Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Expondo Favre e Maluf, com uma derrapada

Numa cobertura eleitoral empobrecida por excesso de aspas e escassez de garimpagem, a Folha deu duas dentro na sexta-feira, 10. Enquanto o Estado se limitava a reproduzir burocraticamente uma declaração de Luis Favre, marido da prefeita Marta Suplicy, negando a autoria do que ficou conhecido como o ‘discurso do medo’ (sobre os alegados efeitos de uma vitória do tucano José Serra), o repórter Chico de Gois apurou no PT que o texto ‘contou com a caligrafia’ de Favre, que o tornou ‘mais sexy’.

O uso dessa palavra sugere que o repórter da Folha pode ter se inspirado no famoso sexed up de que Alastair Campbell, o marqueteiro do premier Tony Blair, foi acusado de fazer com o texto da espionagem britânica que seria usado para justificar a guerra, no qual enfiou que Saddam não precisava mais de 45 minutos para acionar seus mísseis, presumivelmente carregados com armas de destruição em massa.

Já aqui o sexing up seria carregar nas tintas de uma imaginária ‘crise política’ até o fim do mandato de Lula entre o prefeito tucano e o presidente petista. De qualquer forma, o jornal bancou em manchete que ‘Favre redigiu ‘discurso do medo’ contra Serra’, destacando no subtítulo que o ataque ao PSDB ‘saiu num tom acima do desejado’.

Presença do diabo

A segunda e ainda mais importante embocada do jornal, no mesmo dia, foi a reportagem ‘PT faz pacto com Maluf para atacar Serra’, de Kennedy Alencar, da sucursal de Brasília.

Um belo exemplo de inside story político-eleitoral. O detalhamento das informações deixa pouca dúvida sobre a sua verossimilhança. O pacto consiste em Maluf poupar Marta e atacar Serra, em troca de proteção ‘dentro dos limites legais’ na CPI do Banestado.

Mas o repórter deixou um flanco aberto – por falta de aspas, quem diria. Em vez de fazer como o seu colega Chico de Gois, que informou na sua matéria-revelação ter procurado Favre e Duda Mendonça, mas não foi atendido, Kennedy se expôs à fúria de Maluf, que chegou a pedir a sua cabeça.

Afinal, o repórter cometeu o erro palmar de não ouvir o candidato, principal protagonista da sua história. Se o tivesse feito, poderia incluir no texto o previsível desmentido de Maluf, cuja credibilidade é tal que a matéria sairia incólume.

Por bobeadas assim é que se diz que Luzbel escalou um diabo só para infernizar a vida dos jornalistas.



City-tour na Abin e a notícia desprezada

Na quinta-feira passada, a imprensa foi levada a visitar, pela primeira vez, parte das instalações que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) herdou do tenebroso Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura.

Depois de um café da manhã com o novo diretor-geral da Abin, delegado Mauro Marcelo Lima e Silva, os jornalistas convidados fizeram o que a Folha descreveu como ‘uma espécie de city-tour’ pela agência, com direito a sobrevôo de helicóptero e a uma palestra de 1h40 de Lima e Silva. Ele contou que ex-arapongas do SNI trabalham na Abin.

No dia seguinte, o Estado lavou a alma, dando em título de 4 colunas o que a Folha e o Globo simplesmente ignoraram: ‘Sumiram milhares de documentos do serviço secreto do governo’. E não é que os repórteres Leonel Rocha e Tânia Monteiro tenham descoberto isso nas horas passadas nas ‘entranhas do monstro’, como se dizia nos tempos do SNI, driblando a concorrência e a segurança.

Foi o próprio delegado que revelou o sumiço e mostrou o lugar do desfalque, no Setor Policial Sul de Brasília. Segundo ele, ‘não há como saber quando essas fichas foram retiradas ou se foram destruídas’.

Até onde se sabe, nenhum jornal ou revista achou que valia a pena remexer mais fundo nessa história.

[Textos fechados às 16h39 de 13/9]