Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo


TV PÚBLICA
Fernando Gabeira


Brasília teimosa


‘O GOVERNO acha que leva muita pancada da mídia. E inventou uma falsa solução para o problema: a tevê pública.


Apesar do seu pequeno exército de comunicadores, os assessores de imprensa, foi incapaz de achar uma resposta para os problemas de comunicação na crise aérea. E é incapaz, independentemente de suas idéias, de navegar, com inteligência, na grande imprensa, apesar de ter o maior espaço.


A forma que escolheu -a medida provisória-, com escasso debate e rígidos prazos, exclui uma melhor contribuição dos opositores. E, de certa forma, nega a expressão pública. A estrutura de contratados, nos primeiros 36 meses, é tão dependente do governo que pode ir para os ares com um simples espirro do presidente.


O dinheiro que pretende gastar, R$ 350 milhões, é pouco para erguer uma tevê e uma enormidade se for malbaratado. A tendência será buscar dinheiro com as empresas, concorrendo com as emissoras comerciais. É difícil resistir à persuasão de um governo. Quem duvidar desse poder, tente convencer um deputado ou senador a votar contra ele.


O dinheiro é curto, e o talento específico também. Os nomes na mesa são de comentaristas saídos das grandes tevês comerciais. Comentaristas na tevê são uma reminiscência radiofônica. Trazem sua mensagem verbal e são incapazes de interpretar o fluxo de imagens em que estamos envolvidos. Mesmo Jabor, que veio do cinema, optou, talvez por uma questão de tempo e de recurso, por um estilo teatral.


Pouco dinheiro e talento associados costumam produzir fracasso. Por que se incomodar então? O dinheiro é público e não se deve desejar o pior para o adversário. O governo precisa de um software e decidiu comprar uma geringonça. É possível que leve mais pancada ainda ao tentar resolver seu problema de forma errada.


Trabalhei em emissoras públicas. No exterior, elas contavam o dinheiro para fazer suas emissões internacionais. Na medida provisória, nem se discute isso. É uma tevê voltada para dentro, sem apoio da oposição, controlada pelo presidente da República. Lula (bad) news.


Impressionante como, em tempo de convívio, a esquerda não conseguiu entender a imprensa. Chávez fechou uma grande emissora e amarga, hoje, baixos índices de audiência com seu projeto. A divergência não é sobre imprensa; no fundo, é sobre democracia.


Sem cláusula de performance, criada com essa pressa, o governo se dá ao luxo de esnobar os caminhos da mídia existente e refugiar-se na sua tevê, isto é, na sua torre de pixels.’


 


Simone Iglesias


TV pública vai ampliar debate, afirma Franklin


‘O ministro Franklin Martins (Comunicação Social) disse ontem, durante visita a Porto Alegre para discutir o formato da TV pública, que o canal servirá para aprofundar discussões feitas de maneira superficial e sem qualidade na TV comercial. A afirmação foi feita em uma audiência na Assembléia Legislativa.


‘Aborto, células tronco e etanol, por exemplo, são temas recentes que não são debatidos de forma qualificada na TV comercial. E será que isso não nos faz falta? Porque [discussões como essas] farão com que a gente exerça melhor nossa cidadania, sendo menos massa de manobra’, disse.


O ministro afirmou que não caberá ao governo interferir na programação e que o conteúdo será fiscalizado por um conselho com poder para demitir o presidente da televisão.


Para Martins, as emissoras de TV tratam o telespectador apenas como um consumidor e não se arriscam na produção de programas. ‘Acabam ficando na mesmice’, afirmou.’


 


Folha de S. Paulo


TV Brasil definirá grade sob consulta popular


‘A programação da TV Brasil, emissora pública federal prevista para entrar no ar no próximo dia 2 de dezembro, será definida sob consulta pública.


‘Não só pela internet, promoveremos ampla campanha de escuta e troca de opiniões, para que a cara da TV Brasil não chegue pronta ao espectador, mas seja feita com a ajuda dele’, disse ontem em São Paulo o secretário do Audiovisual, Orlando Senna, recém-nomeado diretor-geral da empresa.


Senna disse que esse método de programação o ‘fascina, não só porque nunca foi feito, mas porque temos de providenciar que a TV Brasil seja eqüidistante dos poderes econômico e político, ambos muito perigosos para uma TV pública’.


Para a inauguração, está em preparação grade com 16 horas diárias de programação, ‘sendo oito horas de produção interna, quatro de produção regional e quatro de produção independente’, segundo Senna.


Acervo


A emissora lançará mão dos acervos da Cinemateca Brasileira e do CTAv (Centro Técnico do Audiovisual), bem como dos títulos do DOCTV, financiados pela Secretaria do Audiovisual. Segundo Senna, ‘existe a possibilidade de a TV Brasil co-produzir filmes’.


Ele disse estar em estudo a hipótese de que os filmes produzidos com benefício das leis de renúncia fiscal, método que financia a quase totalidade da produção nacional, devam ser automaticamente incorporados à grade da TV pública.


‘Isso está em discussão. No momento, [a determinação é que] pagamos antecipadamente direitos autorais e patrimoniais, para que os filmes possam ser exibidos’, afirmou.


Negociação


Outro ponto ‘em discussão’ é ‘o artigo [da Medida Provisória que cria a TV pública] que obrigaria as operadoras de TV por assinatura a dedicar um canal à TV Brasil’, aspecto em que ficou demonstrada ‘a necessidade de negociação’.


Senna pretende iniciar a produção de teledramaturgia da TV Brasil, incluindo novelas e séries em 2008, ano para o qual o orçamento reservado à emissora é de R$ 350 milhões.


O secretário disse que se retira da Secretaria do Audiovisual ‘muito satisfeito’ com os resultados alcançados. ‘Se não cumprimos todas as metas, avançamos bastante’, afirmou.


Ao lado de seu substituto, o documentarista Silvio Da-Rin, ele lançou ontem sete editais de fomento à produção de curtas e longas, no valor de R$ 9,8 milhões, além da terceira edição do programa ‘Revelando os Brasis’, para produção de vídeos em comunidades de até 20 mil habitantes, e de mais um pacote de títulos da Programadora Brasil, que abastece cineclubes no país.’


 


PEDRA
Felipe Seligman


Fotógrafo da Folha sofre agressão de sócio da Gol


‘O fotógrafo da Folha Alan Marques foi agredido e ameaçado ontem pelo empresário Nenê Constantino, presidente do Conselho de Administração da Gol Linhas Aéreas.


Ao chegar à Polícia Civil do Distrito Federal no início da tarde de ontem, para depor sobre um cheque de R$ 2,2 milhões pago ao ex-senador Joaquim Roriz (PMDB-DF), o empresário se irritou com a presença do fotógrafo. O fotógrafo Wilson Dias, da agência Radiobrás, também estava no local.


Inicialmente, Constantino tentou se esquivar das fotos, ocultando o rosto com as mãos. Depois partiu rumo a Marques e, com um tapa, atingiu sua câmera. Constantino então se abaixou, pegou uma grande pedra e ameaçou jogá-la no fotógrafo, que registrou a cena.


Aconselhado por seu advogado, Hermano Camargo, o empresário não jogou a pedra. Minutos depois, Camargo disse que seu cliente só tivera ‘uma reação’ porque o fotógrafo havia ‘encostado a câmera em seu rosto’. Isso não aconteceu, como provam as imagens feitas pela Folha e pela Radiobrás.


Ele disse que Constantino estava ‘tranqüilo’: ‘Não houve agressão. Já conversei com o fotógrafo e está tudo resolvido’. Ele se desculpou com Marques: ‘Meu cliente não está nervoso, ele não é investigado, é apenas testemunha’.


Em junho, interceptações telefônicas da Polícia Civil do Distrito Federal mostram Roriz negociando a divisão de um cheque de R$ 2,2 milhões em nome de Constantino com o ex-presidente do BRB (Banco de Brasília), Tarcísio Franklin, preso na Operação Aquarela.


Promotores suspeitam que o cheque teria sido pago como contrapartida para a venda de um terreno a uma empresa de investimentos imobiliários, da qual Constantino é investidor. Roriz nega e diz que o cheque seria empréstimo de Constantino para comprar uma bezerra. Ao depor, Roriz alegou ter sido vítima de ‘complô’.


Os depoimentos de Roriz e Constantino terminaram pouco antes das 22h. Eles não falaram com os jornalistas. Um dos procuradores que acompanhou os depoimentos informou que Roriz repetiu várias vezes que não se lembrava de nada.’


 


ARGENTINA
Flávia Marreiro


Kirchner fez aliança com apresentador de TV


‘Imagine os humoristas do programa ‘Pânico’ gravando em pleno Palácio do Planalto, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contracenando com um ator vestido de Fernando Collor. Agora, troque os personagens por similares da política na Argentina.


Foi o que aconteceu em dezembro de 2005, quando o arredio presidente Néstor Kirchner gravou uma esquete na Casa Rosada com um abobado Fernando de La Rúa (1999-2001) falso, com direito a vários ministros como ‘atores’.


O insólito quadro foi ao ar no programa de Marcelo Tinelli, espécie de Silvio Santos argentino, e é um dos marcos da era Kirchner na cultura.


O presidente, que costuma apresentar seu governo como uma ‘refundação’ do país em todos os campos, na cultura pode ostentar o crescimento da produção e do consumo no setor (leia texto à pág. A26).


Mas, na relação com Tinelli, Kirchner não escapa da comparação com o desafeto e ex-presidente Carlos Menem (1989-1990), que, como ele, também não aparecia em vernissages ou estréias de filmes, mas fez questão de cultivar relações próximas com o apresentador e empresário de comunicações.


O cuidado dos poderosos com Tinelli se explica porque ele comanda o show de variedades campeão de audiência à noite, que não raro inclui sátiras políticas, mas que também já recebeu políticos de carne e osso. De La Rúa, por exemplo, atribui sua queda em 2001 à reação negativa a uma entrevista no programa do apresentador. Na atual campanha, Tinelli não deixou de enviar ‘alôs’ para candidatos amigos, relata a imprensa argentina.


Na segunda-feira passada, reta final da campanha presidencial -a eleição é amanhã-, o casal Kirchner foi a Bolívar (320 km de Buenos Aires), cidade de Tinelli, inaugurar um centro esportivo com o nome do avô do apresentador. A candidata e primeira-dama Cristina Kirchner saiu de lá com uma foto ao lado de Tinelli.


Mas o que irrita setores da imprensa argentina e provoca controvérsia não é o que acontece diante das câmeras. O centro esportivo teve investimento federal (2 milhões de pesos), em obra gerenciada por uma empresa de Tinelli. Também é questionada a concessão de uma rádio ao empresário.’


 


Barato, país vira pólo de produção de cinema


‘No ano negro de 2002, com a Argentina afundada na crise, a tiragem de livros no país recuou 43%, ou quase 25 milhões de exemplares a menos.


Mas em 2004, um anos após a posse de Néstor Kirchner na Casa Rosada, o mercado editorial já exibia cifras similares às de antes da crise e apontava crescimento acompanhando a recuperação econômica -apesar de algumas editoras terem passado total ou parcialmente a mãos estrangeiras.


A acomodação do setor pós-crise não é muito diferente da que ocorreu em outros campos, como no cinema.


A chamada ‘buena onda’ do cinema argentino, com prestígio internacional e grande sucessos como ‘O Filho da Noiva’ (2001), com o ator Ricardo Darín, data de antes da crise e soube traduzi-la nas telas.


A novidade da era Kirchner, mais que a continuação da boa safra, foi também um dado de mercado: a transformação da Argentina em pólo de produções estrangeiras de cinema e, principalmente, de comerciais.


‘Como temos mais de 10 mil estudantes de cinema e como o país está muito barato, é natural que se transforme em pólo produtor. Muita gente qualificada foi inclusive para a produção de comerciais, que pagava melhores salários’, explica Eduardo Constantini Filho, sócio de um fundo para investir em filmes latino-americanos, entre eles ‘Tropa de Elite’.


A procura pelo país, e principalmente por Buenos Aires, como locação é tanta que a cidade resolveu criar um órgão municipal para gerenciar a demanda, o BAset (Buenos Aires Set de Filmación). Também foram criadas produtoras específicas para treinar atores e neutralizar seu sotaque na hora de filmar comerciais destinados ao mercado espanhol.


Políticas públicas


Para vários analistas culturais do país, o problema é que o governo não aproveitou a recuperação para reforçar o caixa da cultura e desenhar políticas públicas para o setor.


Apesar de a cultura ser um dos grandes chamarizes do país no exterior, o orçamento da área é de apenas 0,24% do PIB, quando a Unesco recomenda que seja 1%. ‘Só a cidade de Buenos Aires tem três vezes mais verba para a cultura que a Secretaria Nacional, que deve cuidar de todo o país. Nos pedem apoio, mas não temos dinheiro’, reconhece o secretário nacional de Cultura, José Nun.


Como em outras áreas, a cultura também é um bem concentrado na capital.


O dinheiro de menos foi o responsável pela principal crise do governo na cultura: a disputa com músicos da Orquestra Sinfônica de Buenos Aires -que promoveu ‘panelaços’ em forma de concertos públicos- e com técnicos e atores do Teatro Nacional Cervantes, duas instituições da capital. As categorias queriam que suas carreiras fossem reconhecidas no serviço público.


‘Se for para fazer um balanço da gestão Kirchner, não diria que foi muito positivo’, diz Constantini, que, além do fundo de cinema, é da família proprietária do Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).


O museu é também um dos símbolos da vida cultural pós-crise. De 2001, quando foi fundado, até agora, já acumula 2 milhões de visitantes. Constantini diz que o centro cultural, uma fundação sem fins lucrativos, dá prejuízo, e que o projeto é angariar fundos com futuros associados, a exemplo de outros museus no exterior.


Além das greves do Cervantes e da Sinfônica, Constantini cita a não-aprovação da chamada ‘lei do mecenato’, que permitiria a empresas ter renúncia fiscal caso investissem em cinema. A lei chegou a ser aprovada no Senado, mas caducou na Câmara -as duas Casas são dominadas pelo governo.’


 


VENEZUELA
Folha de S. Paulo


Atriz diz ter sido demitida por motivo político


‘A atriz venezuelana Fabiola Colmenares foi a público dizer ter sido demitida por motivos políticos.


Colmenares participava das gravações de uma novela para a rede de TV privada Venevisión, mas foi demitida nesta semana, após participar de um protesto estudantil contra a reforma constitucional proposta pelo governo.


A atriz, que se disse ‘marcada como os judeus o foram pelos nazistas’, afirmou que reclamará com o dono da Venevisión, o milionário Gustavo Cisneros. Favorecido pelo fim da emissora opositora RCTV, Cisneros é hoje considerado aliado do presidente Hugo Chávez.’


 


PLAYBOY
Mônica Bergamo


‘Foi uma bela aventura’


‘‘E é porque sinto meu corpo, os apertos, os lugares que coçam, os ruídos que ele faz, o calor, o frio, os sentimentos que se digladiam dentro de nós, os batimentos do coração que se aceleram, a dor de estômago, as percepções invisíveis, que eu estabeleço uma relação de interrogação e de diálogo. O corpo nos traz de volta a nós mesmos; ele não pode mentir.’


JULIETTE BINOCHE,


atriz francesa em entrevista à ‘Playboy’


Chega às bancas de Paris, na terça-feira, 30, a surpreendente edição da ‘Playboy’ com a atriz francesa Juliette Binoche na capa. São dois ensaios -um de moda e outro em que ela aparece nua- e mais uma entrevista com o crítico Antoine de Baecque, ex-redator-chefe da ‘Cahiers du Cinéma’. Ainda não há previsão de publicação no Brasil. A repórter Izabela Moi, em Paris, entrevistou Yan Ceh, editor da revista francesa:


FOLHA – Como foram as negociações com Juliette?


YAN CEH – Esse projeto não existia. Eu voltei para a revista há apenas três meses e meio. Rankin, um fotógrafo inglês star, fundador da revista ‘Dazed&Confused’ e da ‘Another Magazine’, fez uma série de fotos pra nós no último número, em outubro, com a top model Tuuli. E foi ele mesmo que falou da ‘Playboy’ a Juliette Binoche (eles se conhecem bem) e ela achou a idéia interessante. Foi ela que acabou decidindo fazer alguma coisa conosco. Esse foi o ponto de partida dessa edição.


FOLHA – Por que dois fotógrafos e dois ensaios publicados?


YAN CEH – Rankin fez uma série de fotos com Juliette Binoche. Mas ela não ficou muito à vontade, e assim esse ensaio acabou virando um ensaio de moda no lugar do planejado, uma série de fotos dela nua e bem sexy. Nós ficamos satisfeitos com a série moda, mas era preciso refazê-las para justificar uma foto na capa da ‘Playboy’ -não poderíamos colocar Juliette na capa se ela não tirasse toda a roupa para a revista. Então foi ela que chamou Marianne Rosenstiehl para fazer o ensaio de nudez.


FOLHA – Onde foi o ensaio?


YAN CEH – As duas séries de fotos foram feitas em estúdios em Paris. Para a sessão de Rankin, uma equipe inteira estava presente. A série de fotos de nudez com Marianne foi feita num ambiente mais íntimo: só as duas estavam no estúdio.


FOLHA – Essa revista sinaliza novo caminho para a edição francesa?


YAN CEH – Foi uma bela aventura com o resultado de uma capa e dois ensaios espetaculares, fortes. Nós esperamos que esse novo direcionamento -mais glamour, mais moda, mais inteligência- seduza tanto os leitores como outras estrelas que queiram posar para nós. Atrizes, estrelas do mundo da música, top models, e que atraia também grandes fotógrafos do mundo fashion a embarcar nessa nova ‘Playboy’ ‘made in France’.’


 


NICHOLAS LANDER
Mônica Bergamo


À mesa com as meias do ‘Financial Times’


‘‘Olha eu aqui! Sou eu mesmo!’, diz o inglês Nicholas Lander, 55, levantando a barra da calça e exibindo as meias cor-de-rosa para cerca de cem pessoas que assistiam à sua palestra no seminário Mesa Tendências, esta semana, em SP. Crítico de gastronomia do inglês ‘Financial Times’, ele criou mistério em torno de sua figura: a página do jornal não traz sua foto e seu site pessoal mostra apenas a imagem de um par de sapatos pretos e meias vermelhas, que ele sempre exibe a platéias restritas, para provar que é quem é. ‘A meia vermelha não veio, porque já está desbotada. Mas trouxe esta aqui, para manter a marca’, diz.


Nicholas ficou duas semanas no Brasil, entre Salvador e São Paulo, com a esposa Jancis Robinson, uma das maiores especialistas em vinho do mundo. Foram a três restaurantes na Bahia e oito em SP. A coluna os acompanhou em três deles (Emiliano, A Figueira Rubaiyat e D.O.M.), para conferir suas impressões sobre a gastronomia brasileira. Bloco de couro na mão, a cada garfada, ele fazia anotações e associava as palavras que não conhece: escreve ‘fish’ (peixe) ao lado de ‘robalo’, ‘grape’ (uva) para ‘jabuticaba’ e ‘potato’ (batata) para tentar definir ‘mandioquinha’.


‘O que mais me impressionou foi o café da manhã, especialmente o do hotel na Bahia: tapioca, frutas frescas, castanha de caju, bolos…’, descreve. ‘Também gostei de um bufê em que você paga R$ 28 e come tudo o que puder. A comida brasileira, em comparação à da Europa, não é cara.’ Elogia a caipirinha: ‘Nos últimos dois, três anos, [a bebida] virou moda em Londres, mas os ingleses fazem muito forte. Aqui é mais leve, refrescante’, diz.


‘Terrific! [extraordinário]’, diz, após degustar um ‘robalo em crosta de pimenta de cheiro e abobrinhas caipiras’, do menu degustação do Emiliano, onde jantou na terça. Dispensa a faquinha de peixe e pede uma colher, para raspar o molho. Não achou apimentado? ‘Não. Talvez porque eu tenha vindo da Bahia’, diz. Em seguida, vem carré de cordeiro com purê de mandioquinha e molho de jabuticaba. ‘Tive a sorte de pegar um pedaço perfeito. Percebi que alguns dos outros [servidos aos demais integrantes da mesa] não estavam tão bem cozidos. Mas esse molho é fantástico!’, diz, após ‘limpar’ o prato e lamber a iguaria com o dedo.


Na quarta-feira, come feijoada pela primeira vez. ‘Tentam fazer na Inglaterra, mas aqui vocês têm os fornos, as carnes… você sabe disso melhor do que eu’, diz. Faz dois pratos, em porções modestas. ‘Agora percebo o quanto a laranja e a couve são importantes como digestivos. Pensei que ficaria com o estômago desse tamanho [desenha uma barriga com as mãos], mas não aconteceu.’ E pede ao garçom um ‘digestivo alcoólico’. Nada de licor, ele toma cachaça envelhecida.’


 


LITERATURA
Fábio de Souza Andrade


Ramiro de perto


‘CHICO MATTOSO, 28, editor da revista literária ‘Ácaro’, faz jus à fama de ‘novíssimo’. Blogueiro, estreou em livro com ‘Cabras’, obra coletiva, e com o conto ‘Emílio’, incluído no volume ‘Parati para Mim’, subproduto da primeira Flip -a idéia era ter, durante o festival, três escritores confinados numa pousada, traduzindo a cidade em ficção. Também tomou parte no recente e controvertido ‘bonde das letras’, o projeto Amores Expressos que, patrocinado por uma editora, despachou por um mês 16 autores brasileiros para destinos variados pelo mundo (no seu caso, Havana), com o compromisso de escrever uma história que amarrasse amor e a cidade visitada. Escrita, viagem e deslocamento, atravessados por diários eletrônicos que abrem os bastidores da criação, a aposta nas revistas com cara própria e a duras penas sustentadas, sem descartar as encomendas do mercado editorial, Mattoso é cria do seu tempo.


‘Longe de Ramiro’, seu primeiro (e breve) romance, também parte de um deslocamento, agora no domínio do vizinho e do familiar. Todo-mundo-e-joão-ninguém, o protagonista é um jovem ‘homem sem qualidades’, prova viva que, de perto, somos todos bem estranhos e parecidos. Desacostumado de si mesmo, invasor do próprio corpo, Ramiro leva ao extremo um pendor para cismar com o dia-a-dia ralo de classe média urbana, que assume ares de natureza incontornável, e decide mudar-se, sem explicações ou notícias, para um flat. Lá, entre camareiras e hóspedes, o narrador o flagra pela primeira vez, a vida prática interrompida, o velho eu abandonado.


Distante da alegoria, o eixo do romance é este presente suspenso, quando a roda dentada da rotina, cariada, deixou de funcionar e a linguagem corriqueira não mais corresponde às coisas. No espaço impessoal dos corredores do hotel, montanha mágica modesta ao seu alcance, tudo assume ares de curioso, risível ou insólito. Nada corre no automático. Uma persiana quebrada, o percurso do quarto ao restaurante, a espera por uma mesa vazia convertem-se ora em desafio lógico, ora em pesadelo desperto, ora em pretextos para fantasia e capacidade descritiva correrem soltas; em experiência, nunca.


Passa seus dias metido num roupão, ocasionalmente assaltado por lembranças esparsas (festas, amigos, infância), a um só tempo recentes e remotas, sem que a memória, a exemplo do presente, se engrosse num fluxo. Contra estes quadros sem sentido ou continuidade, em que seu lugar é sempre à margem, apenas a imagem persistente de uma mulher parece se salvar, digna de disputar sua atenção com os padrões do piso do lobby ou o espetáculo científico da movimentação dos hóspedes. Chico Mattoso encontrou em Ramiro um estranho no ninho que nos diz respeito, capaz de olhar o mundo com olhos de primeira vez, sem que haja segunda à vista, e dizê-lo com ironia. Não é pouco para um romance de estréia.


LONGE DE RAMIRO


Autor: Chico Mattoso


Editora: 34


Quanto: R$ 25 (88 págs.)


Avaliação: bom’


 


INTERNET
Miguel Helft


Google quer expandir publicidade móvel


‘DO ‘NEW YORK TIMES’, EM SAN FRANCISCO – Há mais de dois anos, um grande grupo de engenheiros do Google está trabalhando sigilosamente em um projeto de telefonia móvel. À medida que surgiam as primeiras informações sobre seus esforços, o mundo da tecnologia começou a discutir expectativas quanto ao ‘Google Phone’, ou GPhone, da mesma forma que costuma acontecer entre os leais seguidores da Apple antes de um discurso de Steven Jobs.


Mas não é provável que o GPhone venha a representar um segundo advento do iPhone, e os objetivos do Google diferem bastante dos da Apple.


O Google deseja expandir seu domínio do mercado de publicidade on-line à internet móvel, que no momento representa um mercado pequeno, mas que deve crescer rapidamente.


A esperança da empresa é persuadir as operadoras de telefonia móvel e os fabricantes de celulares a oferecer aparelhos que usem seu software, segundo pessoas informadas sobre o projeto. O custo desses aparelhos pode ser parcialmente subsidiado pela publicidade que exibirão em suas telas.


O Google deve revelar os frutos de seus esforços no ramo de telefonia móvel ainda neste ano, e celulares que empregam sua tecnologia podem chegar ao mercado já no ano que vem.


Concorrência


Alguns analistas dizem que, ao menos inicialmente, o efeito do projeto do Google sobre o mercado de telefonia móvel provavelmente não será tão profundo quanto o do iPhone, cuja aparência e recursos revolucionários redefiniram as expectativas dos consumidores quanto aos celulares.


‘O iPhone foi um marco em termos de como as pessoas empregam um aparelho móvel’, disse Karstein Weide, analista da IDC. ‘O GPhone, se for lançado, ajudaria o Google na distribuição de seus serviços de internet.’


O cerne dos esforços de telefonia do Google é um sistema operacional para celulares que se baseará no sistema operacional de fonte aberta Linux, de acordo com executivos do setor que conhecem o projeto.


Além disso, o Google deve desenvolver versões móveis de seus aplicativos que irão bem além das buscas e mapas que a empresa oferece no momento.


Esses aplicativos podem incluir um browser para celulares.


Embora o Google tenha construído protótipos de celulares para testar seu software e exibir a tecnologia que está desenvolvendo aos fabricantes, a empresa provavelmente não vai fabricar aparelhos, de acordo com analistas.


Em resumo, o Google não está desenvolvendo um aparelho para concorrer com o iPhone, mas sim desenvolvendo software que representará alternativa ao Windows Mobile, da Microsoft, e a outros sistemas operacionais, que acionam os celulares vendidos por muitos fabricantes. E, ao contrário da Microsoft, o Google não deve cobrar uma taxa de licença dos fabricantes de celulares que desejem utilizar o seu software.


‘A estratégia do Google é comandar a criação de um concorrente de fonte aberta para o Windows Mobile’, disse uma fonte do setor.


Alguns observadores acreditam que outro objetivo importante do projeto do celular seja relaxar o controle das operadoras de telefonia móvel sobre o software e serviços oferecidos em suas redes.


‘A agenda do Google é desagregar as operadoras’, disse Dan Olschwang, presidente-executivo da JumpTap, uma empresa iniciante que oferece serviços de busca e publicidade a diversas operadoras de telefonia móvel.


O Google não quis comentar sobre detalhes específicos de sua iniciativa no ramo da telefonia móvel. Mas o presidente-executivo da empresa, Eric Schmidt, disse diversas vezes que o mercado de celulares representava a maior oportunidade de crescimento, para o Google. ‘Temos grande investimento em celulares e em uma plataforma de aplicativos para celulares’, ele afirmou em entrevista neste ano.


Analistas dizem que o Google, que tem pouca experiência com hardware complexo, enfrentará desafios significativos.


‘Dirigir um site e um serviço de buscas é uma coisa’, disse Weide, da IDC ‘Mas desenvolver um celular é assunto completamente diferente.’ Algumas operadoras, especialmente nos Estados Unidos, provavelmente receberão as abordagens do Google de maneira fria. Empresas como a Verizon Wireless e a AT&T investiram bilhões de dólares na construção e atualização de suas redes, no estabelecimento de relacionamentos com clientes, no subsídio à venda de celulares e na criação de portais próprios de Internet. Agora, querem garantir que esses investimentos dêem retorno, parcialmente por meio da publicidade em celulares, e vêem o Google e outros serviços de busca como concorrentes.


Como resultado, a maior parte das operadoras norte-americanas optou por rejeitar as abordagens dos grandes serviços de busca, por enquanto. Em lugar disso, elas promovem sistemas de busca e sistemas publicitários de pequenas empresas como a JumpTap e a Médio Systems, cujos serviços elas adotam sob suas marcas.


Lobby


O desejo do Google de afrouxar o controle das operadoras de telefonia móvel sobre suas redes não é de forma alguma um segredo. A empresa recentemente conduziu um esforço de lobby junto à Federal Communications Commission (FCC) pela imposição de regras a qualquer operadora que vença leilões e conquiste o direito de explorar preciosas freqüências no espectro de comunicação sem fio. As regras, que a FCC adotou a despeito da oposição da Verizon e de outras empresas, exigem que uma operadora que empregue qualquer porção do espectro abra suas redes a qualquer aparelho e a qualquer aplicativo, oferecidos por qualquer empresa.


O Google anunciou que está considerando fazer lances por algumas freqüências de comunicação sem fio. O lobby do Google, bem como seu trabalho em uma plataforma de software para celulares que estaria aberta a outros aplicativos, representa um esforço para levar à Internet móvel a dinâmica da Internet voltada aos computadores pessoais, que está livre de qualquer controle pelas operadoras.


O projeto do celular do Google foi construído em parte em torno da Android, uma pequena empresa de software para aparelhos móveis adquirida pelo grupo em 2005.


Alguns analistas dizem que não há garantias de que o Google será capaz de reproduzir no mundo da telefonia móvel o sucesso que teve na Internet. ‘O mercado de telefonia sem fio não oferece a mesma escala mundial e a mesma eficiência gerada pelo tamanho, e tampouco a falta de fricção na transição, que caracterizam o software na Internet’, disse Scott Cleland, analista do setor de telecomunicações. ‘Trata-se de um mundo completamente diferente e de um conjunto completamente distinto de fatores econômicos’, afirmou.


A Microsoft, cujo sistema operacional para celulares está no mercado há anos, tem acordos de distribuição com 48 fabricantes de celulares e 160 operadoras de telefonia móvel em todo o mundo. Ainda assim, apenas 12 milhões dos celulares vendidos este ano sairão equipados com software Microsoft, o que dá à empresa 10% de participação no mercado de celulares inteligentes, de acordo com a IDC.


A Microsoft preferiu não comentar sobre a potencial concorrência do Google. ‘O mercado é imenso, e nossos parceiros estão realmente motivados a levar celulares Windows Móbile aos consumidores’, disse Doug Smith, diretor de marketing da divisão de comunicações móveis da Microsoft.


Tradução PAULO MIGLIACCI’


 


Folha de S. Paulo


Criança brasileira tem em média 12 amigos virtuais


‘Quase 90% das crianças brasileiras dos grandes centros urbanos acessam a internet três vezes por semana ou mais. Cada uma delas possui em média 12 amigos virtuais. Os dados fazem parte de uma pesquisa divulgada ontem pelo canal infantil pago Nickelodeon.


O levantamento, chamado Playground Digital, foi realizado em dez capitais brasileiras e em outros 11 países: Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, Itália, Índia, Holanda, Suécia, Japão, Alemanha, China e México. O estudo foi organizado e coordenado pelo grupo Viacom, dono de canais de TV como MTV e Nickelodeon e do estúdio de cinema Paramount.


Foram pesquisadas 7.000 crianças de oito a 14 anos, sendo 600 brasileiras. Só participou quem tem acesso a pelo menos duas tecnologias das listadas (câmera digital, videogame, internet, MP3 player, celular e site de relacionamento). ‘A pesquisa independe da classe social, mas o acesso, no Brasil, acaba ficando mais com a classe AB. Quando há o acesso, a relação com a tecnologia é similar entre crianças de diferentes condições financeiras’, diz a socióloga e publicitária Beatriz Mello, do departamento de pesquisa da Viacom Brasil.


No universo pesquisado, as crianças brasileiras são as que mais acessam a internet: 86% contra 70% da média. Também são as que mais usam celular (81%, sendo que 41% têm seu próprio aparelho) e está atrás só da China no ranking das que mais visitam sites de relacionamentos (67%). ‘A tecnologia funciona como forma de ganhar amigos e manter as amizades’, afirma Mello.


Segundo ela, a pesquisa demonstra que 87% crianças checam os perfis das pessoas antes de iniciar uma relação virtual. A socióloga faz um alerta: ‘O problema é que as crianças dominam a tecnologia mais do que os pais. Mesmo que a criança diga que checa com quem se relaciona, é preciso que os pais rechequem para entender o que elas estão avaliando’.


As crianças citaram comunidades do site Orkut. Há algumas ‘básicas’, como ‘adoro chocolate’, até as excêntricas, como ‘eu quero morar no supermercado’. ‘Nessas comunidades, acontece o contato com a diversidade, com crianças de diferentes regiões, raças etc.’, diz Mello. Cada criança tem 160 músicas no MP3 player e 850 no computador. Já CD, possui em média 36. Escutam mais música pelo computador (81%) do que pelo aparelho de som (78%) e rádio (73%).


A TV é a atividade predileta. Em seguida, DVDs, música, cinema, filmes em casa, videogame, internet, sair com amigos, tempo com a família e MSN.’


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Folha de S. Paulo – 2


O Estado de S. Paulo – 1


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