A imprensa brasileira e internacional tem dedicado um espaço considerável para as ações do FCC – sigla em inglês para o Federal Communications Commission ou Comissão Federal de Comunicações. O FCC é órgão regulador das comunicações dos Estados Unidos e está sob a direção de Colin Powell Jr., filho do secretário de Estado americano Colin Powel.
Manchetes como ‘FCC faz censura explicita’, ‘FCC ameaça ‘liberdades’’, ‘Projeto de lei abala mídia’ ou ‘F*cked by the F*CC’ (prefiro não traduzir) seriam exemplos das novas ações do governo Bush para impor limites ou ‘controlar’ a mídia americana.
Se o problema se restringisse somente aos Estados Unidos, a questão já seria suficientemente grave. Quase tudo que acontece nos EUA costuma se tornar referência no mundo e principalmente no Brasil. O problema maior é quando lemos noticias recentes publicados no New York Times sobre as ‘pressões’ exercidas pelo secretario Colin Powel para que o seu colega ministro das Relações Exteriores do Catar ‘controle’ a cobertura jornalística da rede de TV pan-árabe Al-Jazira, baseada naquele país e financiada pelo governo local.
Em visita oficial ao Oriente Médio na semana passada, o secretario de Estado americano declarou que a cobertura das redes árabes Al-Jazira e Al-Arabyia é anti-americana e estaria prejudicando os esforços da coalizão para a restaurar a ‘democracia’ no Iraque. Ou seja, as redes de TV árabes estariam incomodando os americanos.
Tal pai, tal filho
Pelo andar da carruagem, a cada dia o governo Bush assume contornos de dramas shakesperianos. Pais e filhos, unidos, lutam pelo controle do mundo! Já no inicio do seu mandato à frente do FCC, Colin Powell Jr. chegou a ser chamado de ‘Mr. Media Deregulation’ pelos seus serviços a favor de uma intervenção mínima do governo nos ‘negócios’ das empresas de comunicação. Agora, com o terreno ‘liberado’, faz questão de impor os códigos de ‘decência’ para o conteúdo das comunicações.
Os críticos de mídia denunciam as novas investidas do FCC contra as liberdades constitucionais americanas. Segundo esses críticos, o FCC deveria ser somente um órgão ‘regulador’ da mídia e se preocupar mais com a fiscalização de um ‘equilíbrio’ ou imparcialidade nas coberturas jornalísticas das empresas de comunicação americanas.
Regular ou faturar?
O FCC, no entanto, após os ataques do 11 de Setembro – e seguindo a nova estratégia política do governo Bush para a mídia – estaria se tornando um órgão de controle e punição dessas empresas.
O todo-poderoso FCC investe contra os palavrões de comentaristas radicais – e, aqui entre nós, meio maluco – como o Howard Stern ou os peitões siliconados de cantoras em decadência como Janet Jackson. Mas o verdadeiro objetivo seria o conteúdo jornalístico das empresas de comunicação.
O que fica ainda mais evidente com essas ameaças à liberdade de expressão é que o FCC de Colin Powell Jr. está testando seus próprios limites. Mais do que ameaças às liberdades constitucionais, nada incomoda mais os americanos do que as ‘ameaças’ ao bolso das empresas e dos próprios profissionais do setor. Regular ou faturar, no plano político e econômico, eis a questão.
Dentro dessa nova estratégia, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou, em 11 de abril, e por esmagadora maioria, o Broadcast Decency Enforcement Act of 2004, com o objetivo de moralizar a programação das rádios e TVs abertas do país. Neste novo cenário, o FCC está aumentando as multas para os deslizes levados ao ar. Os deputados americanos aprovaram novo teto de 500 mil dólares por infração, até um máximo de 3 milhões de dólares. Atualmente, a multa máxima é de 27.500 dólares. Um aumento exponencial sem limites previsíveis que pode quebrar qualquer empresa de comunicação, até mesmo nos EUA.
Caça as bruxas e volta ao macartismo?
O resultado dessas medidas? Algo muito pior do que a censura. Sob a ameaça de multas milionárias, os comunicadores partem para a autocensura. E para evitar surpresas, algumas empresas de comunicação resolveram criar os chamados delays – períodos de suspensão das transmissões ao vivo, para que esses ‘deslizes’ possam ser devidamente eliminados.
Essas ações fazem parte de uma guerra maior. As redes de TV americanas estão cada vez mais ousadas. Em um cenário de crescente segmentação de audiências e perdas em publicidade, as emissoras estão perdendo telespectadores preciosos para novas tecnologias como as TVs a cabo e a internet.
O FCC, por outro lado, quer maior controle nos meios de comunicação de massa, como a TV. Mas, certamente, sonha com um controle maior dos meios alternativos. As investidas contra os e-mails indesejados, os spams, seria o prenúncio de um controle ou mesmo censura na internet. Para alguns críticos da ‘libertinagem’ na internet, isso seria apenas uma questão de tempo.
O futuro parece ameaçador. Os liberais americanos estariam dispostos a ir para as barricadas? Ou estaríamos presenciando um novo período de indiferença, de caça às bruxas, de volta ao macartismo de guerra na mídia? De um lado, uma minoria moralista e atuante contra um maioria liberal, porém silenciosa e cada vez mais débil. Muitos americanos observam surpresos e impotentes os avanços a cada dia mais ousados do fundamentalismo politíco e religioso contra as liberdades constitucionais e contra a mídia em ano de eleições para presidente da República.
O patriotismo se torna sinônimo de apoio a Bush contra as ameaças do terrorismo e dos excessos das empresas de comunicação. O FCC e o governo do presidente Bush bem sabem que a guerra pela conquista dos votos dos americanos e pelo controle das informações no mundo pode não estar sendo decidida somente no controle militar, mas no controle mais rígido da mídia americana e internacional.
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Jornalista, doutor em Ciência da Informação, professor da UERJ e professor-visitante da Universidade Rutgers (Nova Jersey, EUA)