Nunca, na história da política moderna, se misturaram tanto quanto agora vida pública e vida privada. Dos jornais do dia 18/10 em Paris se pode obter alguma luz sobre aspectos nem sempre evidentes do comportamento da mídia a este respeito. O conservador Le Figaro estampava em manchete, com enorme foto ilustrativa, o anúncio oficial do divórcio do presidente Nicolas Sarkozy e sua esposa Cecília, seguido por outros jornais, televisão e revistas. Elle publicava uma entrevista exclusiva com a agora ex-primeira dama. Le Monde, entretanto, não dava uma linha sequer sobre o assunto.
É verdade que, naquele dia, Sarkozy não deixava de estar presente na primeira página do Le Monde, mas por um outro motivo, que ocupou quase a metade da página 11 do primeiro caderno. A história, que de fato merece ser contada, envolve um francês de nome Jilal El-Mrabet, seriamente ferido por um grupo de agressores, quando Sarkozy ainda era ministro do Interior, mas já candidato à presidência da república.
Os fatos, tal como narrados pela imprensa na época: no trânsito, o carro de El-Mrabet chocou-se com o de Christine B., que havia feito uma manobra para evitar um terceiro veículo. Em meio às discussões de praxe, El-Mrabet resolveu perguntar ao motorista deste terceiro carro por que havia freado tão bruscamente, obrigando Christine àquela manobra. O carro tinha vários ocupantes, que então agrediram El-Mrabet a pontapés e golpes de pá. A vítima passou várias dias em coma num hospital e até hoje tem apenas uma vaga lembrança dos acontecimentos.
De vítima a herói
Sarkozy e a mídia transformaram El-Mrabet em um herói. Ele teria se interposto entre Christine e os agressores, salvando-a do perigo. Em 14 de março de março de 2007, foi condecorado juntamente com homens e mulheres que se distinguiram por atos de bravura, realizados às vezes com o risco da própria vida, para o bem da comunidade. Em 14 de julho, quando Sarkozy já estava ocupando a presidência, o herói foi convidado, e compareceu, a uma recepção no Palácio do Eliseu.
O imbroglio é que a maior parte desta história é um ‘factóide’. A verdade constante do inquérito policial é que Christine jamais esteve em perigo. Pelo contrário, foi ela quem socorreu El-Mrabet ao vê-lo ser brutalmente agredido. Agora, dizendo-se enojada com o que lera na imprensa, abriu a boca: ‘Fizeram de mim uma vítima. Não é o caso’.
El Mrabet, por vez, também se mostra aborrecido com todo o episódio. Disseram-lhe que tinha sido um herói, e ele, traumatizado, sem memória, acreditou. Convicto, entretanto, de ter sido vítima, além da agressão, de uma manipulação midiática e política, contratou um advogado. Ambos estão a par de que, uma semana após o acontecimento, a polícia e o tribunal locais já conheciam a verdade do caso. E se perguntam: O ministro-candidato teria sido mal informado ou usado o episódio como um símbolo na campanha?
Divórcio e novos amores
A questão aparece nos bares do Quartier Latin, em Paris, no mesmo bojo das conjecturas em voz alta sobre o divórcio no Eliseu. Há quem diga que Cecília não mais suportava a tríade palácio-política-mídia encarnada com sofreguidão pelo marido. Alguns falam de amores novos: ele de um lado, ela de outro, até mesmo de uma suposta triangulação por parte de um importante ministra do atual governo. Outros chegam mesmo a insinuar que, embora exista o affair, não há triângulo nenhum, porque dele não participa Sarkozy…
A realidade é que, enquanto o marido-presidente continua incansável em sua trilha midiática, um factóide após o outro, ela retirou-se da cena, de costas para a imprensa, muda como uma Greta Garbo. Bem… muda em termos, porque à revista Elle, exclusivamente a Elle, Cecília concedeu uma entrevista –– longa e a preço com cifras, dizem, também longas.
O problema, se é que há realmente um problema, é que essa discrição ambígua de Cecília pode justamente se tornar uma atração a mais para jornalistas e paparazzi, eventualmente inclinados a fazer dela um híbrido de Princesa Diana com Jackie Kennedy. Hoje, ninguém escapa verdadeiramente da mídia. Além do mais, permanece no ar, como o leque de implicações de um bom perfume francês, a frase de Cecília a Elle: ‘Quero viver sem mentir’.
Para bom entendedor, pingo é letra.
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Jornalista