LUTO
Morre aos 72 ex-senador Artur da Távola
‘O jornalista e ex-senador Artur da Távola, 72, -pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros, um dos pioneiros da crítica televisiva em jornal e um dos fundadores do PSDB- morreu ontem por volta das 14h em sua casa no Leblon, zona sul do Rio. Ele sofria de problemas cardíacos, que o obrigaram a implantar um marcapasso.
O velório será realizado a partir das 9h na Assembléia Legislativa, no centro do Rio, e o enterro está previsto para as 16h, no cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul.
Távola, que presidia a rádio Roquette Pinto, do governo do Rio, começou a ter problemas de saúde em 2004. Foi internado algumas vezes e se tratava em casa nos últimos meses. Ontem, ao sofrer uma parada cardíaca em casa, familiares tentaram, sem sucesso, reanimá-lo com um desfibrilador.
Ele deixa a mulher Mírian Ripper Nogueira Lobo, três filhos -que teve com a primeira mulher, Ana Cristina Teixeira- e três netos.
‘Íntegro, generoso, equilibrado, inteligente, bem preparado, comprometido com boas idéias e boas causas. Perdi um amigo íntimo e sábio’, afirmou em nota o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), com quem Távola morou durante exílio no Chile.
O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), decretou luto oficial e lamentou a perda ‘por tudo o que o senador representou em termo éticos, morais e de qualidade intelectual’.
O ex-governador do Rio Marcello Alencar (PSDB) disse que Távola ‘deixa uma lição de comportamento ético, qualidade que hoje merece exaltação’.
O ex-deputado Vladimir Palmeira (PT) classificou Távola como ‘uma grande pessoa’.
Após o golpe militar (1964), Paulo Alberto teve o mandato e os direitos políticos cassados, o que o levou ao exílio na Bolívia e no Chile. Retornou em 1968 e foi convidado pelo jornalista Samuel Wainer a escrever uma coluna sobre televisão no jornal ‘Última Hora’.
Como seus direitos políticos ainda estava cassados, assinava sob o pseudônimo de Artur da Távola, nome inspirado na lenda inglesa sobre um rei da Idade Média que reunia seus maiores guerreiros em torno de uma mesa no seu castelo.
‘Ele foi a primeira pessoa a escrever a sério sobre TV. Era muito estudioso, tratava o tema com rigor e profundidade’, disse o escritor e jornalista Nelson Motta, colunista da Folha.
Por 15 anos, a partir de 1972, escreveu uma crítica diária sobre TV para o jornal ‘O Globo’. Atualmente escrevia crônicas para o jornal ‘O Dia’, que resultaram em uma compilação que foi seu último livro, ‘A Mulher é Amar’ (2006).
‘Entre seus inúmeros méritos, conseguiu ser político sem ser corrupto e escrever sobre TV com seriedade. Vai ser difícil viver sem ele’, disse o autor de novelas Gilberto Braga.
‘Paulo Alberto foi o melhor crítico que a TV brasileira já teve. Escreveu crônicas e poemas que deixavam as mulheres apaixonadas. Foi um deputado com responsabilidade social e autoridade política grande. Quer dizer, um sujeito completo’, disse José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, empresário e ex-vice-presidente de operações da TV Globo.’
Luiz Fernando Vianna
Político foi bombeiro e incendiário
‘Artur da Távola alternou, ao longo da vida, os papéis de bombeiro e incendiário. Embora o primeiro tenha lhe rendido mais glórias, não pode ser descolado do segundo.
A militância na faculdade de direito o jogou na política. Ainda como Paulo Alberto Monteiro de Barros, elegeu-se duas vezes deputado estadual no Rio, no início dos anos 60.
Listado entre os incendiários, foi cassado pelo golpe de 64 e exilou-se. Ele, que tivera um programa na TV Tupi sobre assuntos universitários, acabou diretor do canal da Universidade do Chile como solução para uma briga entre duas vertentes.
‘Liberado’ pelo regime militar para voltar, estreou em 1968 na ‘Última Hora’, sob o codinome que o tornaria popular, a primeira coluna de ‘crônicas’ sobre TV (‘não sou nem quero ser crítico de televisão’, dizia) da imprensa brasileira.
Publicou livros de gêneros variados, como contos (‘Leilão de Mim’) e crônicas (‘Mevitevendo’).
Com a redemocratização, voltou à militância. Disputou eleições pelo PMDB e, depois, pelo PSDB, que fundou.
Exerceu dois mandatos de deputado federal e um de senador, mas também perdeu muitas brigas internas nestas duas últimas décadas. Entre elas, a vaga tucana (para o hoje governador Sérgio Cabral Filho) na disputa pela Prefeitura do Rio em 1996 e o debate pelos rumos ideológicos no PSDB no início do segundo governo Fernando Henrique, em 1999. ‘Não quero acabar minha modesta história na direita’, disse, então.
Incendiário, rompeu com o partido nas duas vezes, mas voltou para assumir funções de bombeiro, como a de presidente da sigla, em 1995, após a renúncia de Pimenta da Veiga, e a liderança do governo no Senado, em 2002.’
DOSSIÊ
‘Conspiracionismo’
‘SÃO PAULO – O governo, como antecipou o presidente Lula, vai dizer, até o fim dos tempos, que o dossiê sobre os gastos do casal Fernando Henrique/Ruth Cardoso não é dossiê, mas banco de dados.
OK. Você pode chamar urubu de meu louro a vida toda, mas urubu continuará sendo urubu, e uma papelada que tem cara de dossiê, focinho de dossiê, jeitos e trejeitos de dossiê continuará sendo dossiê.
Agora descobre-se que o autor final da papelada é José Aparecido Nunes Pires, um petista antigo, funcionário da Casa Civil, à qual foi levado por José Dirceu, notório adepto de conspirações.
A sabedoria convencional manda dizer que José Aparecido ou agiu a mando de alguém graduado ou se precipitou numa conspiração própria, típica do lulo-petismo desde que chegou ao poder. Sempre que há alguma acusação contra funcionários do governo e/ou do partido, a reação do lulo-petismo não é dizer-se inocente, mas contra-atacar acusando os outros.
Típica dessa cultura foi a reação de Lula ao mensalão, ao dizer que ‘o PT fez o que todo mundo faz’. Nenhuma palavra para condenar o que todo mundo faz, que, no caso, é caixa dois, ‘coisa de bandido’, segundo o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
Agora, o problema foram as denúncias (comprovadas) de que funcionários graduados do governo Lula haviam usado cartões corporativos para gastos ou indevidos ou exóticos. Reação inevitável de algum palaciano: vamos demonstrar que eles ‘fizeram o que todo mundo faz’, para o que era preciso montar um dossiê sobre gastos esquisitos do governo anterior.
Não seria mais honesto que, em vez desse ‘conspiracionismo’ estúpido, fossem tomadas providências para que funcionários do presente governo não fizessem o que eles dizem que todo mundo faz?’
Melchiades Filho
Aprecie com moderação
‘BRASÍLIA – A cara de tacho do senador Agripino Maia ficou para a história. A lição de moral de Dilma Rousseff, sobre o direito de mentir na ditadura e o dever cívico de falar só a verdade na democracia, não.
Sabe-se agora que, quando falou ao Senado, a ministra estava ciente das conclusões da Polícia Federal e da sindicância interna. A planilha de 28 páginas com uma edição comentada de gastos de FH e Ruth Cardoso havia sido encontrada. Estava na lixeira de um computador da Casa Civil. Tinha sido produzida no Planalto, conforme antecipado pela Folha, e de lá sido vazada para a oposição, por e-mail, por um servidor do ministério ligado ao PT.
Na quarta-feira, porém, Dilma aplicava o sermão e repetia: ‘Não há dossiê, há banco de dados’.
A quem já perdeu a paciência ou não põe fé neste escândalo de uso político de recursos do Estado pela Casa Civil, recomenda-se outro, distinto na natureza, mas similar na condução nada transparente.
Depois de quatro anos de debates, o governo lançou em 2007 a Política Nacional do Álcool, com o objetivo de reduzir o consumo de bebidas, suas conseqüências para a saúde e sua associação com a criminalidade. Mandou ao Congresso um corajoso projeto de lei para regulamentar a propaganda e incluir a cerveja na lista da fiscalização.
De cara, surgiu a suspeita de que tudo não passava de um blefe para manter nas cordas as emissoras de TV, que perderiam muita receita com a mudança. O Planalto rebateu. Afirmou que era sincero o compromisso de ‘proteger a população’ e empenhou a palavra em cartilha enviada aos deputados.
Na quarta-feira, quando enfim a proposta entrou na pauta de votação da Câmara (e Dilma dava o baile no Senado), o QG político do governo avisou que desistia do pedido de urgência. O projeto que incomodava as TVs foi jogado na vala comum das centenas que se arrastam no Legislativo, praticamente sepultando suas chances de aprovação.’
RONALDO E OS TRAVESTIS
Psicanálise de galinheiro
‘RIO DE JANEIRO – Nelson Rodrigues dizia que, se todos conhecessem a vida sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém. Isso é Freud na veia -embora seja certo que Nelson chegou a tal conclusão mais por conta própria do que pela leitura de Freud, cujos livros só conhecia pela rama.
Sua frase vem a propósito dos milhares de pessoas que levaram os últimos dez dias se esbaldando em piadas sobre o mau passo dado por Ronaldo Fenômeno com os travestis que, na sua versão, ele imaginava mulheres. Supõe-se que esses piadistas levem uma vida sexual acima de qualquer suspeita -ou não estariam apenas atribuindo ao jogador certas fantasias que carregam consigo e escondem até de si mesmos?
Não é incomum que celebridades como Ronaldo, com dinheiro a rodo, um poder quase inimaginável e acesso a praticamente qualquer mulher que desejem, sejam acometidas de um tédio profundo nesse departamento -porque, para ter essa mulher, basta-lhes levantar um dedo, se tanto. Um aspone se encarregará do contato, do carreto e das despesas de produção. Ao herói, bastará o desempenho no leito. Mas até quando ele continuará a ser um herói para si mesmo?
Aconteceu em 1995 com o astro Hugh Grant, flagrado pela polícia numa cena de sexo oral com uma prostituta num carro estacionado em Los Angeles. Por que Grant, então com 35 anos e no auge da carreira, teria de pagar para fazer sexo? Porque, às vezes, a excitação pode estar em rebaixar-se.
Cansado das mulheres deslumbrantes que, desde os seus 19 anos, se atiraram em seu caminho e em sua cama, Ronaldo teria sentido uma nostalgia por algo que nunca experimentou: o mergulho no ‘bas-fond’. Talvez só não o imaginasse tão baixo. É uma teoria. Mas, como também diria Nelson, isso é pura psicanálise de galinheiro.’
TELEVISÃO
A invasão das câmeras
‘A EQUIPE DE TV chegou à casa de Agostinho dos Santos antes que a família soubesse da morte do cantor, vítima do desastre aéreo no aeroporto de Orly, em Paris, em 1973. Diante da câmera, a filha cantarolou sucessos do pai, antes de a repórter lhe transmitir a notícia e gravar o seu desespero. Um abuso indesculpável.
Anos depois, a televisão estimularia a disputa de audiência no período da tarde com programas do tipo ‘mundo cão’. Repórteres pegavam carona em viaturas policiais e era comum a polícia chutar a porta do barraco e, a câmera de TV, cúmplice, acompanhar a invasão.
Nessa época, os grandes jornais paulistas mantinham certa ‘assepsia’: a violência e o crime eram reservados aos chamados jornais populares. Demorou para que a imprensa de São Paulo, ao contrário da carioca, estampasse nas primeiras páginas dramas diários da população, dos problemas com transporte às chacinas. A violência disseminada (ou o apelo ao leitor) eliminou essas diferenças.
Um diálogo registrado no livro ‘Mídia e Violência’ confirma como estamos distantes de certo tipo de reportagem policial: ‘Eu peguei o tempo em que o policial batia no preso e o repórter não falava nada’, comenta um jornalista. Outro, mais velho, replica: ‘E eu peguei o tempo em que o repórter batia no preso’. O livro, publicado pela Universidade Cândido Mendes, concluiu que a cobertura melhorou, mas ainda tem muito a avançar.
Os veículos de comunicação estão mais cautelosos depois da Escola Base -que virou um ‘carimbo’, usado por suspeitos na Justiça para tentar desqualificar apurações jornalísticas. Mas o ‘Caso Isabella’ pôs novamente à prova os limites entre o interesse público e o sensacionalismo. Não tenho dúvidas de que houve excessos.
Entre um caso e outro, a tecnologia permitiu um jornalismo mais ‘invasivo’ -para o bem e para o mal. Denúncias a partir de filmagens com câmera oculta geraram escândalos como o do mensalão.
Pessoas comuns, com câmeras portáteis, documentaram violências policiais como a da Favela Naval. O portador de celular com câmera virou repórter na internet.
Num outro plano, analisando-se a partir do cidadão, as primeiras câmeras instaladas em áreas públicas, locais de trabalho e prédios residenciais despertaram o sentimento de privacidade violada. Com o avanço da criminalidade, esse aparato invasor tornou-se útil equipamento de segurança para inibir ou comprovar agressões, um recurso para solucionar crimes.
Hoje, desconfio que os leitores assustados com a enxurrada de notícias sobre violência, e desprotegidos diante dos limites da ação preventiva da polícia, devem sentir certo alívio ao ler o aviso bobo: ‘Sorria, você está sendo filmado!’.
FREDERICO VASCONCELOS é repórter especial.’
Folha de S. Paulo
BBC devolve dinheiro retido por engano
‘A BBC foi obrigada a pedir desculpas por ter-se apoderado involuntariamente de 106 mil libras esterlinas (R$ 350 mil), destinadas a instituições de caridade por telespectadores que, por telefone, participaram de votações em determinados programas.
O presidente do órgão interno de controle, Michael Lyons, disse que a quantia já foi encaminhada a seus destinatários. A anomalia foi provocada por defeito de um programa de computador e afetou 1,3% do dinheiro assim recolhido pela emissora.
Com agências internacionais’
Paulo Sampaio
Programa mostra busca por entrevistado ‘difícil’
‘‘Procurando Quem?’, programa em episódios do Canal Brasil, é sobre aquilo que um repórter pode passar para conseguir chegar a um personagem que pretende entrevistar -com uma boa dose de fantasia. Em 25 minutos, o roteirista Rodrigo Bittencourt vai atrás de figuras como João Gilberto, Elza Soares, Cacá Diegues e Moraes Moreira, entre outros.
A idéia surgiu em 2007, quando Bittencourt, 31, tentou entrevistar o músico Jorge Mautner e acabou transformando sua saga em curta-metragem. ‘Como não conseguia arranjar uma brecha na agenda dele, fui para a rua atrás de gente que me desse dicas para encontrá-lo. Conversei com amigos de Mautner, e eles me contaram histórias que me ajudaram a compor o documentário’, diz.
Bittencourt fez tudo em produção independente. Um dia, levou o filme à produtora de cinema Mariza Leão (‘Meu Nome Não É Johnny’), que o encaminhou ao Canal Brasil.
Segundo ela, a entrevista é marcada de um jeito que ‘a pessoa leva um susto’. ‘Em alguns casos, encenamos uma ficção para mostrar como se chegou ao personagem. Em outros, como no do João Gilberto, nunca chega.’
Em ‘Procurando…’, o ator Jefferson Oliveira, 35, é uma espécie de deus ex-machina, que aparece para resolver impasses que surgem no caminho de Bittencourt. Oliveira o ajuda a chegar no personagem, interpretando papéis que têm a ver com o programa, como um mendigo ou um xamã.
‘A ficção é importante porque o tom do programa vem disso’, diz Mariza Leão. Entre os ‘coadjuvantes’ que ajudam Bittencourt e equipe a chegar aos personagens estão Toni Garrido (que fala de Cacá Diegues); Regina Casé, Louise Cardoso e Letícia Spiller (que dão dicas e contam histórias sobre o dramaturgo Hamilton Vaz Pereira); além do cronista Affonso Romano de Sant’Anna, o cartunista Ziraldo e o poeta Ferreira Gullar.
PROCURANDO QUEM?
Quando: terça-feira, às 21h
Onde: Canal Brasil’
Lúcia Valentim Rodrigues
Documentário faz bebês chorarem
‘Frágeis e… cabeçudos. Essas duas características permeiam todo o documentário ‘Bebês: O Primeiro Ano de Vida’, produzido pelo National Geographic. Eles são os seres mais indefesos do mundo. Um bezerro, por exemplo, logo se levanta e ganha alguma autonomia. Já os pequenos humanos nem sabem rolar. Levantar a cabeça, então, ainda vai levar meses.
A cabeça, aliás, toma boa parte do filme, porque o cérebro cresce após o nascimento numa medida assustadora: vai dobrar de tamanho nos primeiros 12 meses. Como tem de passar por um canal estreito, a cabeça não se desenvolve totalmente, e o bebê vai precisar de reflexos e cuidados para sobreviver.
Cheio de choros estridentes, às vezes provocados propositalmente, o programa irrita quando carrega nas tintas dramáticas, seja na trilha, seja na expressão aflita dos pais. Para quem é mãe, o especial traz só uma novidade: estudos indicam que as crianças sabem matemática nos primeiros meses. Uma pesquisadora soma coisas diante de um bebê, enquanto ele se entedia. Quando algo errado ocorre, como sumir um dos objetos, a expressão muda, mostrando assombro. Pena que isso não dure até a escola.
BEBÊS: O PRIMEIRO ANO DE VIDA
Quando: estréia amanhã, às 22h
Onde: National Geographic’
CERVEJA
Ricardo Westin
Em 7 anos, quintuplica o valor investido em publicidade pela indústria da cerveja
‘Em sete anos, os fabricantes brasileiros de cerveja quintuplicaram seus investimentos em publicidade. As cifras saltaram de R$ 180,4 milhões em 2000 para R$ 961,7 milhões em 2007, de acordo com o Ibope.
Na quarta passada, o governo retirou o caráter de urgência de um projeto de lei em análise pela Câmara que proíbe a veiculação da propaganda de bebidas alcoólicas no rádio e na televisão entre as 6h e as 21h.
O projeto deixou de ter urgência por causa do lobby dos fabricantes de cerveja, das agências de publicidade e das emissoras de TV.
No terceiro trimestre de 2007, as TVs receberam 81% das verbas publicitárias da indústria da cerveja. O resto foi dividido entre revistas, jornais, rádios, outdoors e cinemas.
A Abert (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) não soube informar qual é a participação da cerveja na publicidade total veiculada pelas emissoras.
Apesar do aumento dos investimentos, o consumo não se alterou ao longo dos anos. Segundo o Ibope, manteve-se estável em cerca de 40% o índice da população que bebeu cerveja em algum momento nos sete dias que antecederam as entrevistas feitas pelo instituto.
O aumento dos gastos se explica pela tentativa de uma marca de atrair os consumidores das concorrentes. O Sindicato da Indústria de Cerveja afirmou que a briga se acirrou em 2003, com a chegada da Nova Schin ao mercado.
Em 2000, as cervejas haviam sido a 25ª categoria que mais investiu em publicidade no país. Em 2007, já eram a 11ª.’
Angela Pinho e Maria Clara Cabral
Cervejarias doaram R$ 2 mi a deputados
‘Praticamente um em cada cinco deputados federais está ligado a empresas com interesses contrários à regulamentação da publicidade de cerveja. Dos 513 parlamentares, 87 têm concessões de rádio e televisão e/ou receberam doações de campanha da indústria de bebidas e de comunicação.
Nesta semana, o projeto que restringe a propaganda de bebidas com baixo teor alcoólico, inclusive a cerveja, entre as 6h e as 21h em rádio e televisão, foi retirado da pauta de votações da Câmara, a pedido do governo, após resistência de líderes partidários.
Há mais de um mês, representantes da indústria de cerveja e de emissoras de rádio e TV vão ao Congresso quase diariamente para fazer lobby pela derrubada da proposta -bandeira do ministro José Gomes Temporão (Saúde).
Levantamento feito pela Folha a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostra que 33 deputados eleitos tiveram parte da campanha eleitoral de 2006 financiada pela indústria de cerveja. Eles receberam R$ 2.130.120.
As maiores doadoras foram a Schincariol e a Fratelli Vita, controlada pela AmBev, dona de marcas como Brahma e Antarctica. No ano passado, o PT também recebeu R$ 375 mil da cervejaria Petrópolis.
Ao menos seis deputados receberam doações de empresas de rádio e televisão. O valor recebido é menor: R$ 23.695. Além disso, segundo a ONG Transparência Brasil, 57 parlamentares detêm concessões de rádio e televisão.
Entre eles, estão dois líderes partidários, cujas orientações, em tese, têm de ser seguidas pela bancada. Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) comanda a maior bancada da Câmara, com 89 deputados. Ele detém concessões em Jardim do Seridó, João Câmara, Mossoró e Natal (RN). Luciano Castro, líder do PR, também tem concessão em Boa Vista (RR). A lista de donos de concessões não inclui o líder do DEM Antônio Carlos Magalhães Neto (BA), cuja família é dona da TV Bahia.
Segundo a Abert (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), que tem como associadas as principais emissoras, a empresas de cerveja estão entre os quatro maiores anunciantes da televisão e entre os dez maiores do rádio.
O deputado Hugo Leal (PSC-RJ), autor de um relatório favorável à restrição da propaganda, afirma que foi procurado diversas vezes por lobistas contrários ao projeto. Em sua opinião, é muito difícil que a proposta seja aprovada no Congresso devido ao interesse pessoal dos próprios parlamentares no tema. ‘Isso é um absurdo, até lamentável.’
O projeto foi enviado pelo Executivo no início do ano em regime de urgência, ou seja, com prioridade na pauta da Câmara. Na quarta, em reunião com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, a maioria dos líderes partidários defendeu o adiamento da votação.
Anteontem, no final do dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou requerimento retirando o caráter de urgência. O presidente da Câmara prometeu colocar o projeto em votação em junho. A justificativa dos líderes para o adiamento é que a idéia precisava de mais discussão, embora admitam a existência de interesses econômicos na questão.
Colaborou JOHANNA NUBLAT’
Representantes de TVs admitem lobby; deputados negam influência do setor
‘Representantes das emissoras de televisão admitem ter feito lobby no Congresso para o adiamento da votação do projeto que restringe a propaganda de cerveja. Os deputados, por sua vez, negam ter sucumbido a interesses econômicos.
‘A Abert conversou com lideranças tentando mostrar que precisamos de mais conversas. A nossa posição é que a publicidade não é a responsável pela dezena de acidentes que acontecem’, disse o diretor da Abert, Flávio Cavalcanti Júnior. Ele disse que conversou no último mês com líderes partidários e com os ‘principais deputados’. É ‘natural’, diz.
A Schincariol não quis comentar o assunto. A AmBev não se manifestou.
O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, diz que o fato de ter concessões de radiodifusão no Rio Grande do Norte não influenciou a sua posição favorável ao adiamento da votação nem irá interferir no seu voto.
Por outro lado, ele diz que é contra a proposta do governo, ainda que defenda mudanças na lei. ‘Acho um exagero. Podemos achar maneiras de conciliar, porque tem muitos eventos patrocinados por essa área, e isso não é culpa das tragédias que vemos nas estradas.’
A Folha também procurou os seis deputados com mais doações da indústria de cerveja em 2006. Paulo Renato Souza (PSDB-SP), que recebeu R$ 80 mil da Fratelli Vita -controlada pela AmBev- diz que ‘não vende idéia e sempre votou de acordo com suas convicções’.
Olavo Calheiros (PMDB-AL) não quis falar. A assessoria do deputado João Paulo Cunha disse que ele estava incomunicável no interior. Também procurados no final da tarde, Renildo Calheiros, Alexandre Santos e Carlos Alberto Leréia não foram localizados.’
Ricardo Westin
Regras do Conar são desrespeitadas, diz estudo
‘Um estudo realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostra que as propagandas de cerveja veiculadas na TV não respeitam várias determinações do código de auto-regulamentação da publicidade do Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária).
As propagandas, de acordo com o estudo, têm apelo imperativo ao consumo, despertam a atenção de crianças e adolescentes, mostram pessoas que aparentam ter menos de 25 anos, exploram o erotismo, não são veiculadas apenas em programas de TV destinados ao público adulto e mostram a cerveja relacionada ao sucesso profissional, social ou sexual.
Das 16 regras do Conar avaliadas na pesquisa, 12 foram desrespeitadas.
‘A auto-regulamentação não serve para absolutamente nada’, diz a psicóloga Ilana Pinsky. Ela foi a orientadora do advogado Alan Vendrame em seu trabalho de mestrado no Departamento de Psiquiatria da Unifesp. A pesquisa foi financiada pela Fapesp (entidade do governo paulista que fomenta pesquisas científicas).
O estudo contou com a participação de 282 estudantes do ensino médio de escolas públicas de São Bernardo do Campo, no Grande ABC. Suas idades variavam de 14 a 17 anos -portanto, não podiam consumir bebida alcoólica.
Esses adolescentes assistiram a 33 propagandas de cerveja veiculadas na televisão durante a Copa do Mundo de 2006. Eles escolheram as cinco que, na opinião deles, foram as melhores.
Em seguida, os pesquisadores entregaram um questionário aos estudantes, com perguntas relacionando as propagandas às normas do Conar. Os adolescentes não sabiam qual era o propósito do estudo.
Os pesquisadores usaram as impressões dos jovens para concluir que as cervejarias não respeitam as normas de auto-regulamentação.
‘Os jovens são maciçamente bombardeados por uma série de propagandas de cerveja na televisão, de manhã, à tarde e à noite. Diversos estudos mostram que a propaganda tem efeito na tomada da decisão do consumo’, afirma Ilana Pinsky.
Na quarta-feira passada, o governo retirou a urgência de um projeto de lei em análise pela Câmara dos Deputados que proíbe a veiculação de anúncios de bebidas alcoólicas no rádio e na televisão das 6h às 21h.
O projeto perdeu a prioridade, segundo deputados, por causa da pressão dos fabricantes de cerveja, das agências de publicidade e das emissoras de rádio e televisão. Agora, sem o status de urgência, o texto pode levar anos para ser votado.
Dentro do governo federal, a aprovação era aguardada com ansiedade principalmente pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A decisão foi criticada por diversas entidades, como o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Um abaixo-assinado com cerca de 600 mil nomes foi levado ao Congresso pedindo que o projeto de lei fosse aprovado.
O Cremesp afirmou que, por causa do álcool, ‘famílias continuarão sendo dizimadas, a violência doméstica continuará sendo freqüente e o Brasil seguirá como o campeão em acidentes automobilísticos’.
Outra preocupação é o fato de as pessoas começarem a beber cada vez mais jovens. A pesquisa da Unifesp apresentou outro questionário aos adolescentes. A idade média do primeiro consumo de bebida alcoólica, no caso dos 67% que já haviam bebido, foi de apenas 13,8 anos. No Brasil, a venda de álcool a menores de 18 anos é expressamente proibida.
Enquanto em diversos países do mundo a propaganda de bebidas alcoólicas é limitada por lei, em outros, como o Brasil, o mercado de publicidade é auto-regulado.
O Conar é uma ONG (organização não-governamental) formada por 180 conselheiros, entre profissionais de publicidade e representantes da sociedade civil, que tem por objetivo fazer valer o código de auto-regulamentação publicitária.
A pesquisa mostrou, no entanto, que regras como a que proíbe relacionar o álcool à direção foram respeitadas.’
Sindicato da cerveja diz ter feito ajustes
‘O Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) foi procurado pela Folha para comentar a pesquisa da Unifesp e informou que seus dirigentes estavam em viagem e não poderiam dar entrevista.
Um funcionário do Conar, porém, afirmou que vários anúncios de cerveja foram julgados e que alguns foram ‘condenados’ a sair do ar.
O Sindicato da Indústria de Cerveja afirmou que as propagandas têm sofrido alterações nos últimos anos. ‘Certas questões, como a imagem da mulher e o erotismo, foram ajustadas’, disse Marcos Mesquita, superintendente do sindicato.
Ele afirmou ainda que as frases de advertência sobre o consumo excessivo estão sendo ‘mais explícitas e caracterizadas’.
Mesquita, porém, contesta o argumento de que a propaganda desperta o desejo de beber. ‘Veja as propagandas de carro. Elas têm toda a questão do conforto, da velocidade, da imagem de poder… As crianças e os adolescentes adoram, mas não significa que vão comprar e sair por aí dirigindo.’’
LEITURA MODERNA
‘Leitor atual não está mais isolado’
‘Você não consegue se concentrar muito tempo numa leitura? Quando entra na internet, abre várias telas ao mesmo tempo e muda a direção de sua atenção freqüentemente? Não se desespere. O fato de estar divagando entre diferentes universos não é necessariamente algo ruim. Para o escritor argentino Ricardo Piglia, 66, trata-se apenas de um novo momento da ‘experiência da leitura’. Situação cujas conseqüências, porém, ainda desconhecemos.
De passagem pela Argentina, onde abriu a 34ª Feria Internacional del Libro (que vai até a próxima segunda-feira, dia 12), o professor de literatura de Princeton disse que o leitor que assume a interrupção como parte da narrativa já foi antecipado por seu conterrâneo Macedonio Fernández (1874-1952), considerado principal inspirador de Jorge Luiz Borges (1899-1986), com o conceito de ‘lector salteado’ -um leitor intermitente, que pula de um assunto para outro ou se dispersa facilmente.
Leia trechos da entrevista que Piglia deu à Folha em sua casa, em Buenos Aires, onde passa parte do ano, quando está de férias de suas temporadas de aulas nos EUA.
FOLHA – O sr. diz que Macedonio Fernández teria antecipado a idéia de um leitor que é obrigado a assumir a interrupção como parte da leitura. Ele adiantou o que é nosso hábito hoje?
RICARDO PIGLIA – O conceito de ‘lector salteado’ foi criado por Macedonio nos anos 20, em um livro chamado ‘Museo de la Novela de la Eterna’. Ali, estabelece uma série de categorias de leitores. Entre eles, está o ‘lector salteado’. É um retrato do leitor atual, que já não é aquele que está isolado, concentrado e lutando contra a interrupção. Mas sim que entra e sai do texto, se move, interage com o que está ao redor, vai de um livro a outro ou a outros textos mais rápidos que lhe surgem pela internet. É um leitor que assume a interrupção como parte da narrativa. Macedonio captou o processo que ia se desenvolver e que levaria à fragmentação da experiência da leitura, que supõe um corte com a lógica linear da significação. Isso não seria algo negativo, a princípio, mas um novo tipo de situação de leitura.
FOLHA – Esse novo panorama seria mais receptivo a formatos clássicos da literatura latino-americana, como o conto?
PIGLIA – Sim, pode haver essa tendência. Não acho que formas e técnicas anulam as anteriores, e é claro que os romances tradicionais continuarão sendo lidos. Mas é provável que o conto tenha uma dinâmica mais conectada com essa mecânica de viragem rápida da significação que é oferecida por meios como a internet. Sobretudo quando se leva em consideração a cena que rodeia a leitura. É muito comum hoje que alguém leia enquanto a televisão está ligada e se está esperando e-mails, por exemplo.
FOLHA – A poesia também parece se ajustar bem à velocidade do trânsito de textos pela internet. Os poetas perceberão isso?
PIGLIA – Sim, poesia e internet têm tudo a ver, mas hoje ainda parecem antagônicos, pois os poetas não descobriram que podem usar essa dinâmica. Porém, a internet oferece mensagens em várias temporalidades, o que provoca uma disputa pela eficácia do significado. Enquanto o mundo da imagem está em primeiro plano, porque tem a faculdade de acelerar a complexidade e a aceleração da informação, a leitura sempre vai supor uma pausa para um deciframento mais pessoal. Hoje o acesso a uma quantidade imensa de textos foi facilitada, mas o momento da leitura tem uma temporalidade que depende do comportamento do homem. Ela tem um tempo próprio que as máquinas não podem alterar.
FOLHA – Em entrevista recente ao ‘Clarín’, o sr. disse que as letras de tango também caberiam nessa nova dimensão da leitura, mais fragmentada.
PIGLIA – Sim, porque expõem um drama que sucede em um espaço curto. Mas também creio que, apesar de ter a sobrevivência garantida, novos tangos jamais poderão causar o mesmo efeito que provocaram entre o princípio dos anos 20 e o final dos 50. Foi um fenômeno extraordinário. Lembro-me de que, quando tinha 15 anos, ia dançar no mesmo lugar que meus pais, meus tios. Eram grandes bailes populares. Pela sua dimensão, deram razão à existência de grandes orquestras e cantores, porque deles dependiam a sustentação desses eventos. As gerações não estavam separadas por culturas diferenciadas. Até que apareceu o rock. Com o jazz, deu-se algo parecido. Depois do rock, o jazz como experiência popular acabou. Tanto o jazz como o tango passaram a ser uma espécie de música para intelectuais, mais codificada. Astor Piazzolla [1921-1992], que não fazia música para dançar, é a expressão mais clara desse tipo de tango.
FOLHA – Em 2010, serão comemorados os 200 anos do início das revoluções de independência na América Latina. Quais questões acha pertinente virem à tona?
PIGLIA – Em primeiro lugar, nossa relação cultural com a Espanha, que tem uma política deliberada de presença por aqui. Hoje os escritores latino-americanos só fazem encontros em Madri ou Barcelona. E temos mais chances de êxito se os nossos livros saem por selos espanhóis. Em segundo, deveríamos ampliar nossa visão do que é o continente, incluindo áreas que costumamos esquecer, o Caribe, a América Latina de língua inglesa e, o mais grave, o Brasil, que muitas vezes vemos como um lugar à parte. A tão falada unidade latino-americana é uma questão política, que está relacionada a nossa origem comum, mas, em termos de cultura, devemos entender que o que existe são áreas distintas, como a que abriga a tradição afro-americana no Brasil, a do Rio da Prata, a da região andina e a do Caribe. Saber como se articulam essas tradições e experiências enriqueceria o modo como enxergamos a nós mesmos.
FOLHA – O sr. trabalha há algum tempo num romance sobre a Guerra das Malvinas, ‘Blanco Nocturno’, e o episódio voltou ao debate recentemente, com a efeméride de 25 anos. Como o sr. a viu na época?
PIGLIA – Foi terrível porque sentimos como a ditadura teve a capacidade de tomar uma questão que fazia parte da tradição histórica argentina e transformá-la em instrumento de propaganda. O regime conseguiu dar um sentido coletivo, ideológico e político à necessidade da guerra. Ao mesmo tempo, assistimos com assombro as conseqüências. Em Buenos Aires, sentia-se uma euforia bélica que levou consigo a esquerda e a direita, unidas num mesmo discurso nacionalista.’
Eduardo Simões
Comparação de Piglia é bem-vinda no Brasil
‘A comparação feita por Ricardo Piglia entre o ‘lector salteado’ de Macedonio Fernández e o leitor de internet é bem-vinda por três professores de departamentos de letras de três universidades brasileiras ouvidos pela Folha.
A professora Shirley Carreira, da Unigranrio (RJ), diz que, como o ‘lector salteado’, o leitor contemporâneo vasculha a internet por links para textos que ampliem seu universo de leitura, ‘ou que possam conferir a quem lê significados mais amplos, que transcendam o texto’.
Carreira, no entanto, faz uma ressalva: em princípio, a inquietude do ‘lector salteado’ aponta para formas mais breves de expressão literária, como o conto e a poesia. ‘Mas não se pode esquecer que Fernández diz ao seu leitor potencial, e salteado, que, ao acompanhá-lo na sua aventura de interrupções, em seus saltos, acabaria por tornar-se o ‘lector seguido’. Isto é, mesmo de um emaranhado de discursos diversos e desordenados, se pensarmos em ordem cronológica, por exemplo, esse leitor há de construir um sentido.’
Texto técnico
O professor Waldemar Ferreira Netto, da USP, vê a si próprio como um leitor ‘salteado’. ‘Se tenho de ler ficção, faço isso imerso em muitas leituras, como num hipertexto real, ‘extrainternético’. Logo, o ideal são histórias curtas, como contos. Romances longos não conseguem mais me prender a atenção’, diz Netto, abrindo a discussão. ‘O texto de ficção parece assumir o mesmo caráter do texto técnico, para o qual uma leitura linear não é bastante.’
O professor Biagio D’Angelo, da PUC-SP, diz que a intuição de Piglia é genial. Ele menciona ainda a herança de Fernández na obra de Borges. ‘O leitor ‘de’ Borges é uma figura especial, disponível a saltos ficcionais incríveis, assim como o leitor ‘em’ Borges, nesse caso um leitor que se perde em labirintos sem solução de continuidade e que reenviam de um livro ao outro, como na idéia de internet à qual estamos acostumados.’’
PLÁGIO
Plágio leva L&PM a processar editora
‘Conhecida pelos títulos herdados da antiga (e renomada) coleção de clássicos da Abril Cultural, a Nova Cultural tem cada vez mais contestada sua coleção ‘Obras-Primas’, que foi vendida entre 1995 e 2002 em bancas (onde não é mais comercializada) e está à venda pela internet (nos sites www.novacultural.com.br ou www.obrasprimas.com.br).
Já são 22 os títulos em que há confirmação ou suspeita de atribuição errada dos tradutores. Entre os nomes que teriam sido omitidos em novas traduções maquiadas ou simplesmente copiadas, está Mario Quintana, como a Folha noticiou em 15/12/07.
Dois desses títulos, ‘Madame Bovary’ e ‘A Divina Comédia’, tiveram seus direitos revendidos para a editora gaúcha L&PM, em 23/1/03, que os republicou. Com prazo de cinco anos, o contrato venceu em janeiro passado. No documento, ao qual a Folha teve acesso, a Nova Cultural declara ser detentora das traduções de Enrico Corvisieri (‘Bovary’) e Fábio M. Alberti (‘Comédia’). Mas essas traduções estão sendo contestadas por especialistas, que apontam adulterações de versões de Araújo Nabuco e Hernâni Donato.
Agora, o editor da L&PM Ivan Pinheiro Machado anunciou que vai processar a Nova Cultural. ‘O prejuízo é mais moral’, afirma. Mas não é só. A L&PM mandou notificação para todas as livrarias que comercializam seus livros para que devolvessem cópias dos dois títulos em consignação, destruiu os exemplares remanescentes e providenciou novas traduções. Machado afirma que tudo será anunciado no site da editora (www.lpm.com.br). ‘Vamos divulgar com transparência o que aconteceu, informando as medidas que tomamos e quem é o autor [da tradução] verdadeiro. A gente assume que entrou numa fria.’
Machado disse que aguardava um laudo oficial ou o parecer de algum órgão de classe para adotar uma ação judicial. Mas afirmou que as evidências apontadas até agora já são suficientes. As edições da Nova Cultural foram analisadas por um grupo de tradutores que apontam os créditos incorretos nas edições.
Liderando esse grupo, um movimento ‘pela cidadania e de defesa do nosso patrimônio cultural’, está a tradutora Denise Bottman, organizadora desde dezembro passado de um movimento que já reuniu mais de 300 assinaturas de personalidades e profissionais da área. Ela reuniu no site assinado-tradutores.blogspot.com a lista das obras suspeitas e o cotejo das traduções. Ela seguiu as informações publicadas pela Folha em dezembro, além de outras denúncias que já haviam sido apontadas pelo tradutor Ivo Barroso, entre outros.
A Folha já havia denunciado casos de plágio em traduções da editora Martin Claret, em 4/ 11/ 07. E o jornal ‘O Globo’ noticiou novos casos da Nova Cultural no último dia 19/4.’
Editora diz que suspendeu as vendas
‘Procurada pela Folha, a Nova Cultural disse que determinou a retirada de circulação e venda ‘de todas as obras nas quais se constatou qualquer suspeita de problemas’. A editora disse que não foi procurada pela L&PM, mas que ‘o assunto está sendo tratado diretamente com as empresas editoras detentoras dos direitos, com as quais a Nova Cultural mantém e/ ou manteve contratos’.
A Nova Cultural diz que a equipe responsável pelo relançamento das obras já saiu da empresa há mais de três anos ‘e não existe forma de determinar quais as falhas no processo que permitiram o surgimento destes problemas’.
Segundo a editora, foi ela mesma que constatou problemas: ‘Em setembro de 2007, um editor da Nova Cultural, por acaso, ao consultar algumas das obras da coleção Obras-Primas, notou diferenças na coleção feita em 2002 contra a obra publicada em 1978. Quando colocado o problema para a diretoria, esta, de imediato, instruiu que fosse feita uma averiguação minuciosa’.’
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