O oportuno festival de resenhas, reflexões, crônicas e reminiscências que antecipou a aula-magna sobre jornalismo investigativo produzida pela equipe do Globe, de Boston, sugeriu a existência simultânea de consensos retóricos, informais e drásticos dissensos, enrustidos.
Saudado em prosa e verso pelo primeiro escalão de pensadores da imprensa, o “bom jornalismo” revivido no admirável filme não conseguiu materializar-se como conceito. O bom jornalismo seria o que se convencionou designar como tal ou exige qualificações mais estritas e critérios menos vagos ?
Tomando a antológica produção como referência — o bom jornalismo seria o esforço para investigar, coletar e dar sentido a informações sigilosas e depois escancará-las para que tudo se esclareça ? Ou é um ato de bravura para desmascarar poderosos interesses escondidos nos bastidores do poder ?
Em outras palavras: bom jornalismo é o empenho de proclamar verdades ou a capacidade de juntar os elementos de uma história de modo torná-la credível e correta, dentro de uma preocupação básica com a ética.
Fazer barulho ou fazer justiça, eis a questão.
A revista Época ofereceu excelente contribuição ao debate sobre a natureza do bom jornalismo nas duas edições mais recentes. Em matéria de capa e grande estardalhaço na edição 918 de 18/1 o semanário denunciou a participação de pessoas próximas da presidente Dilma Roussef — seu ex-marido e amigo, o advogado gaúcho Carlos Araújo — intermediando a obtenção de favores oficiais para socorrer um dos empreiteiros encalacrados no petrolão.
Matéria precária, ligeira, claramente insuficiente, exigiu do diretor de redação da revista uma embalagem caprichada: aproximar a façanha do Globe à de Época através de um texto introdutório redigido com rara modéstia — “Em busca da história completa”.
Se no lançamento do filme resenhistas e opinionistas não conseguiram definir em que consiste o bom jornalismo, agora experimentava-se esclarecer segunda abstração — a história completa. Quem é que define o momento em que uma carga de informações está pronta para ser publicada e produzir os imperiosos desdobramentos ?
O enredo de “Spotlight” é extremamente simples, despretensioso: resume-se à descrição do trabalho anônimo, penoso e solitário da força-tarefa do Globe ao longo de seis meses para investigar, coletar, encadear e formatar as denúncias contra os 87 padres-pedófilos de Boston e os seus protetores na hierarquia católica dos EUA e da Santa Sé.
Quando as rotativas começam a imprimir as primeiras revelações, acaba o filme. Seguiram-se outras 599 reportagens no mesmo jornal. Com simplicidade exemplar, diretor, roteiristas, atores e personagens reais explicaram como é possível identificar a essência do bom jornalismo.
A reportagem de capa da Época edição 918 não obteve qualquer repercussão. Na edição seguinte da revista, a de número 919″, nem uma palavra. Evidentemente não era uma história completa.
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Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do Observatório da Imprensa