Os jornalistas do “The Washington Post” ficaram chocados ao ser reunidos na tarde de segunda-feira, quando se aproximava o horário de fechamento da edição, para ser informados de que o jornal estava sendo vendido para Jeff Bezos, o diretor-presidente da Amazon, por US$ 250 milhões. “Me senti como se um velho namorado, de quem eu ainda gostava, estivesse anunciando seu casamento”, disse uma ex-jornalista do “Post”.
A incredulidade espalhou-se para além da sede do jornal, que fica a poucas quadras da Casa Branca. Primeiro na capital americana, onde a maioria das pessoas não consegue se lembrar do tempo em que o jornal não pertencia à família Graham, e depois para o resto do mundo da mídia.
Foi em 1933 que Eugene Meyer comprou o “Post” em um leilão judicial durante a Grande Depressão, transferindo-o posteriormente para seu genro Philip Graham. Katherine Graham, esposa de Philip, assumiu o comando após o suicídio do marido, conduzindo o jornal na fase em que ele ganhou fama internacional, na década de 70, por seu trabalho investigativo sobre o escândalo de Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon. Os Graham também eram conhecidos por sua participação intensa na vida social da capital americana, cortejando políticos e autoridades poderosas de administrações como as de John Kennedy e Ronald Reagan.
Katherine Graham morreu em 2001, mas seu filho, Donald Graham, que vinha comandando o “Post”, orquestrou as negociações secretas que levaram à venda.
“Tetas prensadas”
O fim da era Graham e a chegada de Bezos cria incertezas quanto à direção a ser seguida pelo jornal e a possibilidade de ele ser transformado pelo bilionário presidente da Amazon. A família Graham é rica, mas suas posses são muito pequenas em comparação com o patrimônio líquido de Bezos, calculado pela revista “Fortune” em US$ 25 bilhões.
A orientação política de Bezos não é clara, sugerindo que ele não tem necessariamente a intenção de usar o “Post” para promover uma determinada ideologia. Mas Bezos vem demonstrando um viés ligeiramente Democrata em suas doações de campanha. Não doou dinheiro a nenhum candidato presidencial nas duas últimas décadas, mas destinou mais dinheiro aos Democratas que aos Republicanos.
Bezos apoiou Patty Murray e Maria Cantwell, as duas senadoras Democratas pelo Estado de Washington. Também costuma doar dinheiro ao supercomitê de ação política (superPAC) da Amazon, que o repassa a membros dos dois partidos.
Ele tem sido um grande defensor do casamento entre pessoas do mesmo sexo e do imposto sobre as vendas na internet, dados os interesses da Amazon nessa política. Já esteve com o presidente Barack Obama. Na semana passada, Obama visitou uma unidade da Amazon em Chattanooga, Tennessee, onde apresentou seu mais recente plano para os impostos cobrados de empresas e os gastos com infraestrutura.
A Casa Branca não fez comentários imediatos sobre a venda do “Post” para Bezos, assim como líderes do Congresso americano. Na segunda-feira, Bezos empenhou-se para enfatizar seu respeito pela linha editorial do jornal. “O jornalismo tem uma função crítica em uma sociedade livre e o ‘Washington Post’, como o jornal da capital dos Estados Unidos, é especialmente importante”, disse ele è equipe da publicação.
Em sua nota, Bezos reverenciou a posição lendária do “The Washington Post”, dizendo torcer para que ninguém sofra a ameaça de ter partes do corpo prensadas em uma máquina de espremer roupas, mas “graças ao exemplo da senhora Graham, estarei pronto para isso”. O comentário foi uma referência a um trecho da autobiografia da publisher do “Post”, em que ela lembra a reação de John Mitchell, procurador-geral dos EUA e chefe de campanha de Richard Nixon, à informação de que jornalistas do “Post” tinham uma história que lhe traria problemas: “Katie Graham vai ter as tetas prensadas em uma máquina de espremer roupas se isso for publicado”.
Segundo analistas, a venda é consistente com a tendência de pessoas ricas comprarem jornais de companhias abertas que estão tendo cada vez mais dificuldades em justificar suas operações impressas aos investidores. A participação de 18,9% de Bezos na Amazon está avaliada em quase US$ 26 bilhões, e ele tornou-se um filantropo ilustre.
Operações ecléticas
Allen Weiner, da consultoria Gartner, disse que o “The Washington Post” é um “ativo subvalorizado”, acrescentando que Bezos poderá encontrar uma abrangência maior para sua cobertura política. Weiner afirmou, porém, que Bezos começou a Amazon em um “terreno vazio”, enquanto o “Post” tem “muita história e bagagem”.
A The Washington Post Company também observou na segunda-feira que desde 2007 se descreve como “uma empresa de educação e mídia”, com os jornais em uma posição secundária em relação aos negócios de treinamento e preparação para exames da Kaplan, empresa adquirida em 1984. A família Graham vinha tentando reduzir a dependência da companhia do setor editorial há anos e em 2010 vendeu a revista “Newsweek” para Sidney Harman, empresário do setor de equipamentos de áudio.
A “Newsweek”, que não tem mais edição em papel, foi vendida no fim de semana para a editora do “International Business Times”. A The Washington Post Company, que no ano passado diversificou suas operações para áreas tão ecléticas como cuidados com doentes terminais e controles industriais, vai mudar seu nome 60 dias após a venda do “Post”.
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James Politi e Andrew Edgecliffe-Johnson, do Financial Times, em Washington e Nova York