Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falsa denúncia repercute no Brasil e na França

O Jornal Nacional da Rede Globo repercutira a denúncia com estardalhaço: obras de arte muito raras, que vinham de ser expostas no Museu do Louvre, em Paris, eram falsificadas! A denúncia tinha sido atribuída ao Ministério da Cultura e ao Iphan. Como a Biblioteca Nacional abrigara alguma das peças, o então presidente da Fundação Biblioteca Nacional e curador da mostra, Pedro Correa do Lago, aparecera como suspeito daqueles ilícitos ali denunciados. A Polícia Federal montara aparato espetacular para apreendê-las no Aeroporto Internacional Maestro Tom Jobim, no Rio, ainda conhecido como Galeão, sua denominação original.

O país vive pesada atmosfera de denúncias. Aquela seria apenas mais uma. O comandante da operação tinha uma certeza e duas hipóteses: as obras tinham sido falsificadas. Ou no Rio de Janeiro. Ou em Paris. Bem, mas o lugar do crime era de somenos importância. Tratava-se de falsificação de obras raras! Mas como aceitar que os trambiqueiros tivessem enganado os especialistas da Biblioteca Nacional, no Brasil, e os do Museu do Louvre, em Paris? Era o dia 10 de janeiro de 2006.

Espiral sem fim

O jornalista Zuenir Ventura estava em férias em Paris e tinha ido à inauguração da mostra, onde gente culta e bem pensante começara a ser enganada em magotes de centenas de pessoas até completar meio milhão de visitantes. Entre eles, centenas de especialistas se embasbacavam diante das 18 gravuras e dois óleos pintados no século 17 pelo holandês Franz Post, integrante da comitiva de Maurício de Nassau. O valor do conjunto tinha sido arbitrado em 18 milhões de dólares.

Mesmo em férias, um bom jornalista não ia perder aquela oportunidade. E Zuenir Ventura não a desperdiçou. Seus leitores tiveram uma de suas melhores colunas em O Globo (25/1/06). Ele dava conta de que apenas dez dias depois da denúncia, feita a perícia por museólogos do Iphan e da Escola de Belas Artes, o Minc atestava que nenhum dos quadros era falso. Falsa era apenas a denúncia. Zuenir Ventura fecha sua bela coluna com uma pergunta que não quer calar, que dirige também à Polícia Federal: ‘Não teria sido mais correto investigar antes?’.

Sim, caro Zuenir, seria, mas não daria manchete, nem helicóptero voando nas cercanias do aeroporto, nem terríveis suspeitas sobre pessoas de bem. A mídia vem treinando o gosto do público, principalmente da televisão, para gostar de escândalos. De preferência escândalos contra o Brasil e contra os brasileiros. A mídia exercita estranha lição: que cada brasileiro aprenda a cuspir na própria imagem. Até acostumar-se ao masoquismo que lhe é imposto? Não! A espiral é sem fim. Logo haverá outro escândalo. Ah, não há tantos escândalos? Mas que importância tem a carência? Inventam-se outros. Cansaram de um ministério? Toma-se outro!

Refrescar a memória

Este triste costume é pernicioso por vários motivos, dois em especial: o público é levado à exaustão com tantas denúncias, e as verdadeiras, embaralhadas como estão, vão perdendo a força. Ninguém mais aprofunda mais nada? É só denunciar e pronto? E se erro houver, por maior que seja, posta em dúvida ou destruída a reputação de quem quer que seja, o cortejo seguirá rumo ao próximo escândalo.

Zuenir Ventura registra na mesma coluna o desabafo de Pedro Correa do Lago: ‘E agora que está tudo esclarecido fica a pergunta: quem acusou em falso, vai responder por isso?’.

À frente da Biblioteca Nacional, Pedro Correa do Lago obtivera êxito extraordinário com sua proposta: uma exposição brasileira no Louvre. O brilho do evento ganhou, entretanto, uma estranha sombra de suspeita. Levantada por quem? Por brasileiros que, do modo como agiram, não afetaram apenas célebres instituições públicas que gozam de prestígio seculares no Brasil e no exterior, mas também o próprio Louvre. Como não terão ficado irritado os especialistas franceses encarregados de receber as obras, expô-las e depois devolvê-las? Pois também eles foram postos sob suspeita.

Outras questões que se impõem são as seguintes: quanto custou a operação da Polícia Federal, feita sem nenhum critério que se possa respeitar? Quem vai pagar os custos? O excessivo zelo se deveu a quê? Afinal, perigo de prejuízo aos cofres públicos não haveria.

E por último a questão que mais diz respeito à imprensa: vai ser necessário outro escândalo como o da Escola Base para que nossa memória seja refrescada e aprendamos o quanto custa caluniar?

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), onde dirige o Curso de Comunicação Social