais uma dessas indagações de ordem ética.

Tem havido salutar divulgação e troca de idéias com relação aos excessos a que são submetidas as modelos, levando muitas vezes a quadros clínicos graves, não raramente à morte. E eis que morre uma modelo por anorexia, jovem, com todas as características de casos similares, trazendo à tona novamente os itens da pressão da indústria da moda, a auto-imagem, o alcançar do dinheiro e fama, assim por diante.

Mais um caso triste – creio que todos esperavam que, após a iniciativa da prefeitura de Madri, que proibiu de desfilar quatro modelos muito magras, algo de novo estaria por acontecer. Parece que tudo ficou na mesma, e temos mais um número para compor as estatísticas.

Contudo, no calor ainda dos tristes acontecimentos, em pleno luto, após noticiar o fato, o site UOL acha em seus arquivos uma entrevista feita com a própria modelo, e ainda remete para um seu antigo ensaio fotográfico sensual para a revista Trip.

Faltou respeito

Aparecem então as questões inevitáveis: noticiar o acontecimento, como demais sites e jornais, está dentro do esperado e mesmo necessário. A Folha deu a notícia, mas o Estadão entrevistou endocrinologista e psicóloga, tornando mais adensada a contribuição ao leitor. Por outro lado, o UOL foi ao limite: trouxe a tal entrevista em vídeo e ainda exibiu as fotografias do ensaio. Sem qualquer ranço de moralismo ou censura, ficam as perguntas: essa ação foi realmente de interesse jornalístico? Mal ocorreu o enterro e a moça reaparece em vídeo e ainda em ensaio que deve ter sido importante para ela quando viva, mas que – assim imagino – no presente momento não deve ser exatamente o que a família esperaria. E mesmo o leitor, tirando os muito necrófilos, não poderiam esperar um pouco mais para acessar esses arquivos?

Esse limite me parece que foi ultrapassado. Em momento de dor, de morte, no mínimo deveria haver uma coisa chamada respeito. Respeito à pessoa que morreu e a sua família. Talvez também a determinada fatia de leitores. Qual a pressa em divulgar a entrevista e o ensaio? Por que não priorizar entrevistas com profissionais da área e/ou de saúde? É o afã de sair na frente dos demais veículos, por ter o UOL tais imagens e poder lançá-las agora? Mesmo com feriados emendados, assuntos não faltam – basta a crise aeroportuária para encher páginas e páginas, seja de papel ou do monitor.

Foi, sim, cruzada a linha da ética, o sinal amarelo. Faltou-se com o respeito. Deixou-se de seguir o antigo lema do deixar descansar em paz.

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Médico, ex-conselheiro do CRM de SP