A reunião de chefes de governo do Grupo dos 20 (G-20), em Washington, produziu mais do que o previsto e os mais entusiasmados podem considerá-la o marco de uma grande mudança política. Valeu o espaço dedicado ao tema pelos maiores jornais brasileiros no dia seguinte (16/11), um domingo. Mas faltou explicar, pelo menos naquela edição, como foram negociados os compromissos, quem teve maior influência nas discussões e como foram redigidos o comunicado conjunto e o plano de ação de 47 pontos apresentados no sábado (15) à tarde.
O trabalho pesado obviamente não foi feito no encontro de presidentes, primeiros-ministros e chefes de instituições multilaterais, embora alguns deles, como o britânico premier Gordon Brown e o francês Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), tivessem experiência e competência técnica para isso. A maior parte da costura também não foi feita na reunião ministerial de São Paulo, no fim de semana anterior, como indicou o chocho documento divulgado pelos ministros no dia 9, o domingo anterior.
Parte importante dos acertos ocorreu certamente ao longo da semana, em contatos informais entre as autoridades de maior peso. Exemplo: os papéis atribuídos ao Fórum de Estabilidade Financeira (FSF) e ao FMI no plano de ação do G-20 correspondem, fielmente, ao conteúdo da carta enviada aos chefes de governo, antes da reunião de Washington, pelos principais dirigentes das duas instituições – Straus-Kahn e Mario Draghi, presidente do Banco da Itália (BC).
Nessa carta, enviada no dia 13, quinta-feira, ambos contam como vêem as funções das duas entidades:
1.
o FMI deve ser responsável pela supervisão do sistema financeiro global;2.
o FSF, formado ministros e presidentes de bancos centrais de países industrializados e por dirigentes de instituições multilaterais, deve elaborar políticas e padrões de regulação e supervisão, em colaboração com os vários organismos normativos;3.
a implementação das políticas formuladas para o setor financeiro deve ser responsabilidade das autoridades nacionais;4.
o FMI e o FSF devem preparar-se para a função de lançar alertas com suficiente antecedência (early warnings).Separação necessária
Todos esses pontos foram acolhidos no plano divulgado pelos chefes de governo, em Washington. Mas a imprensa brasileira deu pouca ou nenhuma atenção à carta de Strauss-Kahn e Mario Draghi, dois políticos – além de técnicos – experientes e acostumados a negociar nos níveis mais altos.
A cobertura deu pouco destaque, além disso, ao compromisso dos governantes de evitar novas medidas protecionistas nos próximos 12 meses. Esse detalhe foi noticiado no meio do material, sem realce, como se equivalesse politicamente à maioria dos outros itens. Não é bem assim. O aumento do protecionismo é uma das conseqüências mais temidas de uma recessão internacional e o governo brasileiro bateu nesse ponto, nas últimas semanas. Na mesma passagem, os líderes comprometeram-se também a evitar barreiras à exportação – adotadas, neste ano, pelos governos da Argentina e da Índia, por exemplo.
Faltou, também, separar com clareza as medidas conjunturais, destinadas a atenuar a crise e a facilitar a recuperação da economia mundial, e as linhas de ação definidas para a reforma do sistema, como a criação de colegiados para supervisionar os maiores bancos e o aperfeiçoamento dos mecanismos de regulação e supervisão do mercado financeiro. Essas linhas de trabalho são importantes a longo prazo e podem reduzir o risco de crises, mas não poderão contribuir para a solução da crise atual.
A deterioração
O agravamento da situação econômica, tanto no exterior quanto no Brasil, dominou o noticiário na segunda semana de novembro, entre a reunião ministerial e a conferência de chefes de governo do G-20. A recessão no Reino Unido, na Alemanha e na Itália foi confirmada, depois e dois trimestres de produção em queda. Outras grandes economias da Europa, como França e Holanda, ainda não chegaram à mesma condição, tecnicamente, mas seu produto interno bruto (PIB) encolheu pelo menos no terceiro trimestre.
Estatisticamente, dado o peso da Alemanha e da Itália, a zona do euro já está em recessão, embora algumas economias ainda tenham crescido um pouco no período julho-setembro. Nem todos, na imprensa, deram atenção ao detalhe estatístico e houve quem declarasse em recessão, explicitamente, os 15 países da união monetária. Erros como esse podem não ser muito graves, mas são evitáveis com um pouco de atenção.
Fora dos temas obrigatórios, como a crise da General Motors e o abandono, pelo governo americano, da decisão de comprar papéis podres, a cobertura foi razoavelmente variada. Na terça-feira (11/11), o Valor noticiou, sozinho, estudos sobre a concessão de subsídios federais a operações de hedge no mercado de produtos agrícolas. No meio da crise, portanto, discute-se a adoção de novos instrumentos de apoio à agricultura. Nenhum grande jornal parece ter ido atrás da história.
No fim de semana, três jornais trataram da crise brasileira a partir de perspectivas diferentes. O Globo realçou a redução de compras no exterior, por causa do dólar mais caro, e as perspectivas de maior produção interna de bens intermediários para a indústria, a partir de 2009.
O Estado de S. Paulo registrou inadimplência recorde no mercado de carros financiados e a perda de ritmo da indústria, com a possibilidade – apontada por vários analistas – de crescimento nulo ou até negativo da produção no trimestre final.
A Folha de S. Paulo mostrou o risco de redução de até 20% na receita da exportação agrícola, em 2009, a renegociação de contratos pelos compradores de imóveis e as tentativas de ampliação de prazo nas transações entre indústrias.
De vez em quando há fortes sinais de vida nas pautas.
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Jornalista