Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Fogo cruzado da guerra cambial

‘Guerra cambial’ foi a expressão usada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Há quem discorde, há quem aceite essa descrição, mas um ponto é inegável: há uma enorme desordem nos mercados de câmbio e o Brasil é um dos países mais prejudicados. Este foi um dos grandes temas da imprensa na semana antes das eleições. Na quinta-feira (30/9), o dólar chegou a R$ 1,69, a menor cotação desde as semanas anteriores à quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, marco inicial da pior fase da crise.

Na segunda-feira (27), o ministro Mantega havia prometido ação enérgica para conter a valorização do real – um pesadelo não só para os exportadores, mas também para os empresários expostos à concorrência estrangeira no mercado interno. O governo, segundo ele, continuará comprando dólares, para conter a sobrevalorização do real, e poderá aplicar medidas para frear o ingresso de capitais de curto prazo. Não falta arsenal para isso, de acordo com o ministro.

No dia seguinte, em Londres, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, fez declarações semelhantes, mas sem usar a palavra ‘guerra’. Admitiu, como o ministro, a hipótese de usar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para evitar o excesso de dólares no mercado brasileiro. Mas uma parte de suas palavras permaneceu misteriosa para os leitores. ‘O Brasil não pode pagar o preço’ dos desequilíbrios internacionais, segundo um dos jornais. ‘O Brasil não vai pagar o preço’, segundo outro, São duas declarações bem diferentes: a segunda, bem mais forte, indica uma promessa de ação. Qual seria?

Ações coordenadas

Parte do material publicado durante a semana explorou o arsenal mencionado pelo ministro da Fazenda. O Fundo Soberano, com cerca de R$ 18 bilhões, é insuficiente para isso, apesar do otimismo exibido pelo ministro Mantega em várias ocasiões. A insuficiência dos R$ 18 bilhões já havia sido mostrada na semana anterior. No sábado (2/10), o Estado de S. Paulo retomou o assunto. Só com uma nova lei, ou com uma nova medida provisória, o Tesouro poderá emitir mais títulos para suprir o Fundo. Por enquanto, essa parte do arsenal continua fraquinha.

Mas há outras limitações à ação no mercado de câmbio, também lembradas em matéria do Estadão na edição de sexta-feira (1/10). O país precisará de recursos externos para grandes investimentos nos próximos anos. Se esses capitais entrarem, pressionarão o dólar para baixo e o problema não será resolvido. No máximo, será possível atenuar a instabilidade cambial.

Enquanto isso, as empresas tentam adaptar-se como podem à nova situação. Na edição de sexta-feira (1/10), o Valor mostrou algumas linhas de ação. Quem tem margem para isso aumenta os preços de exportação – uma saída obviamente limitada e inacessível à maior parte dos exportadores.

Muitos empresários aumentam a importação de insumos. Usar insumos estrangeiros é uma solução normal, na maior parte das economias abertas, porque nenhum país produz com eficiência todas as matérias primas e todos os bens intermediários. Mas o problema brasileiro é principalmente cambial, neste momento, e não de eficiência comparativa. Portanto, as soluções descritas são apenas meios de contornar o problema. A reportagem tem o mérito especial de mostrar o lado de dentro das empresas, nesse esforço de adaptação.

Todas as matérias sobre as declarações de Mantega e de Meirelles incluíram referências à instabilidade geral nos mercados de câmbio. Citaram a política chinesa de manutenção do yuan depreciado e a complacência do governo americano diante da desvalorização do dólar. Mencionaram, também, as pressões para valorização do iene. Além disso, transcreveram as palavras do ministro da Fazenda e do presidente do BC sobre a necessidade de ações coordenadas – um assunto para o Grupo dos 20 (G-20). Mas nenhum dos grandes jornais, pelo menos até sábado (2/10), deu uma arrumação geral na parte internacional dessa cobertura. 

Custo Brasil

Um complemento óbvio seria uma boa matéria sobre o mercado internacional de câmbio, com um quadro da evolução das principais moedas nos últimos – por exemplo – doze meses. Seria essencial um resumo das discussões entre os governos dos Estados Unidos, da União Europeia, da China e do Japão. O objetivo da matéria seria situar o leitor diante do quadro mais amplo. O desajuste do real, hoje supervalorizado, não decorre de um problema estritamente brasileiro. Isso tem sido dito por muitas pessoas. Como o desarranjo é global, ações de âmbito nacional devem ter efeito limitado.

Mas o poder de competição dos produtores brasileiros não é prejudicado só pelo câmbio. Há o famoso ‘custo Brasil’, formado por uma porção de componentes, com destaque para a tributação de baixa qualidade. Se uma parcela razoável desse custo fosse eliminada, isso afetaria o nível de câmbio adequado à economia nacional.

Alguém tentou calcular esse efeito? Não é hora de ir propor o assunto aos economistas das grandes entidades empresariais?

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Jornalista