Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta algo na cobertura da inflação

Só um grande jornal, o Globo, reuniu em manchete os dois grandes fatos econômicos de quarta-feria (20/4), último dia útil antes do feriadão da Páscoa: ‘Juros sobem mais uma vez; inflação também’. Os outros grandes jornais só juntaram os dois temas no texto sobre a nova decisão de política monetária. Todos tentaram apresentar um quadro amplo e, como de costume, registraram as opiniões de especialistas, empresários e sindicalistas. Além disso, Estado de S. Paulo e Globo mencionaram fontes oficiais para confirmar a estratégia de combate gradual à alta de preços.


A cobertura foi razoavelmente informativa, mas faltou, no mínimo, explorar um dado importante e acessível a todos. Esse dado é conhecido, no jargão dos economistas, pelo bonito nome de Índice de Difusão.


Esse indicador mostra, como sugere o nome, o alcance das pressões inflacionárias. Essa é uma das más notícias: subiram os preços de 62,76% dos itens pesquisados entre 16 de março e 12 de abril para a elaboração do IPCA-15, uma espécie de prévia do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Na apuração anterior, a difusão havia ficado em 58,59%.


Centro da meta


O Estadão publicou esse dado como informação complementar. Os outros passaram longe desse ponto. No entanto, esse é um dos detalhes mais significativos. Desmente a tese de uma inflação quase restrita a combustíveis e alimentos e, portanto, essencialmente importada (tem havido uma enorme valorização das matérias-primas no mercado internacional).


A influência do mercado externo é inegável e relevante, mas é preciso algo mais que isso para explicar uma alta de preços tão espalhada. A resposta mais evidente é o nível da demanda interna. Atrair a atenção do leitor para esse aspecto é uma forma de ajudá-lo a avaliar o problema e a julgar a ação das autoridades monetárias.


Todos os jornais chamaram a atenção para outro dado obviamente relevante: a inflação acumulada em 12 meses chegou a 6,44%, praticamente batendo no teto da meta (6,5%). Mas ninguém parece ter sido tentado a fazer um cálculo simples, nem mesmo por curiosidade: se uma alta mensal de preços de 0,77% for projetada para 12 meses, qual será o resultado? Resposta: 9,64%, um número inadmissível num país com algum compromisso com a estabilidade. Provavelmente haverá alguma desaceleração nos próximos meses, mas terá de ser muito forte, se a inflação tiver de chegar ao centro da meta, 4,5%, até o fim de 2012. Dados como esse são úteis para dar ao leitor uma dimensão mais clara do problema.


Pauta oportuna


A mensagem essencial seria resumível nas seguintes palavras: inflação muito alta, apontando para um resultado bem acima da meta, e espalhada demais para ser explicável apenas por pressões localizadas.


Mas, para transmitir mensagens desse tipo, os autores e editores do material têm de ir um pouco além da coleta de opiniões e das conversas off the records com fontes do governo. A maior parte do material publicado na quinta-feira (21/4) mostrou um respeitável grau de elaboração, mas um pouco mais de esforço próprio para juntar e analisar os dados poderia enriquecer o trabalho.


Na edição da Sexta-Feira Santa, a Folha de S.Paulo tentou avançar na cobertura da inflação. O jornal descobriu em supermercados uma dúzia de produtos com redução de peso ou de volume. É uma velha prática das empresas em tempos de elevação de custos.


Não é fácil determinar se alguém violou os direitos do consumidor, mas alguns pontos parecem fora de dúvida. Raramente os preços são cortados – quando são – de forma proporcional à diminuição da quantidade contida na embalagem. Também raramente a alteração é informada em letras bastante grandes para atrair a atenção do comprador. A pauta foi certamente oportuna.

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Jornalista