Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta luz ao noticiário

Está na primeira página do Estado de S.Paulo de quarta-feira (1/6) a decisão do governo brasileiro de rever a estratégia nacional de energia e excluir do planejamento a construção de quatro novas usinas nucleares. Segundo o jornal, a decisão considera o novo cenário produzido pelo acidente nuclear em Fukushima, no Japão, após o terremoto e o tsunami ocorridos em março.

Não se trata de uma medida radical como a anunciada pelo governo da Alemanha, que até o ano de 2020 deve suspender o funcionamento de todas as suas usinas nucleares, mas já é um avanço em um tema muito delicado e que no Brasil ainda é mantido distante da opinião pública.

A construção de usinas atômicas no litoral do Rio de Janeiro, ainda durante o período militar, sofreu desde o início críticas de ambientalistas e outros opositores, que temiam os efeitos de um acidente numa região localizada entre as duas maiores cidades do país.

Angra dos Reis, berço da indústria de energia nuclear no Brasil, fica encravada entre o mar e as montanhas e não possui rotas de fuga nem condições para a construção de vias adequadas para uma eventual necessidade de evacuação em massa. Ainda assim, os projetos se sucederam, sem que se dessem sinais de medidas preventivas mais eficientes.

Papel da imprensa

Foi preciso ocorrer a tragédia no Japão para que o mundo voltasse suas atenções para o risco das usinas nucleares. No entanto, para o Brasil, a revisão da estratégia de energia não se encerra com a redução da dependência de energia atômica.

Ao lado da questão da segurança correm ainda o desafio ambiental, que desaconselha a opção por usinas movidas a carvão ou petróleo, e o problema representado pelo limite no potencial de exploração dos recursos hídricos para produção de eletricidade.

Um dos consultados pelo jornal paulista, especialista que representa a Associação Brasileira de Energia Nuclear, afirma que o Brasil não pode abrir mão do programa de usinas atômicas porque na próxima década teremos alcançado o potencial de aumento na geração de energia hidrelétrica.

Evidentemente, cada setor vai tentar influenciar o governo a decidir de acordo com seu interesse específico. As empresas e investidores comprometidos com futuras usinas nucleares certamente não vêem grandes riscos na construção de novos reatores. Da mesma forma, grandes empreiteiras que disputam obras de usinas hidrelétricas defendem seu quinhão.

No meio das contendas, o papel da imprensa é identificar os interesses do país e informar o cidadão sobre as melhores alternativas.

Fontes diversificadas

O problema, no noticiário sobre energia e outros temas diretamente ligados à questão ambiental, é que as informações raramente são apresentadas no contexto mais amplo, que diz respeito ao objetivo do desenvolvimento sustentável. Na reportagem do Estadão, por exemplo, faltam referências ao estado atual e futuros desenvolvimentos de fontes alternativas de energia.

Sem essas referências, a notícia, embora relevante, contribui pouco para ajudar o cidadão a formar sua opinião a respeito de tema tão essencial.

Se forem considerados alguns avanços tecnológicos recentes, como o advento do smart grid, ou rede inteligente, sistema informatizado que permite monitorar com precisão o desempenho da rede elétrica, deve-se levar em conta a possibilidade de mudanças radicais na logística de energia.

Esses novos desenvolvimentos permitem, por exemplo, integrar às redes pequenas produtoras de origem solar, eólica, térmicas movidas a biomassa e outras alternativas que ajudariam a compor um sistema diversificado e seguro.

A revisão da estratégia nacional de energia, que deverá ser completada somente no ano que vem, não se restringe à anunciada redução nas ambições do governo quanto a usinas nucleares. Vai considerar também a conveniência de uma rede nacional totalmente integrada e as possibilidades de sistemas de geração variados, de acordo com vocações regionais.

O novo cenário econômico transforma o Brasil num país praticamente em construção, dada a necessidade de grandes mudanças na infraetrutura. É conveniente que a imprensa esteja atenta a outras questões além do fator econômico, para contribuir na prevenção de erros estratégicos que poderiam custar caro às futuras gerações de brasileiros.

É o caso, por exemplo, das armadilhas montadas na proposta de Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados.

Essa é uma bomba que precisa ser desarmada com ajuda da imprensa.