Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Experiências de um ex-ombudsman

O jornalista Bernardo Ajzenberg encerrou seu período no cargo de ombudsman da Folha de S.Paulo na quinta-feira, 11/3. Depois de três anos como representante dos leitores do jornal, passou o bastão a Marcelo Beraba, diretor da sucursal da Folha no Rio de Janeiro, que assumirá o posto em 5 de abril.

Ombudsman é uma palavra sueca que significa ‘representante dos cidadãos’. Nos jornais, o cargo foi instituído nos Estados Unidos, na década de 1960. No Brasil, estreou em 1989, nas páginas da Folha de S. Paulo. O primeiro profissional a assumir a posição foi Caio Túlio Costa.

O ombudsman é o canal direto entre o leitor e o jornal. Na Folha, ele representa os leitores, recebendo suas queixas e sugestões e as encaminhando à Redação. Faz também a crítica interna e, aos domingos, publica uma coluna com análises e comentários críticos sobre da cobertura jornalística realizada pelos principais veículos de comunicação do país, com destaque especial para o conteúdo da própria Folha.

O profissional que cumpre o cargo de ombudsman vive uma situação no mínimo paradoxal: é empregado do jornal mas, ao mesmo tempo, sua função é criticá-lo. Para que esta tarefa seja realizada com êxito, e o ombudsman consiga exercê-la com independência, as regras são claras. O mandato é de apenas um ano, renovável por mais dois. Enquanto está no cargo, ele não pode ser demitido e tem estabilidade no jornal por seis meses depois que entrega o posto.

Bernardo Ajzenberg utilizou todo o tempo permitido pelas normas da Folha. Há duas semanas, ele publicou sua última coluna dominical no jornal. Despediu-se desejando êxito, fibra e paciência a seu sucessor. E definiu os três anos no posto como ‘um período rico, tenso, desafiador’. Ele conversou com o Observatório sobre este período, revelando quais foram seus maiores desafios e momentos marcantes.

Aos 45 anos, Ajzenberg trabalhou no Correio Popular, Última Hora e Veja, entre outros veículos. Está na Folha desde 1987. Passou por diversos cargos, entre eles secretário de redação, diretor da Agência Folha, diretor do Banco de Dados e diretor de conteúdo da Folha Online. Como escritor, publicou os romances Carreiras cortadas, Efeito suspensório, Goldstein & Camargo, Variações Goldman e A Gaiola de Faraday, que em 2002 recebeu o prêmio de melhor romance do ano pela Academia Brasileira de Letras.

Agora, Ajzenberg deve partir para um período sabático de alguns meses, durante o qual pretende desenvolver projetos pessoais ligados ao jornalismo e à literatura. A seguir, sua entrevista.

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Qual o balanço do seu período como ombudsman da Folha?

Bernardo Ajzenberg – Foi um triênio bastante carregado, em termos jornalísticos: o 11 de Setembro e seus prolongados desdobramentos; a tensa e problemática campanha eleitoral para o Planalto; a guerra do Iraque, a crise econômica, a crise da própria mídia. Tudo isso envolvendo posicionamentos e cobranças de caráter jornalístico, político e ideológico. Aprofundou-se, para mim, a convicção de que os leitores – a sociedade – mantêm com a imprensa uma relação muito mais próxima – muito mais, digamos, íntima – do que eu imaginava antes de exercer essa função. Evidentemente, isso atribui à mídia uma responsabilidade muito maior. Creio ter compreendido também, nesse período, que, embora mudanças tenham ocorrido há vários anos, continua a ser muito difícil obter dos jornalistas, de maneira geral, a admissão de culpabilidade em relação a erros, mais ou menos relevantes, por eles – ou seja, nós – cometidos.

Quais são os pré-requisitos para uma pessoa ser qualificada ao cargo de ombudsman? Você se considerava preparado para o cargo quando foi convidado a exercê-lo?

B.A – Esse é um tipo de função que ganha dimensão concreta de modo diferente dependendo de quem a exerce. Nesse sentido, o estofo, a maneira de pensar e de agir do indivíduo são determinantes. Há o básico: conhecimento do fazer jornalístico, disposição para criticar e ser criticado, capacidade de articulação, de exposição e de argumentação, certa ousadia, paciência, saber ouvir, ter um conhecimento mínimo de diferentes áreas para poder atuar criticamente, estar antenado. Quando fui convidado, tinha muitas dúvidas a respeito de minha capacidade para cumprir o minimamente esperado. Confesso que, apesar de muito aprendizado, ainda continuo com muitas daquelas dúvidas, com a diferença de que, felizmente, consegui atravessar o rio.

O ombudsman representa os leitores dentro do jornal. Ao mesmo tempo, ele é funcionário deste jornal. Na prática, como se equilibra o compromisso do ombudsman com o jornal e com o leitor?

B.A – Na verdade, não deve haver esse equilíbrio. O ombudsman tem de defender o interesse do leitor, não do jornal. A não ser que se pense no interesse do jornal no que se refere a ter o seu leitor sempre satisfeito. O ombudsman tem de se distanciar do jornal.

Quantas cartas, e-mail e telefonemas você recebia dos leitores por semana?

B.A – Temos uma contabilização disso: são, em média 33 manifestações por dia útil de trabalho. No total desses três anos, o departamento [do ombudsman] recebeu cerca de 23 mil manifestações.

Quais as perguntas e/ou reclamações mais freqüentes?

B.A – Isso varia conforme os acontecimentos. De modo geral, é possível afirmar que as manifestações aconteceram na seguinte ordem: questões de vida prática; falta de imparcialidade (em diferentes áreas); omissão de informações, comentários sobre articulistas e colunistas.

Quais as maiores dificuldades que enfrentou durante seu período no cargo?

B.A – Encontrar o tom mais adequado possível nas críticas diárias produzidas para a Redação e nas colunas dominicais; lidar com reações por vezes intempestivas e até agressivas oriundas de alguns – poucos – jornalistas a partir de alguma crítica; unir o particular ao geral na abordagem crítica de certas reportagens.

E o momento mais marcante?

B.A – Foram dois momentos: a cobertura do 11 de Setembro, que, pela magnitude histórica do evento, obrigou-me a um esforço extraordinário de interpretação e julgamento; e a campanha presidencial que se encerrou com a vitória de Lula, momento em que a Folha ocupou lugar de destaque e foi, assim como o ombudsman, fortemente pressionada por eleitores e agentes políticos.